Reinaldo Ramos

 

Bem-aventurança dos não nascidos

 

"A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma,

porque a beleza está morta". Tristan Tzara

 

Qualquer hora, o sentido brota

como em uma hora

perdida e primal

brotou a vida

na água

e isso que parece tudo

explodiu

no nada

 

Agora seria melhor fazer silêncio

e satisfazer o desejo

da morte da morte

mas já existe demais silêncio

demais alarido

morte suficiente

 

O silêncio que faz gritar multidões de monstros

está vizinho à estridência que estilhaça

os poucos vitrais remanescentes

 

E por mais loquazes que sejamos

pela necessidade dessa fala ociosa que nada fertiliza

pela incurável frustração que nasce da falta

do inviável dom da clarividência

pelo cálculo de todos os remorsos inúteis

a se reproduzirem neoplasicamente

resta mesmo a vontade de que nada mais nasça

que nada mais cresça

que nada mais permaneça

e nada mais sofra

 

Por esforço de salvar algum arremedo de sentido

a tentativa da soma algébrica de dois mais dois

leva à percepção de que até isso é aporia agora

 

Resta contar fábulas de um desterrado homem feliz

que parece, morava aqui

onde moram agora uma fossa oceânica

e excêntricas e coléricas criaturas

filhas das abissais profundezas

 

Ainda existe a esperança, paliativo universal

anestesia e não remédio,

que nos legaram estes Deuses

da crueldade infinita

Resta denegar a hedionda face do real

e reconstruir o universo pela brandura do delírio

 

Por enquanto, ficamos substituindo os vidros

já há silêncio demais

um dia, poderemos crer de novo nas fábulas da exatidão

 

A fricção ociosa das falas

talvez derreta o ártico deserto dos silêncios.

 

 

 

 

 

Reynaldo Bessa

 

 

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Renata Adrião D'Angelo

 

Abraço

 

Abraço amigo

Irmão querido

Unido

Indo

Nem sei pra onde

Feito onda

Estronda

Ronda meu pensamento

Que é lamento

Sento

Tento

Tenso

Penso

Penso

Penso

Venço

E abraço o amigo

Irmão querido

Vindo

Unindo

Descobrindo

Que sou capaz

Que sou a paz

Que se refaz

Que refaz

Paz!

 

 

 

 

 

Rita Dahl

 

El Corazón del Tiempo

 

O coração do tempo é feito de folhas em forma de meias despedaçadas pelos sapatos da caminhada, machucadas, bolas de papel amarrotadas, tronos falando na noite verde, a haste do feijão, a vagem e o João a vontade e os colibris faladores do céu; é feito disso e de muitas outras coisas o coração do tempo. O coração do tempo fala só para quem não sabe, porque os que sabem, já não têm tempo para ouvir. O tempo em si mesmo já passou, porque não pode ser preso num molde, escorre sempre pelos desvãos, escapa até o horizonte mais longe, não pode ser domesticado. Como o coração pode ser impedido de bater mais vezes? O coração que já perdeu a esperança, o nome, o espelho e a imagem, porque o coração é sempre novo, em cada nova batida, atravessa montanhas mesmo quando quem o porta dorme, não leva dentro de si uma só imagem que seja mais valiosa que outra, é um coração democrático, bate, bate, bate, quando o sol escurece no céu e o canto do último pássaro se cala ao longe, contudo, bate sem pausa até quebrar-se uma pedra, uma cadeia, uma imagem, algo imaginário, qualquer coisa que faça o vento soprar as nuvens movimentar-se, uma pessoa esquecer-se, lembrar-se. O tempo, quando a floresta era a casa do coração, vivia ao céu aberto com os pássaros, até começarem as preocupações…

 

 

 

 

 

Rosana Banharoli

 

Ação rasa

 

O desejo pela paz

é de uma profundidade universal

& de tão profundo,

ainda não o encontramos

dentro de nós

 

 

continua >>>

 

 

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