João Rasteiro

 

É urgente o amor

 

 

"Amor é fogo que arde sem se ver"

Luís de Camões

 

 

O amor ferve de uma ferida exangue

de foles de corpos frescos

de caminhos e sonhos dilatados

de vertigem de ser só sede

de espaços que se tornam pele

de palavras de gume branco,

o rumor azul.

 

Há amor carregado de sol e águas cegas

e há amores como lágrimas fulgurantes

como um eco de um princípio inacessível.

 

O amor vem de corações fragmentados

de um sabor para além de tudo

de uma disseminação de vozes

de bocas e fogo unido à terra

de uma força feroz na paz dos pulmões

de torres de sílex negro,

animais insólitos.

 

Há amor aberto de imensas pedras cruas

e há amores entre a parede e o silêncio

como linhas paralelas de pequenos círculos.

 

O amor forma cúpulas diáfanas

de livros ilegíveis na sombra

de arcos sob grandes gargantas ocultas

de um corpo côncavo em luz

de um tempo concreto no respirar do verbo

de profunda ausência das raízes,

a chama da terra.

 

O amor dilata-se e dilata-nos de veias ateadas,

invoca e insufla a pele sagrada de sal aceso na água,

é serpente que morde a própria cauda diurna,

dilacera palavras nuas por outras palavras desnudas,

 

mas, não se pode adiar mais o amor indivisível

que rasga o mundo feérico na dobra aberta dos dedos,

eles, íngremes no cintilante jade onde nasceu a magnólia.

Não se pode adiar mais o coração do amor primordial

que acende o tempo no lume venerável das pirâmides,

essa nudez de memória álgida que nos aflora a boca,

estremecendo de melancolia os corpos inóspitos de Deus,

 

a conciliação do corpo e da sílaba, desfraldada em sua haste.

 

 

 

 

 

Jorge Elias Neto

 

Uma carteira e seus sentidos

 

Observe essa carteira vazia

— ociosa —

desocupada.

Entre na dimensão do absurdo

— no que se contorce —

e resvala,

e desperta,

e nos cala.

 

Observe essa carteira vazia

— ruidosa —

maculada.

Ventre da omissão confusa

— que nos paralisa —

e enoja,

e perpassa,

e retalha.

 

Observe essa carteira vazia

— poderosa —

enfeitada.

Lembre da profusão do sangue

— que se dispersa —

e tinge,

e respinga,

e nos entala.

 

Observe essa carteira vazia

— fervorosa —

devotada.

Sente a celebração da loucura

— que consente —

e trucida,

e cega,

e nos abala.

 

Observe essa carteira vazia

— tenebrosa —

mal fadada.

Sente a emanação do ódio

— que se alastra —

e devora,

e abraça,

e nos transpassa.

 

Observe essa carteira vazia

— silenciosa —

abandonada.

Crente na devassidão do mundo

— que surpreende —

e ignora,

e reproduz,

e nos arrasa.

 

Observe essa carteira vazia

— deliciosa —

delicada.

Prenhe de ilusão confusa

— que consente —

e insinua,

e seduz,

e nos agarra.

 

Observe essa carteira vazia

— espaçosa —

desejada.

Crente na criação do sonho

— que compreende —

e ama,

e perdoa,

e nos concede a graça.

 

 

 

 

 

Jorge Luiz Moreira de Sant'Anna

 

 

*

 

A Vitor Marques, criança: herói de um futuro que é agora.

 

A Paz começa no Sonho de Deus...

A biografia de Deus acaba e começa em seu Sonho...

Por isso ele criou a Poesia, essa nuvem

entre o escuro — sempre branca — e esse

arco-íris-todas-as-cores, abrindo

um arco de flores — em pleno ar!

— com as gotas azuis da claridade!...

 

A Paz é um Mármore Vivo — e nele, esculpido

o Homem e seu Sonho, espelho

do Sonho de Deus  todo

parede e todo chão

— protege um Jardim.

 

(E esse Jardim é Sagrado!...)

 

São duras as palavras diante do Sonho de Deus...

É duro até mesmo o pensamento!...

Por isso a Paz é como um Vinho, flor

de pétalas abertas sobre

um rio que não deixa de fluir — e rompe

as represas do ódio...

 

Sonho de Deus que se lembra, faz vir árvores as alimenta.

São as árvores do Paraíso — lembranças da Paz — e os frutos

são mãos com instrumentos:

 

O beijo que não esmaece, o perdão, as vidas que transparecem

com promessa de um espelho límpido:

ver Deus!

 

Como um rio de ar sempre novo faz — se sente! —

brilhar as letras...

 

A Paz então assume a direção de todos os Caminhos...

Como um lago azul crespo de Amor, brancas gaivotas.

 

O "bullyng" pessoal, o "bullyng" institucional, os "dirty war games" gerados na  escuridão dos interesses malvados, a arma que é a amputação do dedo construtor, o desamor num espelho opaco que não reflete faces, a ausência de alma, a flor pisada (o caminho sem porta do desamor!...)

 

a tudo isso uma Pomba, levando/lavando essa faixa

feita de ódio, nas patinhas singelas, as asas retas

vai desfazendo no ar (ei-la aqui! é o branco da Paz a voar!...),

trazendo... um arco-íris!...

 

 

 

 

 

José Aloise Bahia

 

Pax

 

Qualquer uma. Alguma.

Parte da imagem

esquecer.

Seus olhos

acima.

 

continua >>>

 

 

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