O IDIOTA DE MÁ-FAMA E A LOUCA DESINIBIDA

 

A história que vou contar aconteceu com uma pessoa que muitos dizem não ser digno de confiança. Baita injustiça. É um cara que sempre fez das suas, de fato, e fama é uma coisa que não se apaga facilmente. Má-fama então gruda na gente como piche. Contudo, o cara é um sujeito que podemos até mesmo chamar de gente boa. Apesar das suas, desta vez ele não foi o mandante do crime, muito menos o criminoso. Ele foi a vítima. Mudarei os nomes das pessoas envolvidas ou nem usarei nomes para evitar processos, afinal de contas o narrador aqui é um fodido desgraçado. [*às gargalhadas*] Comecemos a história. Noite agradável, alguns bebiam cerveja, outros vinho. Eram três homens e duas mulheres em um apartamento. Tocava umas músicas que o narrador aqui nem sonha em se lembrar. A anfitriã, uma tal de Antastúcia (lembrem-se que eu mudei os nomes!), acabara de fazer cirurgia plástica nos seios, e ao contrário do comezinho nosso desses dias, a sua intervenção cirúrgica foi para diminuir os apetrechos. O teor alcoólico nem pode ser usado como atenuante, pois Antastúcia é naturalmente desinibida. Colocou-os para fora e mostrou o resultado do trabalho. Abaixou também a calça jeans, mostrou calcinha, e revelou haver feito lipoaspiração... na barriga. Do material tirado dos seios fez enxerto na bunda. Desperdiçar pra quê? E história vai, nosso personagem e vítima já estava pronto para tudo mais. Até que Antastúcia veio sentar no sofá ao seu lado. Mas antes, como poderia me esquecer!, enxerto na bunda, ela manda que ele a aperte para testemunhar in loco sua nova aquisição. Ele aperta. Ela senta no sofá. Alguns minutos e Antastúcia coloca os peitos para fora da blusa novamente. Desta vez, porém, estão apenas os dois na sala. Ela manda que ele aperte também os peitos "para ver como estão durinhos". Ele aperta e... Pausa para uma breve conversa. Vocês leitores devem estar pensando em como pode, como esse idiota ainda não fez nada, ele é um otário, ele é o cara mais otário da face da Terra!? Voltemos à história. Estava aonde mesmo? Ah, sim, ele aperta e, enquanto aperta, fala uma ou duas palavras e se apresenta, se apresenta para beijá-la. Aleluia! Aleluia! Aleluia nada, de um só golpe Antastúcia se levanta e se pergunta aos brados e aos céus "será que eu dei os sinais errados? Será que eu sempre dou os sinais errados? Não quero nada com você, meu filho!". O quê? Como? Ele, bestificado, pede licença e vai ao banheiro. Pensa. Mija. Pensa mais um pouco. Uma última gotinha. Pensa. Balança. Pensa. Guarda. E volta para a sala. Senta-se no mesmo sofá. Antastúcia ainda a se perguntar "será que eu dou os sinais errados?". Agora com os demais presentes reunidos na sala. Nosso herói então decide. Termina a cerveja, afinal não se desperdiça! Termina o cigarro. Levanta-se e, educadamente, se despede de todos. Vai embora, porra! Dias depois ele fica sabendo que ela contou aos outros nomes não nomeados desta história que foi ele quem a atacou, colocando as mãos não seus peitos (sem pedir licença ou sem que ela mandasse!; é claro que ela não falou nada deste parênteses) e querendo beijá-la. Perguntem a ele se ficou puto da vida? Ele responde que sim, que ficou, mas apenas após saber a versão (falsa!) dela da história. Antes, agiu como um gentleman, foi embora no momento adequado e pronto. Com mulher louca... Mas depois? Ah, depois não! Loucura não é desculpa, e se for é caso de internação em manicômio. Agora imaginem vocês, mulheres, se o cara põe o pau pra fora e manda ver (tocar!) como ele está duro. Ou nunca mais olharão na cara dele ou, se estiverem no clima da coisa, já com vontade dele e do cara dele, pegarão. Aí ele vira e diz "calma aí, minha filha! Eu não quero nada com você. Só mostrei como o meu pau fica duro. Será que mando os sinais errados?". Manicômio, ou então manda tomar no cu porque não presta. Aliás, nem é o caso de prestar ou não, é só caso de mandar tomar no cu e pronto! Mas ele não mandou. Otário.

