Marília Vasconcellos, 26, nasceu em Campinas, mas reside atualmente em São Paulo. Cursou, de 2001 a 2003, Desenho de Moda e Fotografia de Moda na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo e, atualmente, está no quarto ano do curso de Fotografia na Faculdade Senac de Comunicação e Artes. Durante este período integrou coletivas importantes do Centro Universitário Senac, tendo sido premiada três vezes no Concurso "Mulher Fotografa Mulher", promovido pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

Em 2002, participou de um projeto de Pesquisa Arqueológica na Usina Hidrelétrica da cidade de Peixe, em Tocantins, com pesquisa de campo, resgate cultural, artístico e social da população do Cerrado, fazendo um registro fotográfico de 2300 imagens, com 50 horas de gravação de entrevistas e depoimentos. Em novembro e dezembro de 2003, trabalhou em projeto de pesquisa arqueológica, com supervisão de Paulo Zanettini na pesquisa de manuscritos referentes à Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, no período de 1700 a 1750, fazendo pesquisa e catalogação de registros de documentos.

De setembro de 2004 a julho de 2005, fez estágio no acervo e arquivo fotográfico da Cinemateca Brasileira, trabalhando com revitalização, conservação, tombamento e escaneamento de imagens referentes às grandes produtoras brasileiras de cinema do século XX. De janeiro a julho de 2006, fez estágio na Faculdade Senac de Fotografia, como responsável pela organização e assistência do Laboratório Preto e Branco, Laboratório Cor e Estúdios Fotográficos: assistência para o professor de processos alternativos do século XIX Kenji Otta, e para o professor e fotógrafo Antônio Saggese.

De junho a setembro de 2006, fez monitoria da exposição "Ilusão de Verdade", no Sesc Pompéia, sendo que em dezembro de 2006, começou a criar fotos para o projeto "Mãe D'Água", que foi premiado com o segundo lugar no Concurso de Apoio à Produção nas Áreas de Artes Visuais, Fotografia e Nova Mídias (PAC nº 13), da Secretaria de Estado da Cultura. O projeto consiste em exposição de vinte fotos no formato 100 x 100 cm (dez p&b e dez coloridas) que são montadas em painéis articulados, construídos especialmente para esta finalidade, e oficinas com o seguinte conteúdo: captação da imagem: ambiente, enquadramento e luz; retrato: ambiência, preparação do modelo, maquiagem simples; ampliação em processo alternativo: transparência impressa como negativo; manipulação do papel algodão, preparação da emulsão, impressão da fotografia.

A oficina é, em geral, ministrada para três grupos de cinco pessoas, com idade a partir de 16 anos. No primeiro dia, cada grupo utilizará uma câmera digital simples para produzir retratos de seus componentes. Os retratos serão impressos em transparências, por uma impressora jato de tinta. No segundo dia, será preparado e emulsionado o papel algodão com marrom Van Dyke e Cianótipo. O papel será fotossensibilizado a partir das transparências, lavado e seco.  Até março de 2007 a exposição ja foi exibida em vários centros culturais de algumas cidades do interior paulista: São José dos Campos, Bauru, Sorocaba, Campinas. A idéia é que as exposições aconteçam até junho de 2007.

Apesar da sua extrema juventude, Marília já demonstra em seu trabalho um alinhamento com formas inventivas e questionadoras. Na verdade, ela está mais distante do gabinete digital e da ingerência da tecnologia e mais próxima da manufatura e do manuseio alquímico pouco funcional. Para ela "a vivência é a chave para uma fotografia aplicada em diferentes moldes e estruturas. Dar corda à falta de controle do processo torna o resultado livre e independente e a linguagem se manifesta no não prever e no deixar fluir".

Na entrevista a seguir ela conta seus projetos realizados, fala em detalhes do projeto "Mãe D'Água", que está em exposição em Campinas, e de seus projetos futuros.

