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Safo nasceu na ilha de Lesbos,
provavelmente em Mitilene, por volta de 630 a.C.: eis o que de mais certo
sabemos sobre a biografia dessa poeta, a única do período arcaico grego
(circa 800-480 a.C.) cuja obra atravessou os séculos e chegou até
nós.
..... Em seu tempo, a poesia lírica
ainda não se divorciara da música. Ao contrário, era destinada a ser
cantada ou recitada com acompanhamento musical numa determinada ocasião de
performance. Safo praticou pelo menos três subgêneros líricos que
os poemas aqui traduzidos ilustram: monódias, ou seja, cantos solos
apresentados com o acompanhamento da lira (fragmentos 1 V, 2 V, 16 V, 44
V, 96 V), cantos corais (fragmento 140 V) e epitalâmios (fragmento 112 V),
canções inseridas no quadro da cerimônia de casamento para louvar os
noivos ou para celebrar sua união de maneira jocosa, o que denuncia as
suas raízes populares.
..... As canções
sáficas chegaram-nos em estado material precário: faltam-nos versos,
palavras, inícios e finais de suas composições. Na realidade, tudo o que
temos são fragmentos, denominação mais apropriada. Nem por isso a
força da lírica de Safo foi comprometida: desde a Antigüidade até hoje, os
ecos de seus versos e mesmo dos mitos e das ficções em torno de sua
ignorada biografia se fazem ouvir nas obras da literatura ocidental, seja
na prosa, na poesia ou no teatro.
..... Na
tradução, note-se que seus fragmentos não têm títulos, mas números que
normalmente coincidem nas suas duas edições mais importantes de Safo:
Poetarum Lesbiorum Fragmenta (1955), de Denys Page e Edgar Lobel,
e Sappho et Alcaeus: fragmenta (1971), de Eva-Maria
Voigt.
Fr. 1:
De
florido manto furta-cor, ó imortal Afrodite,
filha de Zeus, tecelã de
ardis, suplico-te:
não me domes com angústias e náuseas,
........veneranda, o coração,
...............................................................................4
mas
para cá vem, se já outrora —
a minha voz ouvindo de
longe — me
atendeste, e de teu pai deixando a
casa
........áurea a
carruagem
................................................................................... 8
atrelando
vieste. E belos te conduziram
velozes pardais em torno da
terra negra —
asas rápidas turbilhonando, céu abaixo
e
........pelo meio do éter.
....................................................................................12
De
pronto chegaram. E tu, ó venturosa,
sorrindo em tua imortal
face,
indagaste por que de novo sofro e por que
........de novo te invoco, ....................................................................................16
e
o que mais quero que me aconteça em meu
desvairado coração.
"Quem de novo devo persuadir
(?) ao teu afeto? Quem,
ó
........Safo, te maltrata?
....................................................................................20
Pois
se ela foge, logo perseguirá;
e se presentes não aceita, em
troca os dará,
e se não ama, logo amará,
........mesmo que não queira". .........................................................................
..24
Vem até mim também agora, e liberta-me
dos
duros pesares, e tudo o que cumprir meu
coração deseja, cumpre; e, tu mesma,
........sê minha aliada de lutas. ...........................................................................28
Fr. 2:
Para cá,
até mim, de Creta, (para este?) templo
sagrado, onde (...) e agradável
bosque
de macieiras, e altares nele são esfume-
........ados com incenso. .....................................................................................4
E
nele água fria murmura por entre ramos
de macieiras, e pelas rosas todo
o lugar
está sombreado, e das trêmulas folhas
........torpor divino desce. ...................................................................................8
E
nele o prado pasto-de-cavalos viceja
(...) com flores, e os
ventos
docemente sopram (…)
Aqui tu (...) tomando, ó
Cípria*,
nos áureos cálices, delicadamente,
néctar,
misturado às festividades,
........vinho-vertendo ... ....................................................................................16
*: outro nome
de Afrodite.
