You got me going in circles

 

ia falar do tempo e da temperatura

do teu beijo

mas eu não lembro

quem sabe o tempo clareia

essa lembrança

ou quem sabe você queira

poupá-lo desse imenso trabalho.

 

 

 

 

 

 

Câmera Obscura

 

meu amor

afinal de contas

você me matou

ou não me matou

estou morto

ou não estou morto

pergunto

e interrompo a resposta

do fantasma com o qual

converso toda as noites

antes de dormir

e antes de tentar matá-lo

acendendo a luz.

 

 

 

 

 

 

Para Requimute

 

não quero passar os dias

pintando barco parado

em alto mar

ou flores num jarro

em cima da mesa

vou esperar sentado

como cego na porta

da loja de discos

batendo palma

pra maluco dançar

you're gonna make me

lonesome when you go

chorando dentro

dum conta-gotas

torcendo pra que dê certo

um dia

ou burro no jogo do bicho.

 

 
 
 

 

Carolina

 

um palito separa

o prazer da dor

um ponto separa

o prazer da dor

é como se você

estivesse numa e

 

s

 

c

 

a

 

d

 

a

 

de três degraus

 

1

 

2

 

3

 

e do degrau

do meio,

um degrau pra cima

é o prazer

um degrau pra baixo

dor.

aí eu pergunto

onde dói mais

onde dói menos

e porque me sinto feliz

e triste

ao mesmo tempo.

 

 

 

 

 

 

Hyde Park (Crônica de Um Amor Louco)

 

desde o dia que ouvi o barulho

da porta batendo

fiquei anos sem ouvir barulho

de porta batendo

o médico diz é surdez

eu digo é que nunca mais

abri as portas.

 

 

 

 

 

 

Bilhete

 

queria saber se eu dissesse que

ia mergulhar daqui desse edifício

você ia dizer

mergulha, beibe

eu liguei pra perguntar

você não tava

e deixei um recado na secretária eletrônica

mas não consegui detalhar

porque sempre fico nervosa

com mensagens prontas.

 

 

 

 

 

 

Vivo

 

disca de novo e diz

que é você o número estranho

que me ligou ontem no celular

diz qual é o seu novo número

que eu não sirvo mais

e que agora você me esconde atrás do amarelado

nas fotografias.

 

 

 

 

 

 

A Nova Onda

 

meto no bolso uma dúzia

de laranjas podres e sacaneio

os toldos coloridos da cidade:

Paris, tu paries, Paris, que je te quitte

 

a sutileza do fare thee well

pelo telefone, a doçura dos ventiladores

não explica a origem da merda

do amor

 

There I go, there I go, there I go, there I go

 

enlouqueço

com zumbido de corrida de fórmula 1

aos domingos

não recebo visitas

do carteiro

 

si me extrañas mándame un fax

 

ah

quanto dote não possuo!

meus bens, vasilhames plásticos

de margarina sem sal, em latas de óleo planto

feijão, caroços germinam antes de virarem câncer. 

 

 

 

 

Sugar Blues

 

um corpo em chamas

rolando pela escada

de incêndio do meu prédio

era você

vírgula

meu bem

vírgula

era você

interrogação

 

eu avisei para não brincar

de molhar meus barcos

de papel

eu avisei que não se pode viver

como se faltassem

poucos dias

para o carnaval

 

você indo embora com o foco da coqueluche

e aliviando a vizinhança

você subindo aos céus com os passarinhos mortos

por crianças más

com estilingue

 

era você se desfazendo

na doce baforada

da janela aberta

numa manhã de calor

 

era você em pó

em papel picado

no tapete do asfalto

na roupa branca dos médicos

e no antigo toldo do açougue

do andar de baixo

 

agora eu vou rezar pela sua alma

por um emprego novo

e por um vício a menos

enquanto passeio pela cidade

de ônibus circular

numa quarta-feira de cinzas.

 

 

 

 

 

 

Zás-Trás

 

estou aqui de pernas

para o ar agarrada

ao lustre

esperando sua visita

 

unicórnios e baratas

conversam na varanda

eu sinto sede bebo água

na infiltração da cozinha

 

você demora

está escuro não há luz

de poste vazando pelo vidro

trincado da janela

 

há horas atenta

aos gritos da campainha

quebrada minha perna cruzada

do lustre prepara um lindo colar.

 

 

 

 

 

 

Rap

 

paixões são urgentes

explodem hecatombes

hiroshima césio 137

você olha e de repente

POW

você pisca e de repente

POW

eu finjo que não é comigo

finjo que estou distraído

e de repente POW.

 

 

 

 

 

 

Cia

 

casacos quero para combater

a chuva fria chegando na varanda

para pedir café

bate palma, eu digo não estou

insiste, entra pela janela

vai molhar a cauda do piano

apareço pra brigar

digo vá molhar as plantas

os passarinhos

ela diz vim para dançar twist

contigo embaixo dos panos

de chão.

 

 

 

(imagens ©mari mahr) 

 

 

 

 

 

Bruna Beber nasceu no Rio de Janeth, Goanabara, em 84. Cuida do Bife Sujo e da Cutelaria, colabora com o Metroblogging Rio e edita a Bala com mais dois amigos. Já publicou poemas, resenhas e crônicas nos sites Paralelos, Cortiça, A Máquina do Mundo, Revista Bala, Na Telona e Cafetina Eletroacústica. Pode ser ouvida no podcast Batata Rostie e no poetrycast Mike. É uma das Escritoras Suicidas. Publicou A fila sem fim dos demônios descontentes (Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 2006), seu livro de estréia, de poesia.