depreciação


De hoje em diante
não irás ganhar o pão
com o suor de teu rosto.
Não precisarás mais de rosto.
Nem de suor.
Nem de um corpo.
De hoje em diante
a máquina imperfeita
de teus músculos
será mais um objeto
em desuso.

Donizete Galvão nasceu em Borda da Mata, Minas Gerais, em 1955. Autor de Azul Navalha (1988), As Faces do Rio (1991), Do Silêncio da Pedra (1996) e A Carne e o Tempo (1997), Ruminações (1999), todos de poesia. Tem trabalhos publicados nas revistas Nicolau, Cult, Poesia Sempre, Sebastião, Dimensão, Mariel (Miami), Babel (Venezuela), Blanco Móvil (México), Anto (Portugal), Anterem e Ricerca (Itália) e nos principais jornais do Brasil. Na França, participou da Anthologie de La Poésie Brésillienne (Editions Chandeigne). No Brasil, seus poemas estão na Antologia da Nova Poesia Brasileira (Rioarte/Hipocampo) e Antologia da Poesia Mineira do Século XX (Imago Editora). Em 2002, publicou Pelo Corpo, em parceria com o poeta Ronald Polito. Também está presente na recém-lançada antologia Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil, organizada por Claudio Daniel e Frederico Barbosa. Ganhador de Prêmio APCA, 1988, como revelação de autor e duas vezes indicado ao Prêmio Jabuti. Participou de projetos de leitura de poemas organizado pela Secretaria Municipal da Cultura e do Mapa Cultural, Secretaria Estadual da Cultura (São Paulo), como jurado na área de poesia. Participou do documentário Versos Diversos, dirigido por Ivan Marques, exibido pela TV Cultura (SP).

figuras de giacometti


Corpos sem entranhas.
Corpos sem linfa.
Famintos por miragens
que engolem inteiras.

Corpos como hastes
arqueadas pelo cansaço.
Corpos como um traço,
um risco de carvão.

Corpos sem encarnação.

oco


O incômodo
dos braços
diante
do espaço
exíguo.

A impaciência
das unhas
roídas
até o toco
dos dedos.

O frio
do estômago
à espera
de um corte
de faca.

A dor
que ronda
um corpo
partido,
à deriva.

talassa


Com raiva, febre e tortura,
os corpos em convulsão
querem o retorno ao oceano
de águas corrosivas
onde possam consumar
a dupla dissolução.

órfico


pouco importam
..........as partes
esquartejadas
.....os ossos expostos
os membros divididos
...........pelas mulheres
.....................em desatino

a cabeça
...........separada
do corpo
...........ainda canta

vale uma vida
vale uma morte
.....................esse hino

a razão de heráclito


Depois que todo desejo
..................... se esgota,
a ânsia arrefece.
O homem se sente como um boi
que pastou capim verde
..............................na grota.