soneto arapuca
 
na sombra armei com milho uma arataca
pensando nas mistura pro almoço
já preparei com suanga um creme grosso
e na pedra da pia afiei a faca
 
de butuca a galinha uma hora ataca
então eu pego e quebro seu pescoço
ranco do zóio dela o do meu moço
e enfio no caldeirão toda a quizaca
 
as pena eu dou um fim faço cocar
tô precisando encher meu travesseiro
vender brinco na feira popular
 
se falta milho sobra homem solteiro
é porque essa galinha vem ciscar
mas não deixo piá no meu terreiro
 
 
 
 
 

soneto encante
 
vô desde a última pesca que cê fez
deixei de botar na água sua jangada
parece que pra cá não dá mais nada
não sei mais que fazer já é fim de mês
 
por isso eu tô pedindo pra ocês
aqui debaixo vir dá uma espiada
ajuda esta barriga e de umbigada
vó cuida como sua a gravidez
 
olha... se é pra pedir o de verdade
eu vou rezar pra ocês a gentileza
de remar pra sua cova até trindade
 
então vou pôr mais erva em minha reza
por causa de que o encante em mim se agrade
que eu quero é sentar junto na sua mesa
 

 
 
 
 
 
 
 
soneto saci
 
danço de pé no chão tô sem sapato
miro o brilho da noite e me alumino
vou treinando pra festa do divino
pé com pé arrasta tunda pico o mato
 
ibiraçu chacoalha os carrapato
pruveita bem as férias meu menino
meu vô disse sabia seu destino
tocar tambor ter mão pra artesanato
 
saí de lá de casa pra brincar
vim pra areia se a praia me molhasse
eu virava a sereia desse mar
 
caboclo ibiraçu vira saci
bate as mão puxa a roda par com par
já sabe cada um é pro que nasce
 
 
 
 
 
 
 
 
soneto caiçara
 
o amor não tem idade sempre nasce
faz tempo o meu primeiro caiçara
foi flechada de boto encanto de iara
desses conto que a areia da índia tece
 
sentava atrás de mim na mesma classe
depois a gente ia em sua igara
olhar o sol sumir nas águas clara
e as onda balançava o nosso enlace
 
daí entrei na cheia da desova
sei que ninguém é pobre quando ama
mas pra pescar pensão faltava prova
 
hoje eu recusaria a dinheirama
criei ibiraçu co'a lua nova
conheço os fio da palha que a água trama
 
 
 
 
 

soneto omenagem
[fato real que aconteceu
na matriz de ubatuba]
 
tentei ver o concerto de natal
mas o frei da matriz quebro a baqueta
do maestro e faltou co'as etiqueta
na frente das criança do coral
 
veio gente de todo o litoral
tava até anunciado na gazeta
mas o frei diz que é coisa do capeta
fechou tudo e falou pra gente tchau
 
padre que coisa feia que cê fez
os grupo ia fazer uma omenagem
pro ispirto a igreja é dele e não docês
 
se trata a gente assim com caipiragem
desse jeito ocê perde seus freguês
porque aqui nós só tamo de passagem
 

 
 
 
 
 
soneto quieto
 
a lua esconde os peixe leva as onda
baixa a maré faz vento enfeita brilha
balança jacaúna embala a filha
dormindo na barriga inda redonda
 
canto pra noite quieta não responda
só traz a proteção pra essa família
a lua tá guardada na vasilha
aqui embaixo da rede assim se esconda
 
me perco vendo a areia branca fina
e a tábua das maré logo adiante
cheiro de flor no vento abre as cortina
 
gosto de olhar pra noite hoje é minguante
esqueço de tomar a outra aspirina
o mar fica com cheiro de calmante
 
 
 
 
 
 
soneto patuá
 
cheguei na areia noite pescador
passeando não tô só de lá pra cá
eu trouxe pra sereia um patuá
num arranjo que fiz com palha e flor
 
mãe d'água sua licença faz favor
pra eu entrar no seu mar xuá xuá
molha esse meu colar tupinambá
e o meu corpo que brilha de calor
 
eu vim agradecer sinhá sereia
suas espuma das onda vira renda
e enfeita tudo as moça lá da aldeia
 
essas coisa aprendi escutando as lenda
que sai dos índio véio em lua cheia
por isso te enfeitei essa oferenda
 
 
 
 
 
 
soneto pixaim
 
cortei os meus cabelo pixaim
mas não gostei prefiro mesmo a palha
fiz uns cacho co'as tira da sandália
tô parecendo um pé de alecrim
 
tô feia não as coisa salva é assim
quem sabe agora endiante não encalha
um barco pescador na minha malha
cheio de moço tudo olha pra mim
 
le le ô meu cabelo faz co'as tira
de couro forte um nó de amarração
e traz o moço aqui pra minha gira
 
le le ô pixaim balança não
firma alecrim nos pé da curupira
torna essa maré cheia em salvação
 
 

 
 
 
 
 
soneto falcatrua
 
as mistura de hoje é azul marinho
eu cortava as banana nica crua
quando veio um pulguento lá da rua
já metendo no tambi seu focinho
 
corri remediar o descaminho
mas já tava zarpada a falcatrua
zóio o peixe que o gato desjejua
e limpa tudo os dente nos espinho
 
os vizinho se armaru trás dos muro
lambuza as rede e as vara com cunambi
pedra na mão saliva no esconjuro
 
o gato escapuliu prum aracambi
buxo cheio livrado de outro apuro
bem sabe o gato as barba que ele lambe
 

 
 
(imagens ©davies & starr)

 
Florbela de Itamambuca (Ubatuba/SP, 1986). Inédita. Tem sonetos publicados no jornal Litoral Virtual de Ubatuba. É uma das Escritoras Suicidas.