desculpe

 

o transtorno:

estou em

construção 

 

aliado

 

o Sol me diz

ao te despir:

— é com você! 

 

conselho

 

lave bem

sua alma:

não encolhe! 

 

no quadro

 

amoldado na parede

de repente tive sede

: mergulhar naquele barco 

 

no descuido

 

terno engomado

sapato engraxado

alegre: piso na bosta 

 

vivo

 

como num quarto

debaixo da escola

de dança flamenca 

 

sou

 

de sagitário

regido por Júpiter,

Mozart e o FMI 

 

a onda

 

ao bater nas rochas

espirra alegre fracionada

o grito chuá de liberdade 

 

destino

 

na dúvida

siga as borboletas

: elas sabem 

 

opinião

 

em dado momento

soberano

é o penico

  

deslocado

 

percebo-me

bailarina

de tamancos 

 

racismo

 

só cego

de verdade

enxerga cor 

 

por amor

 

já colhi

doces maçãs

em frágeis limoeiros

  

in paris

 

que linda

a neve:

mas derrete 

 

pobre formiga

 

senil e diabética

busca no caminho

um tamanduá 

 

distraído

 

por andar

tão transparente

perdeu a sombra 

 

nova estação

 

sabiá muda o canto

galanteio ou pranto

canto muda o sabiá

  

vinil riscado

 

. . . nunca mais

. . . .  nunca mais

. . . . . . nunca mais

 

 

 

e por aí vou

 

pisando na bosta

tropeçando em estrelas

mas rindo... dos outros

 
 
 
 
 
 

Na floresta

há um grupo de pássaros

que canta diferente.

 

Seus cantos batem

            nas pedras

que batem nas águas

que batem nas árvores

que se afinam

de modo a provocar

um sentimento semelhante

nos ouvidos dos que os ouvem.

 

Mas há um grupo de pessoas

que insistem que os pássaros

devem cantar no mesmo tom:

assim nascem os críticos.

 

 

 

*

 

 

Ele cantava ópera

às vezes

borrava as calças

por isso o aplaudiam

e se sentia o centro do mundo

mas aí deu-lhe febre

e então começou a

bater nas pessoas que amava

e batia e batia e espancava

e depois ria

mesmo cansado

isso dava-lhe forças

e ele cantava ópera.

 

 

 

*

 

 

A jovem

era cor-de-leite

           [pálida]

de napeiro sorriso

e na curva do caminho

conheceu um jovem

                [sinistro]

de sorriso largo.

 

Seus olhos

saltaram nos ombros dela

e os olhos dela caíram no chão.

 

Num outro dia

ela se viu 

sodomicamente estuprada,

e houve chuvas

e depois neve

e nasceram porcos.

 

Ela cortava as unhas dele

jogava-as na lareira

de onde nasciam aromas,

compraram um poldro

virou cavalo, envelheceu

e depois morreu,

ele bebia e ela

                    [chorava]

e a lua dali fugia.

 

Uma maçã caía

em sua cabeça

e ele nunca mais foi o mesmo

mais tarde

              [morreria]

de dores nos ouvidos

 

Ela plantou uma roseira

no meio da sepultura 

mas as rosas nada cheiravam

e ela descobriu

                     [ele não prestava]

 

 

 

 

*

 

 

[para Lorca]

 

Havia dois patos   

que nadavam numa lagoa

e balançavam seus rabos

[não via naquilo um aceno]

 

Às vezes um desgarrava-se

e uma música saltitante

os unia novamente.

 

Mas havia um lobo

e na outra margem um caçador

[que parecia ser narigudo]

com um boné inglês

e eu estava em uma árvore

no meio deles

 

Aí tocou um sino

era o chá das cinco:

não me perguntem

das torradas.
 
 
 
 
 
(imagens ©wilhelm gorré)

 

Beto Quelhas (Roberto Mendonça Quelhas). Paulistano, poeta, escritor por encomenda. Ex-marido, ex-fumante, boêmio do lar. Da cozinha ao quarto, o trivial. Já pescou, inclusive, peixes. Alguns, devolveu. Por muita sorte não se graduou. Sua frustração foi não atingir totalmente a idade da razão. Aspira na escrita algo como vestir índios e despir brancos. Seu 'end' sonho: ver e pegar carona na Aurora Boreal. Sua atividade é sobreviver. Seu hobby é viver. Muito pouco compromisso com tudo, menos com a caneta. Respira empiricidade. Dedica-se ao M.I.P — Movimento Internacional Poetrix. Possui várias publicações em jornais e revistas eletrônicas. Co-autor nas obras Mar e Amor (Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2001), Antologia Poetrix (São Paulo: Editora Scortecci, 2002), Penumbra y Amanhecer (Madri: Centro de Estúdios Poéticos, 2003).