Capa de Revista

 

Deixei passar, passou e agora a dor no verso
que me provoca, veste sempre o meu semblante
anuviado, pálido e de olhar disperso,
a buscar no vazio o seu abraço amante.
 
E a flor? Era vermelha, rosa ou amarela?
Perco no espaço o beijo que traz os sabores
e o gosto da saudade amarga, me revela
que a paz da solidão esquece o tom das cores.
 
Da flor que joguei fora ao vento da conquista,
ficou o adocicado perfume dos lábios
e o gosto de batom na capa da revista
 
folheada, rasgada e esquecida no canto
da cama, onde a tristeza de lençóis sombrios
te despe toda noite, para o meu espanto.
 
 
 
 
 

Soneto em Branco & Preto
 

No espaço do passado, este quarteto
caminha pelos palcos de um enredo
que encena o teu sorriso e este meu medo:
morrer de amor. Dispenso o cianureto,
 
prefiro a morte lenta — em branco & preto —
para aprender as galhas do arvoredo
e um dia reencontrá-la aAo sol, bem cedo,
nas nuvens que circundam o meu soneto.
 
E quando a luz soar os meus badalos,
para que eu viva a paz da eternidade,
permita-me, oh! Senhor, esta saudade.
 
Deixa que eu leve os sonhos, a poesia
e as emoções que o verso propicia
ao me lembrar dos lábios tão amados.
 
 
 
 
 

Poema de Lua
 

Lá vai um poeta nos braços da noite,
na grama molhada, contando a passada.
Rabisca palavras e rimas de afoite,
talvez na certeza da chuva e enxurrada.
 
Lá vai um poeta, brincando de foice,
carpido de espinhos e rochas da estrada.
Vai qual uma sombra perdida no açoite
da noite que ensina o silêncio do nada.
 
Em busca do verso, o poeta flutua
nas ondas do tempo e enfrenta os miúras
que vagam nos trilhos das nuvens escuras.
 
Vai cheio de mato, saudades ao vento,
pingado de chuva, brindando ao momento
e às águas que jorram poemas de lua.
 
 
 
 
 
Coração Maria-fumaça
 

Tem um coração de trAem que mora no meu peito.
Um coração tocado a lenha e fogo.
Coração que bebe água, muita água, apita e corre pelos trilhos das saudades.
Coração trem-mineiro singrando pelos vales, montanhas
e lugarejos esquecidos no mapa das Gerais.
Catiara...
Coração Maria-fumaça!...
Coração trem de ferro, trem de dor de dormentes, minérios e pedras-sabão.
Fuligens de sonhos espalhadas nos móveis barrocos do peito poeta e trilhos escorregadios, que me levam aos rios de ilusões de cachoeiras.
Coração com cheiro de charque e salitre... Salitre de Minas,
onde uma charqueada cantou meus dias de infância.
Coração-vulcão sem lavas na Serra Negra. Coração-verso extinto.
Coração-Serra! Serra do Salitre.
Coração-verso que abriga uma lagoa de águas sulfurosas
e palavras de água mineral engarrafada.
Coração em forma de triângulo e cercado por rios.
Rios de pedras preciosas e estrelas... Estrela do Sul.
Coração de Cruzeiro do Sul. Meu Cruzeiro querido.
 
 
 
Transportei saudades, bagagens, progresso,
E trouxe na mala a esperança das flores.
Nas serras talhadas, singrei entre os versos
de jovens neblinas e antigos amores.
 
Hoje, ando sem trilhos, contando dormentes,
apito na curva e adormeço nas retas,
sou velha fumaça ringindo os seus dentes,
perdido andarilho: poeta ou poeta!
 
Se saio das linhas, descarrilo as frases
nas pontes da vida que ensinam passagens,
para as estações de janelas e abraços...A
 
Preservo às palavras as águas e as crases.
Nessas paralelas, aceito as miragens
dos trilhos que sigo, em busca dos meus passos.
 
 
 
 
 
Psicanálise
 

Desculpe-me, doutor, mas os sonetos
carrego há muito tempo e, de reboque,
levo a paixão por Ela e um velho Rock,
que canto pelas ruas dos meus guetos.
 
Meu tratamento exige o eletrochoque
e a camisa-de-força dos quartetos.
Não volto para a terra dos insetos,
lá não tem nada e aqui me sobra estoque.
 
Eu não sou louco, apenas sou poeta.
Alado, eu sei, mas lúcido e moderno:
preste atenção no vinco do meu terno!
 
Deitar-me no sofá não me completa,
— ah! esqueci a gravata borboleta —

que mais dizer, doutor, se sou eterno?

 

 

 

 

Soneto Chorinho

 

Preciso urgentemente de um chorinho amigo,
que me faça escrever a paixão com jeitinho
brasileiro de ser, pois tudo o que eu rabisco
o poema devolve e pede um cavaquinho.
 
Preciso urgentemente do sorriso de flautas,
que me ensine a acender no rosto do soneto
a alegria, as emoções das velhas serenatas,
os fins de madrugadas, a praça e o coreto.
 
