(...) Com os braços estendidos e os olhos fechados, ela
apoiou a cabeça e o busto no sofá. Então uma imagem que tinha visto há
alguns anos a atravessou. Era uma curiosa estampa que representava uma
mulher de joelhos como ela, diante de uma poltrona, numa sala
ladrilhada. Uma criança e um cachorro brincavam a um canto, as saias da
mulher estavam levantadas, e um homem de pé, bem perto, levantava sobre
ela um punhado de varas. Todos usavam roupas do fim do século XVI e a
estampa tinha o título que lhe parecera revoltante: A correção familiar.
René com uma das mãos segurou seus pulsos enquanto com a outra levantava
seu vestido, tão alto que sentiu a gaze plissada roçar seu rosto.
Acariciava suas nádegas e fazia Sir Stephen observar as covinhas que as
afundavam, e a suavidade do sulco entre as coxas. Depois, pressionando
sua cintura com a mesma mão para salientar as nádegas, ordenou-lhe que
abrisse mais os joelhos. Ela obedeceu sem dizer nada. As honras que René
fazia de seu corpo, as respostas de Sir Stephen, a brutalidade dos
termos que os dois homens empregavam mergulharam-na num estado de
vergonha tão violento e tão inesperado que o desejo que tinha de
pertencer a Sir Stephen se desvaneceu e ela pôs-se a esperar o chicote
como uma libertação, a dor e os gritos como uma justificativa. Mas as
mãos de Sir Stephen abriram o caminho de seu ventre, forçaram o sulco
entre suas nádegas, deixaram-na e voltaram, acariciando-a até fazerem-na
gemer, humilhada por estar gemendo, derrotada. "Deixo-a para Sir
Stephen", disse então René. "Fique como está, ele a dispensará quando
quiser". Quantas vezes, em Roissy, tinha ficado assim de joelhos,
oferecida a qualquer um? Mas lá, sempre amarrada pelos braceletes que
uniam as suas mãos, era a feliz prisioneira a quem tudo era imposto, a
quem nada era perguntado. Aqui, era por sua própria vontade que ficava
seminua, enquanto um só gesto, o mesmo que bastaria para pô-la novamente
de pé, bastaria também para cobri-la. Sua promessa a prendia tanto
quanto os braceletes de couro e as correntes. Mas seria apenas sua
promessa? E por mais humilhada que estivesse, ou justamente porque
estava humilhada, não haveria também a doçura de ter valor justamente
por sua própria humilhação, pela sua docilidade em curvar-se, por sua
obediência em abrir-se? Com a saída de René e Sir Stephen tendo-o
acompanhado até a porta, O esperou, sozinha, sem se mexer, sentindo-se
na solidão, mais exposta e na espera, mais prostituída do que tinha se
sentido quando estavam com ela. A seda cinza e amarela do sofá era lisa
sob a sua saia, através do náilon de suas meias sentia sob os joelhos o
tapete de lã alta e, ao longo da coxa esquerda, o calor da lareira —
onde Sir Stephen tinha acrescentado três achas que ardiam com muito
barulho. Um relógio antigo, sobre uma cômoda, tinha um tiquetaque tão
suave que só se podia perceber quando tudo se calava em volta. O
escutou-o atentamente e sentiu como era absurdo neste salão civilizado e
discreto ficar na postura em que estava. Através das persianas fechadas
ouvia-se o roncar de Paris depois da meia-noite. Amanhã de manhã,
durante o dia, reconheceria na almofada do sofá, o lugar em que tinha
apoiado a cabeça? Voltaria algum dia a este salão, para ser tratada do
mesmo modo? Sir Stephen estava demorando e O, que tinha esperado com
tanta indiferença o desejo dos desconhecidos de Roissy, sentia a
garganta apertada com a idéia de que em um minuto, em dez minutos,
novamente ele poria suas mãos sobre ela. Mas não aconteceu exatamente
como previra. Ouviu quando abria a porta e atravessava a sala. Ficou por
um tempo de pé, de costas para o fogo, observando O; depois, numa voz
muito baixa, disse-lhe para se levantar e sentar-se novamente. Surpresa
e quase constrangida, obedeceu. Ele lhe trouxe delicadamente um copo de
uísque e um cigarro, que ela recusou. Viu então que ele vestia um
roupão, muito sóbrio, em popeline cinza — do mesmo cinza de seus
cabelos. Suas mãos eram longas e secas, e as unhas planas, cortadas
curtas, muito brancas. Nesse momento, Sir Stephen surpreendeu o olhar de
O, que corou: eram bem estas mesmas mãos, duras e insistentes, que
tinham se apoderado do seu corpo e que agora ela temia e esperava. Mas
ele não se aproximava. "Gostaria que ficasse nua", disse. "Mas antes
desabotoe só o casaco, sem se levantar". O desabotoou as grandes fivelas
douradas e fez cair de seus ombros o agasalho negro que colocou na ponta
do sofá, onde já se encontravam sua pele, suas luvas e sua bolsa.