 

 

 

 

 

Ana Lúcia Vasconcellos – Marilia, sei que você começou a cursar moda na Faculdade Santa Marcelina e ficou lá uns dois anos, certo? Como foi essa opção pela moda?

 

Marília Vasconcellos - A escolha pela moda foi, na verdade, a junção de duas coisas que sempre estiveram presentes na minha vida: as artes plásticas e arquitetura, já que meu avô materno era arquiteto. Quando fui escolher uma profissão, passei por muitas dúvidas, e cheguei à conclusão de que a moda iria me satisfazer. Sempre gostei de me vestir, sempre fui um camaleão com minhas roupas e tendências. Segundo meus professores de moda, principalmente os de estilismo, eu levava jeito para a coisa e poderia vir a ter um lugar ao sol no mercado. Daí, que sempre uni a arte plástica à construção de roupas, gerando assim, estilos altamente conceituais.

 

 

AV - Como você começou a fotografar, como passou da moda para a fotografia?

 

MV - Bem, a fotografia é algo que me acompanha desde a infância, sempre tive o costume de fotografar e ganhei minha primeira camerazinha aos 8 anos. A passagem da moda para a fotografia foi, na verdade, uma descoberta: percebi que aquele velho hobby poderia ser uma profissão e que isso fazia mais parte de mim do que qualquer outra coisa. Quando cursava moda, acredito que no segundo ano, comecei a ter Fotografia como matéria e descobri nesse meio tempo o laboratório preto e branco. Este foi, realmente, o estopim da minha mudança. Apaixonei-me pela artesania da fotografia e daí em diante, não larguei mais a minha câmera.

 

 

AV - Como foi a sacada desta técnica que você usa e que está fazendo tanto sucesso e que — afinal, contrariando tudo o que se vê por aí de arte digital e outras hipermodernas tecnologias —, vai às origens do processo fotográfico?

 

MV - Uma nova técnica, pelos menos para mim, surge da observação e da abertura para considerar algo como uma nova técnica. Meu olhar é também um camaleão, muda de acordo com os estímulos, mas como todo artista que encontra o seu fluxo eu tenho marcas, e quem acompanha meu trabalho sabe identificar o meu olhar. Essa percepção de técnica surgiu quando, vasculhando os objetos fotográficos do laboratório preto e branco do SENAC, onde fiz assistência por seis meses, acabei encontrando uma câmera escura, um protótipo usado para aulas de fotografia básica. Fiquei apaixonada pela textura e imediatamente, comecei a dar um jeito de fotografar dentro daquela caixa. Foi aí que comecei a construção da minha câmera. Até ganhar a minha atual, feita de madeira, eu usava uma câmera feita de papelão, com o tamanho necessário para eu entrar com a minha câmera 35 mm dentro dela. O jogo de lentes é feito com lentes de miopia para óculos, tenho com isso uma lente que vai desde a grande angular até uma tele.

 

 

AV -  E as oficinas, como acontecem? Conte os detalhes.

 

MV - A oficina é dada em um dia, pouco tempo na verdade, se se pensar a gama de possibilidades que a técnica permite. Retomo processos do século XIX, que consiste na Cianotipia (azul) e Marrom Van Dyke. Elaboramos as emulsões e, artesanalmente, preparamos os papéis, passando a emulsão. A fotografia é feita a partir de um negativo, elaborado em um ensaio fotográfico, com os participantes. Levamos esses papéis fotossensíveis para o sol, juntamente com o negativo em uma estrutura de madeira e vidro, e ali vemos surgir a fotografia. O papel é lavado e secado, e logo após esse processo, o participante leva as suas imagens para casa.

 

 

 

 

 

 

 

 

AV – "Mãe D'Água", esta exposição que abriu em 30 de março e vai até o dia 28 de abril de 2007, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campinas, foi premiada, não é? Gostaria que falasse do processo de criação das fotos, que explicasse por que há dez p&b e dez coloridas, enfim, que me contasse quais foram seus objetivos com essa escolha. E, ainda, que falasse do efeito das imagens vaporosas e granuladas.