 
 
 
 
 

UM DEUS AUSENTE

 

Cuspíamos um na face do outro. Excitávamos com extravagâncias. Adorava lamber-lhe a xoxota quando estava menstruada. O sangue me deixava faminto. Tinha sede. Matava a sede. Minha puta, minha adorável puta. Aquela prostituta. A mulher. Violência, agressões, mordidas... Tudo aquilo nos excitava. Amava gozar dentro da sua boca. Éramos perdidos. E ser perdido era algo maior que ser meramente um pervertido. Éramos obsessivos. Doentios. Então veio o tédio, o ciúme, a insegurança, as traições, as provocações, enfim, o desamor. Uma mulher e tanto. Também mesquinha, fútil, egoísta, falsa, mas toda ela mulher. Ela me atraía de forma estúpida, selvagem, irracional. Ora! Nada importa, agora. Mona esmagou o crânio de K., fez dele taça, encheu do próprio veneno e do esperma do homem e bebeu, de um só trago, e brindou, amargamente, com doce sorriso, seu triunfo, da criatura sobre o seu criador. Deus estava morto. Morto pela mulher. Mona matara K. Aos poucos a minha mente deixou-se intoxicar pela paisagem e passou a criar uma estória adversa, fantasiosa, perversa... e o homem enfiava todo o braço na xoxota da mulher e penetrava-lhe o ânus com seu pênis, violentamente. Devorava, enfim, a mulher numa cena de canibalismo e terror. Veio, então, a guerra, e confirmou a vida com a morte, e disse que a vida era arbitrária e contraditória, e muitos homens foram assassinados, mulheres os corpos estuprados, velhos e crianças sacrificadas, massacres, massacres e gritos imbecis da besta romperam as cidades decaídas, mentes corrompidas e um mundo decadente, perdido, a Humanidade destituída brevemente (...). De modo inesperado, saído do banho, contemplei no espelho o meu pênis. Totem. Tabu. Adorai-o. Disse K. Antes de comer o caviar e beber o champanhe. 2999 d.C. promete a um replicante, e eu já estou atrasado. A falta nos faz sofrer e o mundo está um caos. Nunca houve um instante sequer na História desse mundo que não estivesse ocorrendo uma guerra; vivemos sempre sob o signo da crise; o conflito nos é uma constante capital. O Homem tentou usurpar o trono e o reino do Diabo. Mas o Diabo era Deus. E Deus, impiedoso, venceu o Homem. O Homem fracassara... e mesmo ao ter o fino fio cortado da marionete, eis que ele conquista a liberdade, mas não coube nele o tanto, era pouco, ele desejava mais, e mais era ter o lugar Dele para ele. O Fantoche não tem vida sem a Mão. O combate não vale a aposta. Desde já seu destino é o fracasso. Dane-se. Os povos exaltados encontrarão apenas mais sofrimento. Os demais não valem o peso de suas almas. O sangue será derramado em vão. Suave será a paz depois do fim. Depois do fim será a paz suave sobre o denso e absoluto silêncio. O silêncio perfumado do depois. E Ele, tão só, sempre tão só, e egoísta, e mesquinho, e fútil, e falso, como a mulher, Ele é mulher, e como a vida é contraditório e arbitrário, e como a morte é implacável e frio, Ele é o perfume de almíscar nas entranhas quânticas do sangue do sacrifício tolo de nossas almas sem asas impedidas do vôo libertário das grandes aves... As aves de rapina serão os pássaros negros em busca de carniça, espíritos abutres em busca da carne putrefata de nossos filhos, sob a vista policial de uma coruja jaz uma pomba branca com as tripas de fora devoradas por vermes rastejantes soará o grito horripilante da besta nas terras devastadas pelo bem e bondoso, que triunfará sobre o mal depois que mais nada restar nem alguém para contar nem ninguém para ouvir o que mais nada haverá para se contar. Calma. Pausa. Corta a cena. Claquete. Pronto. Nova cena. Rodando. Existia uma catedral. Dentro da catedral havia um trono, e sentado naquele trono estava R. E R. embriagava-se. À sua frente, três musas, e elas o observavam. Uma ele amou sem jamais ter se declarado; outra ele amou e ela não o quis; e a última delas ele amou e ela o traiu, e traiu também o seu amor. Ninguém mais havia no mundo. Nada mais havia naquele mundo, senão a catedral, o trono, aquele que estava sentado no trono e as três musas daquele que estava sentado no trono. R. desejara isso. Agora se embriagava. Também desejava isso. R. olhou firme para as três que estavam diante dele e perguntou o porquê de Ele, Deus, não aparecer para os quatro, se somente os quatro restavam no mundo, e se o mundo já não era mais senão aquela catedral, e um trono, um trono muito bonito, é verdade, mas não fazia sentido. Ora! o quê fazia sentido ali? Para que um trono? Que sentido fazia? E como podia fazer sentido? R., bêbado, completamente, já gritava e já soltava uma baba espessa pela boca. Sua ira crescia. Tinha vontade de estrangular aquela que ele amou e o traiu, aquela que tinha um nome, e o nome era M. Tinha vontade de violentar aquela que não o quis, aquela que se chamava S. Tinha vontade de voltar a amar F., aquela que ele jamais se declarou, para então se encher de coragem e se declarar finalmente. R. já não sabia ao certo o que estava pensando. Sua mente era tormenta e tormento. Então ele obrigou que elas falassem com ele, se é que elas realmente pudessem falar, se é que existissem realmente, ou que ainda existissem, ou que fossem reais, e não invenção de sua mente num delírio crescente alcoólico, na insanidade que aumentava conforme vivia aquela experiência, e percebia que já não se sabia ao certo o que estava pensando, se estava pensando, se existia ou se não passava de uma invenção de si mesmo num rompante delírico através do álcool. Qual delas falou é irrelevante. Pode ser que as três tenham falado, se realmente existissem. Nenhuma delas. Duas. Uma. É irrelevante, acreditem. Mas para facilitar, digamos que ela tenha dito; então, ela disse:

