1.

 

06 horas

 

AURORA

 

O nascer do sol

fode minhas pupilas.

Êxtase de luz.

 

 

 

 

 

 

2.

 

09 horas

 

BELEZA

 

Há um grande silêncio

que por vezes se perde

entre os inúmeros rumores.

 

Na longa estrada

diante da paisagem

há quem só olhe

para as placas de publicidade.

 

A beleza 

mora nos olhos

de quem a deseja.

 

 

 

 

 

 

3.

 

13 horas

 

A ESSÊNCIA MANIFESTADA

 

A cada dia adquirimos um novo elemento:

seja tempero, seja imagem, seja idéia.

 

Cada elemento adquirido é guardado

na sacola, na caixa ou na memória.

 

Assim vamos costurando com retalhos

o manto que, frente ao mundo, vestimos.

 

Cada escolha é um pano

que em nossa pele tatuamos.

 

 

 

 

 

 

4.

 

17 horas

 

DESAPEGO

 

Vou falar de um sentimento, o desapego.

De todas as palavras, essa é uma que arrepia:

desapego.

Uma coisa é falá-la, outra coisa é vivê-la.

Resolvi tomar tal palavra por exercício.

 

Rasguei as cartas que me mandaram,

doei os livros que me serviam.

Tentei doar tudo que pude e prosseguir nua.

Mas nua não consegui seguir viagem.

Quantos cacarecos no coração dependurados.

 

Ao fogo rascunhos e publicações,

memórias, máquinas e sentimentos ao pó.

Porém, instiga-me o que me sustém em pé.

O desapego não tem regras fixas, anda solto

num caminho além das palavras.

 

Fiquei no vazio com sentimentos desregrados.

"Acabei por achar sagrada a desordem de meu espírito".

Rezei a poesia, rezei o dia-a-dia, rezei o sem-nome.

O desapego me passou um tropeço, virei do avesso.

Possuí cada sol, cada grão de orvalho.

 

Estou cheia de posses. Possuo um mundo, um fundo.

Carrego o grão que me cabe em sacolejos.

O pão é do supermercado, e o pão é do espírito.

Estou doente, a doença não temo.

Destemor é o presente que me deu o desapego.

 

 

 

 

 

5.

 

19 horas

 

CAMPONESA

 

Voz enraizada em terras férteis,

imperatriz das fontes de águas claras,

camponesa dos sonhos do tarô,

fez da enxada sua força verdadeira.

 

Ao entardecer se aquece junto ao fogo,

embala no colo um segredo,

tece no peito uma canção,

fatia os legumes com beleza.

 

Os poetas já louvaram seus cabelos

— fios d'ouro, caracóis, paraíso, perdição —

e sonharam com suas delicadas mãos.

 

Olho para ela, criança que sou.

Embala-me também em seus devaneios!

Em suas tramas entrama-me também!

 

 

 

 

 

 

6.

 

21 horas

 

LUZ

 

Não é de sentimentos a luz.

A luz é da estrela maior, do astro rei.

A luz é a força da água

na sua maior concentração.

A luz vem da alma

que faz soprar o vento até esse instante.

A luz é a casa em fogo:

a fogueira, o fogão, o candeeiro.

A luz é motriz da modernidade

que — num ai acende a lâmpada.

A luz é a Casa de Chá ao Luar

de quem não quer a escuridão.

 

 

 

 

 

 

7.

 

01 hora

 

VENENO

 

A dor que vem do veneno

purifica os líquidos de dentro.

 

Com tantos doces artificiais

manchei o manto da pureza.

 

Na escola adormeci em cadeiras duras,

assim entrevi o conhecimento dos séculos.

 

Estou manchada, grafitada, rajada

por mil imagens e por muitos palavrões.

 

Agora, no suor da madrugada,

procuro o vazio de um novo começo.

 

 

 

 

 

8.

 

03 horas

 

OS BICHOS

 

Reverencio as quatro cobras

que dançam em meu peito.

Reverencio o gato verde

que se esgueira através de meu sangue.

 

Reverencio todos os bichos

que me habitam.

Ofereço-lhes a alimentação mais rara,

a mais pura.

 

Que tomem meu corpo,

para que a alma não estanque.

 

 

 

 

 

 

9.

 

04 horas

 

VIRTUAL PRECE

 

Ó mundo vasto mundo!

De formas claras, de pop-ups e rollovers.

Em que rima eu me desnudo?

Em que rede eu me descubro?

 

Vale a pena, alma pequena.

Vale a pena, vale de lágrimas.

Vale a pena, karinhos e karinho$.

Vale a pena, a alma não é pequena.

 

Quero viajar, conhecer minha afiliada.

Quero um barco, barco não.

Sonho com um trem, trem de Villa-Lobos.

Pagar as contas, ter um carro, uma casa.

 

Internet. Quero tudo wireless.

Quero não querer, quero zen e freakzen.

Que estradas em meu trem de sonhos?

Que conexões em minha rede de afetos?

 

Ai, mundo vasto mundo!

Om vajra, mundo vasto mundo!

Krishna, Jesus, Buda, venha-me a paz.

Paz no mundo, paz-palavra, paz-concretude.

 

 

 

 

 

 

10.

 

05 horas

 

JUNTOS

 

Nascimento ou ressurreição,

morte ou passagem.

 

O que falta no mundo são flores.

Flores puras, por favor.

 

Como posso sobreviver sem flores?

Flores, borboletas e um riacho de água pura.

 

É simples viver de luz,

assim como é simples a cor da água.

 

Um pulo, morte ou renascimento.

Vamos juntos em direção à luz.

 

 

 

(imagens ©freakzen/francine murahara)

 

 

 

Francine Murahara. Fotógrafa e poeta. Nascida em Santa Catarina no ano de 1982, fez de Florianópolis, a Ilha da Magia, seu lar.