 

MV - A técnica foi desenvolvida em duas partes: na primeira, foi construída uma câmara escura com papel panamá, composta por duas caixas sobrepostas, uma no interior da outra; uma com uma lente e a outra, com papel vegetal. Na segunda parte capturou-se a imagem, através de uma câmera reflex de 35 mm. A imagem que passa pela lente é projetada no papel vegetal, produzindo um resultado semelhante a uma vista de um buraco de fechadura. A partir disso, foi lapidado um ensaio fotográfico que enfatiza a textura e a estética produzida pela câmara escura. Os negativos são escaneados e as fotos são ampliadas em papel fotográfico, em laboratório digital. A idéia primeira foi a criação de nova textura através do uso de uma câmara escura. Ao aprimorar essa técnica, foi possível gerar um material que lembra os primeiros processos fotográficos e os dois ensaios dessa exposição refletem essa estética: uma imagem vaporosa, granulada, uma sensação de ilusão e bruma, em contraposição às tecnologias da exatidão e da perfeição, tão marcantes na fotografia atual. O resultado caminha no limiar da fotografia e da pintura: uma fotografia pictórica.

 

O ensaio em preto e branco dá ao observador o papel de voyeur: observamos a figura de longe e ela percebe a nossa presença, exibe-se ao nosso olhar, incitando-nos à aproximação. O ensaio em cor dá continuidade a este jogo: nos aproximamos, a ponto de ficar cara a cara com a figura da mãe d'água, e somos tomados em um "bote". Ela age rapidamente, em movimentos conseqüentes, sorvendo a nossa vida, levando consigo o fio da nossa existência.

 

 

AV -  E a Mãe "D'Água", o tema do projeto foi escolhido por você?

 

MV - A temática mostrou-se a mim depois do primeiro ensaio. Na verdade, fui testar a técnica obtida em um ambiente que considerei apropriado a um ensaio, queria trabalhar uma idéia envolta em brumas, em um ambiente surreal. Após o resultado inicial, descobri que tinha em mãos a figura da Mãe D'Água. Fomos apresentadas e nos tornamos íntimas após esse dia. Desde então, venho pesquisando a técnica e aprimorando o resultado, e consequentemente me aprofundando nesta figura, que represento com mais clareza a cada dia.

 

Em relação à lenda, muito já se falou, escreveu e imaginou sobre a lenda amazônica da Mãe D'Água. A história a descreve como um ser das águas, uma criatura de água doce, que no meio das matas vive entre rios e cachoeiras. Nessas regiões, em suas horas mortas, podemos nos deparar com a Mãe D'Água, que vem à tona. A forma com a qual ela é descrita é extremamente variada, de certa maneira ela se molda aos olhos de quem a vê.  Mas consta que a Mãe D'Água não gosta de ser incomodada e pune os seus visitantes, devorando-os. Dizem que ao avistar um desavisado ela toma a forma de uma mulher vaporosa e bela, encantando quem a observa, envolvendo a sua vítima e seduzindo-a de forma a fazê-la a entrar nas águas de sua morada para, enfim, afogá-la.

 

Agimos então como esse observador desavisado, perdido em um ambiente desconhecido, quando de repente nos deparamos com uma figura ao longe, que se move serena em seu ambiente, moldando-se aos meus olhos. Encantados, somos levados a nos aproximar, somos seduzidos, hipnotizados. Ela nos envolve e ilude, nos aconchega numa espécie de sonho, não se sabe mais o que é mata terra ou água, os nossos olhos estão envoltos em brumas e ela nos chama. Estamos prontos a nos render, a entrar nas águas, enquanto ela se move fria, convidativa e dançante, atordoando os nossos sentidos.

