Fábio Fabrício Fabretti

 

Um pé de paz

 

Mãããeeee, gritou o menino no afã seu,

diante de uma flor branca e erétil.

Vem correndo ver o que nasceu,

onde plantei aquele projétil!

 

 

 

Urbanidades

 

Para o policial que perseguia o bandido vivo,

todos os tiros erraram.

Para a mulher que acalentava a filha morta,

todos os tiros acertaram.

 

 

 

 

 

Fábio Andrade

 

Eles caminharam por um corredor sem números e palavras...

 

Eles caminharam por um corredor sem números e palavras

as paredes cadeiras e janelas estavam fechadas

por dentro como se seus olhos não pudessem

aproveitar o dia o jogo o riso a possibilidade de futuro

 

Onde está nos levando Moloch, devem ter perguntado em silêncio

mas eles souberam ajoelhados ou de costas para a vida

que há sempre uma forma de partir quando menos se espera

 

Deram-se as mãos e seguiram por outro corredor

nesse o homem não podia segui-los nem recarregar seu ódio vazio

apenas a lembrança de seus pais colegas feriados e amores precoces.

 

 

 

 

 

Flávio de Araújo

 

Conselhos a um assassino

 

Para matar-me

é preciso mais do que

balas e flores.

Tem que tirar da minha boca

o sorriso de quem diz:

— Tente de novo.

Deve arrancar das minhas mãos

o perdão que lhe proponho.

 

Para matar-me

é mais do que

ver-me ajoelhado.

Pois é necessário tombar

o homem dentro em mim

que não pode ser prostrado.

 

Tem que ser mais

do que o bucho que me faz humilhado.

A roupa ausente

que me faz desgraçado.

O bolso vazio

que me impõe miserável.

 

Deve-se ter fôlego

para aspirar dos meus pulmões

o ar bendito da vida.

E força o bastante para retirar

o adamantium dos meus ossos.

 

Injetar amnésia na alma gentil

das pessoas.

Na dádiva do amor que me deram.

 

Para matar-me

(digo com verdade)

deve-se criar a reinvenção

das coisas mortas.

Roubar das impossibilidades

o riso frouxo da razão.

Fazer de mentirosa

a saudade que permanece,

feito monumento na alma.

 

Asseguro que mesmo assim,

tendo o nome rasgado e pisoteado

eu viva.

 

Não inventaram ainda um modo capaz

de matar o homem

que nega o seu assassino

 

 

 

 

 

Flávio Corrêa de Mello

 

Verbo Paz

 

Puxem uma cortina, por favor,

que tape este vermelho na janela.

Professor, por favor, me ensine:

quero conjugar o verbo PAZ.

 

Se no alto do céu eu olhar, agora,

este pátio e ver nele várias asas desenhadas,

minha escola vai ser vida, a gramática

é flor, o sonho azul é futuro

e futuro não chora.

 

Mamãe, um abraço

No meu bracinho

Papai, aqui pazestou,

pazexisto.

 

Daqui vejo o vovô, a vovó, a titia.

Vejo também meus amigos.

Aqui tem escola, bola, alento.

Por isso não chore, não me chame:

Criança de Realengo.

Voa a vida, passa o dia,

passa a noite e aprendo:

o verbo PAZ, já sou PAZ.

 

 

 

 

 

Gabriel Felipe Jacomel

 

Elefante

 

na sala de estar

na sala de aula

estar presa na lente

na mira miragem

fuzil caçador

 

 

 

 

 

Georgio Rios

 

Paz

 

Aqui jaz o homem

Seu amontoado de medos

Suas incógnitas soltas

Sua louca busca

Pairando na caça da pedra de Sísifo.

 

Aqui jaz o homem

E tudo o que eu mais disser

Será pó ante a mácula que nos cerca.

 

 

 

 

 

Glória Diógenes

 

Abril em Realengo

 

No sétimo dia de abril de 2011

O desespero cruzou o muro.

 

Escuro e invisível

Um corpo-bala atravessa o chão.

 

Cada dia de vingança

É mais pólvora em explosão.

 

O ódio desconhece o amanhã?

 

Um tiro, dois, três, quatro, cinco estampidos sem fim

Mata mais que doze, fere imensidão.

 

No décimo sétimo, ainda abril

A dor ultrapassa os muros

 

Em uníssono

Um corpo-poesia dá as mãos

 

O continente da tragédia

Acende pavio em comunhão

 

Vida

Um tiro, dois, três, quatro, cinco estampidos sem fim

 

O amor é hoje.

 

 

continua >>>

 

 

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