Pietro Aretino (1492-1556) viveu boa parte da sua vida em grande estilo, num palácio à beira do Grande Canal de Veneza. Era rico e devasso. Sua casa era uma espécie de harém, onde os amigos eram sempre recebidos com muitas comidas e bebidas finas e servidos por seis belas cortesãs, cognominadas "aretinas".

O homem que constituía o centro desse pequeno mundo de prazeres era aclamado como o maior poeta vivo e correspondia-se intensamente com nobres e ricos homens de todo o mundo. Sua fortuna não provinha de bens de família, nem de qualquer fonte respeitável. O seu luxo era sustentado por presentes e grandes somas de dinheiro ofertados pelas pessoas que lhe deviam favores ou que tinham algo a perder, caso não contassem com a sua amizade.

Aretino foi um homem muito singular. Ariosto o chamou de "o flagelo dos príncipes" e Ticiano o apelidou de "o Comandante das Letras", mas a verdade é que, antes da imprensa periódica, Aretino soube transformar em riqueza o poder de formar opinião, obtendo vantagens da capacidade de construir ou destruir a imagem pública dos poderosos. Ou seja, como se pode ver em qualquer artigo a seu respeito, foi basicamente um chantagista.

Depois da morte, seu vulto literário foi rapidamente diminuído. Passou à posteridade como o autor do diálogo I raggionamenti — no qual duas velhas prostitutas conversam sobre a profissão mais interessante para a filha de uma delas, que concluem ser a mesma da mãe, e sobre a educação necessária ao seu desempenho; como poeta satírico, e como autor dos versos mais escandalosos da língua italiana: um conjunto de 26 sonetos estrambóticos (isto é, que não têm 14, mas dezessete versos) dedicados a um só assunto, a cópula, e escritos numa linguagem absolutamente crua.

Esses sonetos, que se tornaram conhecidos como Sonetos luxuriosos, foram escritos, segundo diz o próprio Aretino numa carta, sob o efeito da contemplação de umas gravuras de quadros obscenos de Giulio Romano que, segundo a descrição do historiador da arte Giorgio Vasari, representavam "todos os diversos modos, atitudes e posições com que os homens despudorados deitam-se com as mulheres". As gravuras eram 20, e Aretino parece ter escrito apenas um soneto para cada uma das gravuras: "Vendo-as, fui inspirado pelo mesmo espírito que levou Giulio Romano a pintá-las (...) diverti-me então escrevendo os sonetos que podeis ver agora sob cada pintura".

Durante a vida de Aretino, os sonetos, escritos em 1525, não foram publicados em volume, embora fossem muito bem conhecidos. Mas, por não ter havido publicação pelo autor, e por serem 26 os Sonetos Luxuriosos atribuídos a Aretino, é hoje impossível saber se são de fato dele todos os poemas ou se alguns foram escritos por outro poeta e adicionados ao conjunto. O que, de fato, importa pouco, pois os 26 têm o mesmo nível de excelência.

Por séculos, esses poemas ficaram fora do alcance dos leitores. Um poeta francês, Guillaume Apollinaire (1880-1918), parece ter sido o primeiro a se ocupar de traduzi-los no começo do século, mas não os traduziu todos, de modo que esses poemas não eram facilmente encontrados impressos em qualquer língua, embora já há alguns anos estivessem disponíveis em italiano na internet. Felizmente, desde maio de 2000, a situação mudou e os vinte e seis Sonetti Lussuriossi estão disponíveis no Brasil, tanto no original, quanto em português, numa bela tradução feita por José Paulo Paes (1926-1998) e publicada pela Companhia das Letras.

Mas não se iluda o leitor desavisado: apesar do título, não há nada de erótico nesses 26 sonetos. São, isso sim, obscenos, e sua força vem de serem justamente apenas obscenos, tanto pela concentração exclusiva no momento e nos detalhes da cópula, quanto pela linguagem que denomina os órgãos sexuais pelos nomes mais vulgares, ou seja, pelo palavrão.

A tradução apresenta a usual habilidade de Paes e vem precedida, como outros empreendimentos do autor, por um ensaio introdutório de alto nível. Nesse caso, na verdade, por dois textos introdutórios, que, em linguagem simples, sem afetação, oferecem ao leitor um conjunto equilibrado de informações e reflexões sobre o gênero muito específico desse conjunto de sonetos e sobre a história da obra e de seu autor.

Os muitos méritos deste livrinho, é certo, tornam mais sensível e lamentável a perda intelectual que foi a morte de José Paulo Paes, ocorrida há dois anos. Mas esse sentimento não deve empanar o brilho desta publicação, nem a alegria de poder ainda agora lançar os olhos sobre esse novo trabalho assinado por ele. Só resta, portanto, celebrar, e esperar que o seu espólio ainda nos reserve, nos anos próximos, alguma outra surpresa tão boa quanto esta.

 

 

 

 

Texto escrito por ocasião do lançamento da tradução de José Paulo Paes (1926-1998)

 

 

 

O livro: Pietro Aretino. Tradução de José Paulo Paes. Sonetos Luxuriosos. Editora Companhia das Letras: São Paulo, 2000.

 

 

 

Alguns Sonetos