 

A lenda da Mãe D'Água abre espaço para o imaginário feminino. Essa figura nos remete a muitos simbolismos e referências, cabendo a cada um de nós trazer à tona a sua concepção. A bruma pode ser a materialização da ilusão; o ambiente envolto em neblina simboliza a perda do racional e a hipnose. A relação com a figura da mulher que nos espreita é de sedução, pois observamos e somos observados; a racionalidade é quebrada e não identificamos o que é perigoso ou não, só vemos a figura que nos seduz, reluzente, como uma luz no fim do túnel.

 

O ambiente escolhido é cheio de características femininas, como um lar, um refúgio para uma espécie de mulher ou manifestação feminina. O espaço é composto de um poço que remete tanto à vulva, quanto à própria psique feminina. O ser se identifica com esse ambiente, torna-se um guardião de um poço profundo, para onde carrega seus amantes, lembranças e vivências. O túnel, então, gera uma conexão, uma chave para mundos profundos e misteriosos ou nos tira dele, nos transportando para o paraíso.

 

 

AV - E as fotos, onde foram feitas?

 

MV - As fotos p&b foram feitas em Paranapiacaba e as coloridas, em Morungaba.

 

 

AV - Sei que você fez um roteiro por algumas cidades do interior de São Paulo, como São José dos Campos, Bauru, Sorocaba. Você ainda vai levá-la para outras cidades ou o ciclo termina em Campinas?

 

MV - A exposição, dentro do cronograma do projeto, acaba em Campinas, mas estou atrás de outros lugares para expor, inclusive São Paulo. Outras cidades já manifestaram interesse, mas nada ainda confirmado. Quero seguir com esta exposição pelo tempo que ela sobreviver e gerar no observador a curiosidade.

 

 

AV - E quanto aos novos projetos? Já tem algo em mente?

 

MV - Já tenho em mente um novo projeto, que já está em construção. Vou apresentá-lo no final no ano, como projeto de conclusão de curso, da Faculdade Senac de Fotografia. Estou reinventando o Autochrome, primeiro diapositivo colorido criado pelos Irmãos Lumière, em 1907. Além de comemorar os cem anos da invenção da fotografia colorida, dou um novo ar à invenção, readequando a técnica aos tempos atuais. Utilizo tanto processos artesanais, quanto digitais, para gerar esse novo material que apelidei de "Reautochrome". Ainda me concentro na técnica, e na sua elaboração como base, mas acredito que no segundo semestre já terei em mente a temática que explorarei nesse novo projeto.

 

 

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Ana Lúcia Vasconcelos é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, com mestrado em Filosofia de Educação pela Unicamp. Como atriz e jornalista, atuou em Campinas e São Paulo, tendo trabalhado em vários veículos da Editora Abril: Grandes Personagens da Nossa História, Música Popular, Mestres da Música Universal, Revista Escola, Enciclopédia Abril, Revista Nova, Cláudia Moda, Revista Pop. Como free-lancer, trabalhou em dezenas de jornais e revistas: Suplemento Cultura de O Estado de S.Paulo, IstoÉ, Shopping News, Revista Artes, Leia Livros, Folha de São Paulo, DO Leitura, Etiqueta Moda Profissional, Revista Visão (inclusive, uma capa que foi reproduzida na  Seleções do Reader's Digest em 19 países da Europa e Estados Unidos) e vários house organs. Foi editora de um jornal de Campinas que já não existe: Jornal de Hoje. Escreveu no Diário do Povo e Correio Popular, Revista Vívere, Jornal de Domingo, City News, entre outros desta cidade. Na televisão, foi assistente de produção e apresentadora do programa Semanário das Artes, que depois passou a se chamar Em Cartaz e é o atual Metrópolis, da TV Cultura. Participou como atriz do programa Ator na Arena, dirigido por Ziembinski, e da peça Natal na Praça, de Henry Ghèon, na TV Cultura de São Paulo. Foi pesquisadora de Arte da novela Os Gigantes, de Lauro César Muniz, na Rede Globo de Televisão. Atuou ainda como produtora e apresentadora do programa Ponto de Vista, da TV Thathi, da Rede Manchete de Campinas, em 1995.