Arco-íris

 

Tua íris, arco de cores

explode vibrilhando luzes

é primavera raiada

de tua retina em-sol-arada

 

Como que córnea ferida

deixa frestas no branco

por onde vaza da pupila

um buket de cores várias

 

e parece ter apreendido

do mar o verde-azulecido

ou, como se de tanto vê-lo

o refletisse por instinto

 

teus olhos são, colorida

estampa, pintura expre-

ssionista, onde alheia vista

quase enxerga o branco

 

Fundo ao azul-esverdecido

guarda, tal conchas secretas,

sob a íris, exibindo cores raras,

tua preciosa pedra: pupila-peróla.

 

 

 

 

 

 

 

*

 

Eu parto de mim

Para outra coisa que sou

E essa coisa que fico

Sou eu ainda

 

Ficção de mim

Que o interlúdio de sentir cria

Quando me alheio

No vão estreito de mim mesmo

E me esqueço no sossego do isolamento

 

E disto não passo

Desta idéia minha onde me isolo

Onde pesa o afastamento de tudo

Sem que isso me doa

 

E toda essa sensação minha

Não é além da idéia de senti-la

De distrair nela o peso de tudo isso.

 

 

 

 

 

 

Brancas-Trevas

 

À Sandra Costa

 

 

I

 

Qual breu que lança

Treva a vista, fazendo,

Do caminho inteiro

Um abismo de labirintos

 

Tua luz, tanta, cega

É claridade de sol

Que a miopia refaz

Em. Branca-Treva.

 

 

II

 

Tu és a mulata-branca

Carne-corpo de meus sonhos

Escultura feminina que

o olho imagina humana

 

e que a mim se insinua, com

seu balé de curvas, exatas

fibras rijas da tua carne —

lua-cheia me enfeitiçando.

 

 

III

 

Tua pele è branca de nuvem

De nuvem clara, de dia raiado

Sem que lhe perturbe o limpo

Nem uma mancha de garoa

 

É nuvem pingada de sol

Quando o dia começa a ser.

Cor de arrebol. (como se

tua pele cortinasse o sol)

 

vai amarelecendo o branco

e antes do amarelo estanca

é quase cor essa tua estampa

(melanina esquecida em tua pintura)

 

 

IV

 

Qual grão que a terra aterra

E fica a amarrar-se a ela

como sina, cumprindo o dever

de morrer para outro viver

 

Eu em ti treva-branca

mais me enfio, silvestre

ramo que cresce corado

em pleno inver-no-vazio.

 

 

 

V

 

E pra quem pergunte, se:

Ès criatura do meu desejo

ou ele mesmo é tua criação,

Digo: Não importa saber os meios,

se o fim em fim é sempre a paixão.

 

 

 
 

 

Sandra e a Gestalt

 

Em ti: tudo, muito, multi, mais...

parece inteira em cada tua parte

há tanto em cada teu signo

que para decifra-los, senti-los

são míseros os meus cinco sentidos

 

então para caber-te vou tecendo

fio-a-fio novo instinto; transentidos

— e de tanto engordo meus sentidos

agora para apreende-la, cemtidos:

 

(olfatateio seu beijo, paladavejo

teu corpo, tatouco teu cheiro,

paladalfo tua pele, visaouço

teu gosto, palatato teu olho...)

 

e agora munido dessa teia de sentidos

como quem vê do alto a paisagem

que de perto a miopia reparte, olho-te

e paladolfatatoaudivejo-te, uno-gesto

e apreendo inteiras as suas sem metades

 

 

 

 

 

 

Centopeico

 

À Sandra Costa

 

encho a boca dágua de desejo
armo-me centopeico mildedos
avanço em carnívoros beijos
carícias nas cavidades e seios

 

labiosorvendo teu corpo
vou salibabando teu gosto
chupando o líquido mel
rio-nascente da colméia-corpo

 

eletrotocando a tua carne
vou despindo as tuas armas
refém, enredo-te: presa presa
em minha carnal fereza

 

vou aderindo à tua pele, entre:
pernas, bocas, coxas e nuca,
deixo tatuadas minhas marcas
de arcadas dentárias e garras

 

tu cheia de tentáculos revida
toda vulvaviva, bocarnívora
bocarnuda garganta que se arreganha
e puxa-me retenso a tuas entranhas

 

então vou falando-a sob gemidos
enquanto nossos corpos entretrançados
tremepilépticos implodem espasmos
repente gaguejando gritam seus orgasmos

 

meus olhos por te desfilam, vagos
buscando tuas curvas teus regatos
diante beleza de corpo tão raro
lacrimejam um outro orgasmo

 

lasso, inda, teu gosto já me saliva
esse cheiro de fêmea, coisa tão feminina
volto, cio-canibal de antropofagia lasciva,
a ti inteira: nádegas, coxas, seios e vagina...

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 
 
 
 

 

 

 

 

EX-Poente

 

Minha alma

Ex-poente

Agora só nasce

É ventre

E meu

Coração

Ex-seu

Deu-se

Excedeu-se

Transbordou-se

Nada me pertence

E eu que era seu

Agora céu

Vou-me

Vôo-me

 

 

 

 

 

 

 

Q n Sei

 

Só sei que sou quem não sei

pois, quem cri ser, não sou

o que quis ser não fui

falhei o que quis e errei-me

 

agora, sem saber quem fui

ou  crer, em mim o que sou

vivo a vida, como a sombra

do estranho que me morou

 

 

 

 

 

Do mote ao monte   

 

À Jemes Mendonça Martins

 

        

Qual matéria que conserva calor no corpo

Tomando-o emprestado, absorvendo-o do entorno,

Sendo constante na função de sorvê-lo,

Até aquecer-se dentro, inteiro, todo...

 

Fico a esquentar-me ao ponto máximo, tanto...

a acender-me;  individuo — "corporeofogo" a

"tornar-me em incêndio

e manter-me pegando fogo"

 

Numa alquimia da matéria (nova atomicidade)

Como quem, de tanto beber o calor noutro

Já hospedo dentro do corpo, o fogo.

 

— Substância aquecida agrega calor ao espaço.

 

 

 

 

 

(imagens ©misha gordin)

 

 

 
 

Jorge Augusto da Maia (23/04/1982, Salvador-BA). Foi decidido pela poesia ao assistir o recital "Pós-Nada", de outro poeta baiano, Jemes Martins (um de seus preferidos). Publicou O pulsar e EROS — poemas de paixão, em 2006. O primeiro, homônimo ao recital que estreou no mesmo ano, com duas apresentações na Universidade Católica de Salvador, onde estuda Letras. Edita o blogue O Pulsar.