"Acaricie um pouco o bico dos seios", disse então Sir Stephen,
acrescentando: "Vai precisar uma maquilagem mais escura, esta é muito
clara". Perplexa, O roçou o bico dos seios com a ponta dos dedos e ao
sentir que endureceram e se levantaram, escondeu-os com as palmas: "Ah!
não", disse Sir Stephen; e retirou suas mãos, inclinando-a para trás,
sobre o sofá; seus seios eram pesados para o busto delicado e
afastaram-se levemente para as axilas. Tinha a nuca apoiada no encosto,
as mãos dos lados dos quadris. Por que Sir Stephen não aproximava sua
boca, por que não estendia a mão para os bicos que desejou ver
levantados e que ela sentia tremerem por mais imóvel que ficasse, só com
o movimento da respiração? Mas ele tinha se aproximado e sentado meio de
lado no braço do sofá, não a tocava. Fumava, e um movimento de sua mão,
que O nunca soube se foi ou não voluntário, fez voar um pouco de cinza
quase quente entre seus seios. O teve o sentimento de que ele queria
insultá-la, com seu desdém, com seu silêncio, com o desprendimento que
havia na sua atenção. No entanto, há pouco desejava-a, e mesmo agora
ainda a desejava; podia perceber isso sob o tecido leve de seu roupão.
Por que não a possuía nem que fosse para feri-la? O detestou-se por seu
próprio desejo, e detestou Sir Stephen pelo domínio que tinha sobre si
mesmo. Queria que ele a amasse, esta é a verdade: que ficasse impaciente
para tocar seus lábios e penetrar seu corpo, que a destruísse se fosse
necessário, mas que não pudesse, diante dela, guardar a calma e dominar
seu prazer. Era-lhe indiferente, em Roissy, que aqueles que se serviam
dela tivessem qualquer sentimento que fosse; eram apenas instrumentos
através dos quais seu amante tinha prazer com ela, pelos quais ela se
tornava o que quisesse, polida, lisa e doce como uma pedra. Todas as
mãos eram as suas mãos, todas as ordens, as suas ordens. Aqui não. René
tinha-a entregado a Sir Stephen, mas via-se bem que não era porque
quisesse obter mais dela, nem pela alegria de entregá-la, mas para
compartilhar o que mais amava, agora, com Sir Stephen, como sem dúvida,
antigamente, quando eram mais jovens, tinham compartilhado uma viagem,
um barco ou um cavalo. Era com relação a Sir Stephen que tinha sentido
compartilhar, muito mais do que com relação a ela. O que cada um
procuraria nela, seria a marca do outro, o traço de passagem do outro.
Um momento antes, quando a mantinha de joelhos e seminua, apoiada nele,
enquanto Sir Stephen com as duas mãos abria suas coxas, René tinha
explicado a Sir Stephen por que o acesso às nádegas de O era tão fácil e
por que tinha ficado tão contente por terem-na preparado dessa maneira:
era porque se lembrara de que seria agradável para Sir Stephen ter,
constantemente à sua disposição, o caminho que mais lhe agradava. Chegou
a acrescentar que, se quisesse, deixar-lhe-ia esse caminho para seu uso
exclusivo. "Ah! com muito gosto", dissera Sir Stephen, observando
entretanto que apesar de tudo ainda corria o risco de rasgar O. "O lhe
pertence", respondera René; e inclinando-se para ela tinha lhe beijado
as mãos. Só a idéia de que René podia assim considerar a possibilidade
de se privar de alguma parte sua, deixara O transtornada. Viu nisto o
sinal de que seu amante importava-se mais com Sir Stephen do que com
ela. E percebeu também que, embora René tantas vezes tivesse repetido
que amava nela o objeto em que a tinha transformado, sua total
disponibilidade e a liberdade que sentia em relação a ela — como se
possui um móvel com o qual se tem mais prazer dando-o do que guardando-o
para si — nunca tinha acreditado totalmente nisso. Via ainda outro sinal
do que não podia ser outra coisa que uma deferência para com Sir Stephen
no fato de que René, que amava tão profundamente vê-la sob os corpos ou
os golpes de outros, que olhava com ternura tão constante, com um
reconhecimento tão incansável sua boca abrir-se para gemer ou gritar,
seus olhos fecharem-se sobre as lágrimas, tinha-a
entretanto deixado, depois de
assegurar-se ao expô-la, abrindo-a
como se abre a boca de um cavalo, para mostrar que é bastante
jovem, que Sir Stephen