Medida

 

Gente grande não se mede

Pelo volume da massa

O troço de medir gente

Também não é pela raça

Nem queira lograr pecúnia

Essa medida é de graça.

 

 

 

 

 

 

Violência Social

 

 

À Ivan Morais Filho (jornalista do CCLF – Centro de Cultura

Luiz Freire). Gigante na defesa dos direitos humanos.

 

 

A arma, o alvo, estampido

A bala, a mira certeira

A queda, a dor, o gemido

A morte por companheira.

 

Mais um no chão estendido

Se for sem eira nem beira

Todo o mundo comovido

Se o corpo tem coleira.

 

Menor, se assim for pobre

Adolescente, se é nobre

Nos dita a sociedade.

 

Quando a vida se faz morta

Nada disso mas importa

Nos dita a realidade.

 

 

 

 

 

 

Genealogia

 

O poeta já nasce destinado

Desde a hora de sua geração

Cada veia que sai do coração

É um verso a pulsar acelerado

Pela deusa da musa é coroado

Do castelo dos sonhos é o rei

Tudo quanto improvisa vira lei

Quando quer, tudo pode, tudo cria

Trago o gen imortal da poesia

Pela força do sangue que herdei.

 

Aprendi com meu grande professor

Que o xexéu o piston a tarde emuda

Que no mundo não há quem não se iluda

No caminho de pedras do amor

Aprendi os segredos que há na flor

E que tudo na vida quanto sei

Foi porque minha vida eu debrucei

Pra melhor entender FiloSOFIA

Trago o gen imortal da poesia

Pela força do sangue que herdei.

 

 

(Mote e poema para o livro do poeta Manoel Filó)

 

 

 

 

 

 

Quero

 

Eu quero tanto que te sintas minha

O quanto quero sentir que sou teu

E como quero ser o teu plebeu

Se tu quiseres ser minha rainha

Eu quero amar-te a vida inteirinha

E que me queiras também por inteiro

Quero perfumes só com o teu cheiro

E que tu queiras me beijar somente

Quero querer-te como num repente

E que me queiras num verso fagueiro.

 

 

 

 

 

 

Azavessa

 

Tô ficando embriagado

Com o xêro do teu xêro

Teu cangote perfumado

Me faz perder o rotêro.

 

No meu peito encaliçado

Teu amor é meu terrêro

És o meu reino encantado

Onde eu brinco o dia intero.

 

Onde eu brinco o dia intero

És o meu reino encantado

Teu amor é meu terrêro

No meu peito encaliçado.

 

Me faz perder o rotêro

Teu cangote perfumado

Com o xêro do teu xêro

Tô ficando embriagado.

 

 

 

 

Popular - Erudito

 

Se fosse o erudito

Do popular o avesso

Como antes era dito

Sem rodeio e sem tropeço

Galdino que é daqui

Não seria qual Dali

Artes do mesmo endereço.

 

 

 

 

 

 

Fé

 

Eu nada sei do que sei

Como já filosofado

Muito em tudo que pensei

Está certo, estava errado

No sofisma dos ateus

Não acredito em Deus

Mas posso está enganado.

 

 

 

 

 

 

Humanidade

 

Somente a nossa espécie

É quem pode destruir

Ou, quem sabe, preservar

O que no mundo existir

Só a conscientização

Pode gerar a ação

 

 

 

 

 

 

Idas e idas

 

 

Para o poeta recifense Erickson Luna

 

 

Nunca é tarde a partida

E sempre cedo é a ida

Pra quem um fio de vida

Servia de inspiração

Cada gole um novo tema

Em cada trago um poema

Tudo dentro do esquema

Sem dar-se trela à razão.

 

Vai-se cedo mais um forte

Sem precisar de transporte

Nessa bússola sem norte

Sem que se saiba o destino

Na visão do indeciso

Viaja sem dar aviso

Pois num instante impreciso

Bate o derradeiro sino.

 

 

 

 

 

A Medusa moderna

ou A besta fera da televisão

 

O fascínio da imagem

Permeia a humanidade

Desde os tempos mais remotos

Se sobrejulga verdade

E o duvidoso só crer

Naquilo que ele ver

Pra dar legitimidade.

 

Uma história antigamente

Fosse escrita ou narrada

Tinha a força da imagem

Sendo ela bem contada

Que quem escutava ou lia

Sua imagem construía

Na própria mente moldada.

 

Cada mente revelava

Um mundo bem diferente

Pois o abstrato é parte

Indissolúvel da mente

Pertence a cada sujeito

Sem ter forma nem conceito

Idênticos à toda gente.

 

Porém nada superava

Tão pouco reproduzia

Os deleites da visão

Pois tudo quanto se via

Na sua totalidade

Se creditava a verdade

Diluindo a fantasia.

 

Os poetas, os pintores

Artistas e criações

Que refaziam imagens

Nas suas divagações

Eram raros pensadores

Que atribuíam valores

A suas próprias visões.

 

Nos tempos da Grécia antiga

Deuses da mitologia

Habitavam céus e terras

Onde tudo interagia

Numa profusão de crenças

E de vibrações intensas

Pelo poder da magia.

 

Os grandes feitos dos deuses

E atributos divinais

Foram narrados e escritos

Em versões originais

Que ressaltavam as dores

Regadas pelos amores

Que tiveram com mortais.

 

Desta insólita união

Entre deuses e humanos

Gerava-se o nascimento

Dos heróis em seus ufanos

Eram os seres dotados

De poderes encantados

E indecifráveis arcanos.