Pandeiro e violão: instrumentos do crime.
Polícia e camburão, sol nascendo entre as grades.
E tudo em Patrocínio era felicidade!
 
Lembrar felicidade em sonetos suprime
palavras e amizades, não cabem nas linhas,
mas guardo esta saudade ao som de Pixinguinha.
 
 
 
 
 
Soneto Desafinado
 

O meu poema é música sem partituras,
rabeca troncha e sonsa de uma nota só.
Paixão que bebe a doce clave das loucuras
nas batutas do amor, poeira, pedra e pó.
 
O meu poema é mote de enganar agruras,
jazz que me envolve em tela azul de rococó.
Pincel, paleta e marcas de velhas cesuras
no corpo de sonetos que amarro e dou nó.
 
Silêncio de relâmpago e luas desertas,
luares e palavras de aluar pateta,
para cumprir a sina: poeta ou poeta! 
 
Sigo pelos caminhos de portas abertas,
rasgando a solidão da palavra concreta,
desafinando a orquestra e a ponta da caneta.
 
 
 
 
 
Palavraduras
 
"Quando se vive sob a espécie da viagem
o que importa não é a viagem mas o começo"
                                     Haroldo de Campos
 
Palavreando pontos luminosos
no inconcretismo líquido da aurora
vai um poeta, livre dos seus ossos,
cantar a estratosfera de uma rosa.
 
E vai de mala feita e olhos gozosos
reinventar "Galáxias" poderosas,
com versos resgatados dos colossos
das quânticas de milestrelasprosas.
 
Quisera o ralo e os nacos da caneta!
A minha dor é mínima e abstrata.
Trago somente histórias de gaveta...
 
Galgar palavraduras de ouro em lata
é ofício dos avessos do poeta,
que sabe viajar paixões de prata.
 
 
 
 
 
Sentença
 

A máquina trabalha a passos largos
na busca do febril conhecimento,
para estancar o tempo e seus amargos
sinais de chuva, sol, poeira e vento.
 
Raios, agulhas, pílulas e os parvos
caminhos do poder de novo invento,
para enganar a dor e seus estragos,
enquanto tantos choram o alimento.
 
Ao fim, sempre o mistério do planeta:
a morte, o pó da terra, o adubo, as flores
sobre o granito frio e a foto em cores...
 
— Viveu, amou... — verdades da caneta —
Sentenças, missas, choros... E a ampulheta
enterra o ouro e apaga os refletores.
 
 
 
 
 
Soneto para Voar
 

Desculpe-me o silêncio das palavras.
— A voz que cala é a mesma que diz: não! —
Não tenho explicações para estas travas
que se fecham aos ventos da razão.
 
As portas da esperança pedem asas
e penas de aventuras nas canções,
para voar na dor, por sobre as casas,
das páginas de sonhos e emoções .
 
Tenho a ilusão do verso. Isso me basta.
Persigo a flor da doce arribação,
e um oceano antigo inda me arrasta...
 
— Não deixa em paz as águas da paixão. —
Bem sei que o vôo é lúgubre e desgasta,
mas não sei caminhar com os pés no chão.
 
 
 
 
 
Soneto com Nó
 

Cobertor de poeta é um agasalho,
que não serve aos anúncios da estação.
Quando frio, reveste-se de orvalho,
no calor, logo abraça a solidão.
 
Se num verso me cubro, noutro falho
e revelo o outro lado da canção.
As mentiras aceito e delas valho-
me, mesmo quando o peito diz que não.
 
Da pena à folha branca, me atrapalho
com os verbos e tempos da oração,
vou perdido e com passos de espantalho
 
sigo os trilhos abertos na emoção.
E, no ponto final, quebrando o galho,
dou um nó no soneto e lavo as mãos.
 
 
 
 
 
Final feliz
 
 
Se queres a poesia nos teus braços,
acende o verso e o ritmo na mente
e toca as mãos somente quando os laços
sentires belos, como os de um presente.
 
Não deixes vácuos, nódoas ou pedaços
de mágoas na canção, pois, ascendente,
a estrela do poema exige espaços,
pureza, luz e a letra transparente.
 
Traça teu próprio trilho, estuda as regras
e abraça a escuridão das noites negras...
As palavras não dormem co'as estrelas.
 
E lembra-te de que o sol dessa aventura
é a dor eterna e amiga da loucura...
Não tem final feliz feito as novelas.
 
 
 
 
 

(Do livro 1001 noites de sonetos & rabiscos, Ed. Scortecci, no prelo)

 

(imagem ©eduardo paolozzi)

 

 

Nathan de Castro (Ferreira Júnior) nasceu em 23 de janeiro de 1954, em Olhos d'Água, município mineiro de João Pinheiro. Atualmente, tem residência em Uberlândia e Divinópolis, Minas Gerais. Publicou Sentença de um poeta (Blocos Editora, 2003). Participou de várias antologias e recebeu alguns prêmios, entre eles o II Prêmio Literário Livraria Asabeça (Scortecci Editora).