Edson Bueno de Camargo

 

jardim dos deuses

 

somos formigas no jardim de deus

que nos pisa distraído enquanto caminha

 

a terra ruge

e nos assustamos

e então nós inventamos deus

para aplacar o medo

e o fogo para matar o escuro

 

somos crianças no jardim do éden

em busca do esterco do crescimento

somos o pálio da explosão de uma super-nova

animal inquieto da criação

 

somos o galho da roseira que seca no inverno

e revive a primavera

crianças de pedra no jardim de correntes

sonhos de aço e balas de canhão

 

somos insetos verdes escalando a parede

ninfas de ontem

louva-a-deus em busca de copular hoje

lagartas de fogo em fúria

semente de nuncas

e facas afiadas de obsidiana preta

 

e contudo nem esbarramos nas saias de nossa mãe

que vaga nua no espaço de seus azuis

e seus irmãos errantes

 

e no entanto

térmites construímos casas e cidades

para serem derrubadas pelo vento

monumentos fantásticos para o tempo e o efêmero

 

somos formigas no jardim dos deuses

que nos pisam distraídos enquanto caminham

 

 

 

 

 

Edson Cruz

 

           sol negro

 

 

os jornais me ferem

                todas as manhãs

                 a morte me diz bom dia

manchando minhas digitais

                com seu nanquim corrosivo

em meus braços

               um sol negro

 

e            x          p          l         o          d        e

 

                com fúria de Ísis

               a radiar pedaços tenros.

   aquela mãe assassinou seus oito filhos

   aquele outro estuprou a própria filha.

 

   a dita cuja deixou seu bebê rolar

   nos trilhos de um trem em movimento.

   o dito cujo esqueceu seu filho no carro

   e sob sol escaldante foi pra academia.

 

[o tempo parou por um segundo-eternidade]

   atiraram no dramaturgo

   metralharam a poesia

                        dia a dia

tudo o que é humano

                   se tornou estranho

os átomos todos

                     foram maculados

 

agora só nos resta

                     o vazio

com seus espaços povoados

                     de dor.

 

 

 

 

 

Edweine Loureiro

 

Setembro Negro

 

            Paz

            nos jogos.

            Os jogos da paz?

            Mas…

            Foge, Spitz!

            Nada

mais

forte!          !

            Quebra

            o recorde

            do esporte

            e da vida.

            Viste, Waldi,

            quem vem ali?

            Vi.

            Então salva

o rei Hussein.

            Pois a Morte

            veste Fatah.

            Fatal.

 

 

 

 

 

Elaine Pauvolid

 

Dos mortos

 

Certos enterros são concertos.

O morto vai distante,

em forma intangível, em nós se encerra.

No concreto

que o coveiro sobre a morte acerta,

vamo-nos um pouco

em nossas pétalas.

 

 

 

*

 

As horas quedaram-se mortas,

inconsequentes visões de dia.

Vieram em fila

Comerem-me, parecia.

Se falo agora

É que pela sombra me escondia.

 

 

 

Travessia

 

Venho flor náufraga

Na vastidão do abandono

Entregar-me outra.

 

Na folhagem em que esbarro

Quimera e caso perturbam

O rosto outrora e para sempre plácido.

 

Cavam dedos-espátula o verde musgo aquático.

Abre-se a sombra bem mais

Deserta. Atravesso a toca de hastes.

 

Do outro lado me encontro.

O sol e o mar esperam-me calmos.

 

 

 

Para os perdidos

 

Que solidão te arrasta em frente?

Qual o lastro de teu desejo

que figura ao leste proveitoso se faz silente

e qual ato te desfigura ?

Por que a morte te olha em torno, onde estão

os fantasmas de teu ocaso?

Qual o teu martírio?

Não sonhas?

Vem, toma aqui este resto de esperança...

 

 

 

continua >>>

 

 

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