 

Perseu foi um dos heróis

Que este universo habitou

Em suas longas jornadas

Muitas feras enfrentou

Mais sua maior vitória

Foi quando cheio de glória

A Medusa derrotou.

 

Górgona era a divindade

Que todos que lhe fitavam

Que em seus olhos olhassem

Em pedras se transformavam

Esta era a punição

E o destino da missão

Daqueles que lhe enfrentavam.

 

Sua imagem era um imã

Para o olhar atrevido

Mas o nosso herói Perseu

Por Zeus era protegido

Tinha um escudo encantado

Lhe deixando imunizado

Do que era refletido.

 

Todo poder da Medusa

Estava por fim desfeito

Refletida a sua imagem

Não tinha nenhum efeito

Foi ela então derrotada

Pela imagem refratada

Anulando o seu preceito.

 

Ver as coisas refletidas

Nos dá outras dimensões

Permitindo recriar

Com novas reflexões

Como na alegoria

Que figuras produzia

Num leque de conclusões.

 

Porém a humanidade

Durante o século passado

Passou a evoluir

Em ritmo acelerado

Tangida por fortes ventos

De controversos inventos

Com efeito ignorado.

 

Se inventa, se descobre

Se renova e se recria

Se instala a modernidade

Nova era principia

Nos trazendo antigas feras

Passadas em outras eras

Com nova filosofia.

 

As feras ressuscitadas

Na força da evolução

Renascem com seus poderes

Numa maior proporção

E o próprio homem que inventa

É também quem alimenta

Seu furor de maldição.

 

Ressurge então a Medusa

Na sua versão moderna

Como já dizia o sábio

Na passagem da caverna

Usando uma camuflagem

Ocultando a própria imagem

Numa imprecação eterna.

 

Sucumbindo a humanidade

Numa imensa corrosão

Mantendo fito os olhares

Petrificando a razão

Seu poder destruidor

Hoje é o gerador

Da BESTA televisão.

 

 

(Comentário-cordel sobre o artigo do médico escritor Ronaldo Correia de Brito, no Nº 42 da revista Continente Multicultural, na coluna Entremez, intitulado "Reflexões sobre o nosso tempo 1 – A imagem")

 

 

 

 

 

 

O inimaginável

 

Não consiste de matéria

Reside em todo ambiente

Até no vão da semente

Sua existência é etérea

Também está na artéria

Que espalha sangue num gato

Na faca de tratar fato

No gomo da poesia

No oco da melancia

Que a raposa deu um trato.

 

No solado de um chinelo,

No batente da calçada,

Em cima de uma latada,

No estrondo do martelo,

Pintado de amarelo,

Pode ter qualquer formato,

Tá na cidade e no mato,

No olhar frio da jia,

No oco da melancia,

Que a raposa deu um trato.

 

Não sei quem diabo já viu

Porém tá em todo canto

E pra me causar espanto

O danado hoje sumiu

Não sei por onde saiu

Pois ninguém tirou retrato

No sentido estrito ou lato

Às vezes ele se enfia

No oco da melancia

Que a raposa deu um trato

 

Lhes digo sinceramente

Que eu nunca o avistei

Outro dia até pensei

Tê-lo inventado na mente

Mais nisso rapidamente

Ele veio em meu olfato

Trazendo seu cheiro inato

Que eu sei que já existia

No oco da melancia

Que a raposa deu um trato.

 

 

 

 

 

 

Aos hipócritas

 

Eu vou jogar uma pedra

Na vidraça do teu riso

Pra te deixar indeciso

E pra te fazer chorar.

Não suporto o teu cinismo

E esse teu riso forçado

Eu quero ver sepultado

Na cova do teu azar.

 

Eu vou te infernizar

Bagunçar tua estrutura

Rasgar a tua figura

O teu espaço invadir.

Consumir tua energia

Elevar tua pressão

Deixar-te na solidão

Só pra não te ver sorrir.

 

Vou em teu prato cuspir

Destruir teus ideais

Jogar-te pra os canibais

Só pra não te ver feliz.

Quero roubar teu sossego

Todo instante toda hora

Tua paz vou jogar fora.

E ainda pedir bis.

 

Eu vou ser o teu juiz

Descobrir o teu segredo

Pra saber qual o teu medo

E eliminar teu poder.

Quero sugar o teu sangue

Alimentar-te o pavor

Pra mostrar que a tua dor

É o que me dá prazer.

 

 

(imagens ©farawaytale)

 

 

Jorge Filó. Jorge Renato de Menezes, é o nome de pia do poeta Jorge Filó. Nascido em Recife, logo nos primeiros meses, foi levado para morar no sertão do Pajeú, terra do pai e da mãe, e dos grandes mestres do repente, a começar pelo pai, poeta Manoel Filó, de quem herdou a alcunha. Sua poesia é fruto da hereditariedade, e de algo como um germe da poesia, que infecta toda família dos Filó. É neto, filho, irmão, sobrinho, primo e amigo de poetas. Viveu a infância entre as cidades de Recife, Tuparetama, São Jose do Egito e Arcoverde. Nesta última, viveu da adolescência a fase adulta, quando mudou-se para o Recife, onde reside até hoje. É produtor cultural, membro da Unicordel-PE (União dos Cordelistas de Pernambuco), produz a banda Vates e Violas e mantém o blogue No Pé da Parede, sobre poesia e cultura popular em geral.