— Ele não vai aparecer.

— Não vai aparecer?! Como sabes?

— Ele não vai aparecer porque Ele já está aqui.

— Aqui?! Onde? que eu não o vejo! Onde está você filho-da-puta duma figa! Onde está que eu quero chutar o seu traseiro, seu merda! O que deu em você, diabo de merda?

— Pare. Não adiantará ofendê-lo!

— Por quê não? Se Ele já está aqui, quero...

— Sim, Ele está aqui. É você.

— Eu? Eu? Retardada... estou mesmo bêbado...

— É você. Já passou tantas eras, tantos séculos, tantas guerras e acordos e tratos e pactos e desculpas e julgamentos e promessas... você já não se lembra quem você é; não se lembra o que é. Então eu digo que Você é Ele, Esquecimento.
R. olha para si e diz:

— Eu preciso reconhecer-me. Eu. Não existe catedral. Não existe trono em nenhuma catedral... Não-existe. Tédio e sexo obsessivo, é o que nos resta! E estranho é simplesmente ainda existirmos.

 

 

 

 

(imagem ©ralphh)

 

 

 

 

 

Rodrigo Novaes de Almeida (Rio de Janeiro-RJ, 1976). Cursou as Faculdades de Filosofia (UFRJ) e Comunicação (FACHA). Além de escritor e poeta, é artista plástico. Autor do livro-blogue Vórtice famigerado.