Fr. 16:
Alguns,
renque de cavalos, outros, de soldados,
e outros, de naus — sobre
a terra negra dizem
ser a coisa mais bela, mas eu (digo): o que
quer
........que se ame. ..............................................................................................4
Inteiramente
fácil fazer compreensível a
todos isso, pois a que muito superou
em
beleza os homens, Helena, o marido*,
........o mais nobre, ............................................................................................8
tendo
deixado, foi para Tróia navegando,
até mesmo da filha e dos queridos
pais
completamente esquecida, mas desencaminhou-a
........Afrodite (?) .............................................................................................12
........(...)
(...) agora traz-me
Anactória à lembrança,
........a
que está ausente, ..................................................................................16
Seu
adorável caminhar quisera ver,
e o brilho luminoso de seu rosto,
a
ver dos lídios** as carruagens e a armada
........infantaria... ......................................................................................................................20
*:
Menelau.
**: povo da antiga Lídia (atual Turquia), bem próxima de
Lesbos, poderosa e rica em ouro.
Fr. 44:
(...)
Veio o arauto (...)
Ídaos (...), veloz
mensageiro:
"(...)
Heitor e os companheiros a de vivos
olhos trazem ...................................................5
de
Tebas sacra e da Plácia de fontes perenes — ela,
delicada
Andrômaca —, nas naus, sobre o salso
mar. E muitos braceletes áureos e
vestes
de púrpura fragrantes, adornos
furta-cor,
incontáveis cálices prateados e marfins". .............................................................10
Assim
ele falou; e rápido ergueu-se o pai querido, Príamo;
e a nova, cruzando
a ampla cidade, chegou aos amigos.
De pronto os troianos às carruagens
de boas rodas
atrelaram as mulas, e nelas subiu toda a
multidão
de mulheres e junto as virgens (...), ....................................................................15
mas
apartadas as filhas de Príamo (...)
e cavalos os homens atrelaram
aos carros (...)
... rumou (...) em direção a Ílio*,
e a
flauta de doce som (...) se misturou
e o som das castanholas
(...) e então as virgens ...................................................25
cantaram
uma canção sacra e chegou aos céus
eco divino (...)
e em toda parte
estava ao longo das ruas (...)
crateras e cálices
(...)
mirra e cássia e incenso se misturavam, ..............................................................30
e
as mulheres soltavam alto brado, as mais velhas,
e todos os homens
entoavam adorável e alto
peã a Apolo invocando o Arqueiro habilidoso na
lira,
e hineavam Heitor e Andrômaca, semelhantes aos
deuses.**
*: outro nome
de Tróia.
**: Os personagens citados fazem parte da realeza troiana
retratada na Ilíada de Homero (c. 750 a.C.?). Note-se que, no épico,
Apolo, como outros deuses, coloca-se ao lado de Tróia e contra os gregos,
que, por sua vez, também tinham deidades que os favoreciam, como Atena.
Fr. 96:
(...)
Mas agora ela se sobressai entre Lídias mu-
......lheres como, depois do sol
...............posto, a dedirrósea lua ........................................................................8
supera
todas as estrelas; e sua luz se es-
......parrama por sobre o salso mar
.......e igualmente sobre
multifloridos campos. ......................................................11
E
o orvalho é derramado em beleza, e bro-
.....tam as rosas e o macio ce-
........refólio e o trevo-mel em flor. .....................................................................14
E
(ela) muito agitada de lá para cá a re-
...cordar a gentil Átis com desejo;
...decerto frágil peito (...)? se consome. ..............................................................17
Fr. 112:
.............................Ó feliz noivo, tua boda,
como pediste,
.............................se cumpriu, e tens a
virgem que pediste.
.............................Tua forma é graciosa, e
(....) olhos de
.............................mel, e amor se derrama
na desejável face
.............................(...) honra-te em
especial Afrodite...
Fr. 140:
............................."Morre, Citeréia*, delicado Adônis. Que nos resta
fazer?"
............................."Golpeai, ó virgens,
vossos seios, e lacerai vossas vestes..."**
*: outro nome
de Afrodite.
**: nos mitos antigos, Afrodite e Adônis são amantes
separados pela morte dele, que ocorre no auge de sua juventude e
virilidade.