enseada

 

 

o ipê é como um ferro ele disse

as unhas pensas

no ardume da anunciação

 

sobre o rochedo

as têmporas afogueadas e o flagrante

da mandíbula irreparável do fim

da tarde (hóstia

em terracota)

 

nessa praia

as ondas enevoadas arrebentam o branco

                                 os barcos

desabotoam a precisão das linhas

                    e as ilhotas, desgrenhadas

                    atracam visgos de luz

 

               aqui, onde

                       

a barbárie já nasce seca

             em seus olhos

 

 

 

 

 

 

ladeira da glória

 

 

ele se erige como um pergaminho

em aliciante embaçamento

fazendo supor

que toda água já nasce escaldante

e, ainda assim, vibra,

a marteladas

 

hoje acordei

embalada por imperativos. mas foi ele quem inventou

esse cansaço labiríntico

 

e me trouxe aqui, com

a boca inflamada pela pressa

nos dentes, uma certa apreensão

— não por mordidas, mas por hálitos

categóricos

 

nele a ossatura se escancara a ponto de romper

com um estrondo a própria voz

e seu olhar apenas lembra

dobradiças, rosetas

cremones

e toda a sorte

de ferragens maliciosas

 

mas

entre nós estariam encerrados os dilemas

e as alíquotas

caso não houvesse

no trajeto do plano-

elevado que leva a essa igreja

imaculada de tão breve (pavimentos tristes,

vidros urgentes)

um esgotamento

ávido por pontas

desenraizado de cálculos

fortuitamente lançado sobre a baía

 

 

 

 

 

 

in natura

 

 

chegou a hora da prestação de contas:

às apalpadelas, de cor, ligeiro

gomo de amianto um tigre

dentro de um quadrado

 

à discreta contração de lábios não temos

sequer lastro de linguagem sequer

réplica e sua pouca carniça

— ao fundo só o desejo de orquidários

e uma perturbação de pernas

 

traiçoeira: uma única versão

que não fareje em seu reverso um último

recurso para a assepsia

mortal — rente aos pés a fabriqueta

formula estilhaços de atalhos presa

escandinava os olhos torpes e somente

o veludo cinza adentro do rasgo

do nome — esse
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

steel

 

 

pústulas sobreventos arcabouços

                       e mirra

é esse o ponto em que a tarde desentranha

todos os nervos purulentos

e urgentes — ouro de tolo aos poucos arrebentando

                       do couro cru a anunciação

                       mais bruta

 

quando a sombra do dia é pelúcia

                       vermelha

e em vários níveis de fuligem irrompe a perícia

da memória — os seus olhos vidrados

naquela hora a mesma hora que se repete

do córtex ao fogo

indefinidamente

 

 

 

 

 

 

fevereiro

 

 

Não seria mais possível o requinte do aço

escovado a tristeza mais ordinária a espessura

de um fôlego o atrito

¾  borracha irreversível ¾

Mas seria possível que

tendendo ao imagético manchado de

ruiva contemplação a manhã

ainda crispada de brechas

 

(uma oratória

imediatamente predisposta

ao rigor dos acontecimentos)

 

trouxesse as mãos em concha o sal

entredentes e uma vertigem

à qual se pressentisse a lógica desmesurada a tênue

miopia pousada no ombro tal qual uma fera

aspergindo o soro primeiro a fruta infindável a sede

que não tem mais para onde ir

 

 

 

 

 

 

propriedade

 

 

como artifícios temos apenas as asperezas

a corpulência cabível em pavios desfigurados

ou os 28 dias necessários

para que se cure

o concreto

 

carregamos

nas extremidades fissuras

irreparáveis

e, nos olhos,

a cor mirabolante dos abatedouros

 

mesmo assim

 

as corredeiras

as sirenes os personagens

estão ao seu dispor

 

e ainda esse aguaceiro

 

onde o entreaberto é uma doçura

de tão fundo

 

 

 

 

 

 

armazéns

 

 

seria apenas a ausência impertinente de arredores

ou sua respiração de treva que oscila e foge

por debaixo da porta (a beleza

inteiramente desamparada)? mas este

cais de porto

é, de fato, uma chave.

suas nervuras e estalos

como fábulas

úmidas. (os agentes narrativos são incapazes

de identificar a estiagem

e o sinal dos tempos

nas amuradas). e ainda esta dor

selvagem ancorada às turbinas e granéis

ao maquinário rasgado em itinerários

de vapores e conspirações. a meticulosa

delicadeza da noite entregue

toda ao gesto de içar: originalíssimo

e escravo das circunstâncias. 

(neste instante você segura a minha mão

e a põe contra o peito, temendo

a face invisível das embarcações) a água

que cresce como um germe negro ao redor, como

um calafrio inédito um

verbo inédito uma

presença quebradiça.

(mas o que é quebradiço

está morto? ou reverbera apenas

as manchas quentes de sangue no carpete?) você me diz

que sobre toda música incide uma renúncia

e mesmo este apito e enquanto diz

o horizonte reconhecível

assola de frios a linguagem

(é preciso, no entanto, reconhecê-lo em surdina

como se reconhecem nos álcoois

as rajadas de acalanto)
 
 
 
 
 
 
av. brasil

 

 

o que se salva aqui são apenas

os elementos construtivos:

condutores singelos

traço um para três

cornija

 

uma secura de mão doente

essa carne nunca disse

o que é degradado e o que é

desterro

mas impenitentes as platibandas

arregaçam

o que reluz: intempéries

tomadas de assalto

pela ferocidade branca

de um clique


(imagens ©mari mahr)
 

 
Juliana Krapp nasceu em 1980, no Rio de Janeiro, onde vive. É jornalista e mestranda em Comunicação Social da UERJ. Participa do grupo CAC (Comunicação, Arte e Cidade). Inédita em livro, tem alguns poemas publicados em revistas como Inimigo Rumor e Poesia Sempre.