carl solomon


pilgrim state hospital


Entra-se em Pilgrim como se lá fosse a casa da morte. Senta-se na enfermaria e espera-se. 5 médicos se aproximam, o paciente chora.
O tratamento de choque está preparado. Acorda-se atordoado.
Allen chega e diz, "Não discuta com eles, faça o que eles disserem".
O tempo se impõe de novo. Você volta para casa. Você se cansa demais dormindo com mulheres. Então você pára. E pensa, "Você é um escritor, você devia fazer alguma coisa novamente".
É cansativo entender o que eles estão dizendo, você fala de Nerval e fala de Proust.
Um jovem se aproxima. Ele é de origem árabe. Menciona Nasser e começa um discurso anti-semita.
O Dr. Rath é um jovem. De origem romeno-judaica. Um background mais brilhante do que qualquer outro médico da instituição, na minha opinião.
Você menciona Tristan Tzara e ele compreende o que você quer dizer. Ele trabalha com terapia de grupo. Os pacientes se reúnem e, sem remorsos, se fazem em pedaços. Surgem brigas durante a sessão.
"Solomon, você não quer ficar bom. O que você quer é um caralho bem grande". Eu dou o troco e derrubo o cara. Ele grita, "Eu te mato nem que me mandem pra Matteawan."
Ele tinha me revelado, numa antiga conversa, que conhecia Weinberg, assassino de Bodenheim. "Bodenheim era um menino", afirma Davis.
Eu discordo, não estando muito certo dos fatos.
Voltando ao Village anos mais tarde, encontro a reputação de Bodenheim como homem muito boa. Davis fugiu de Pilgrim. Não sei o que aconteceu com ele, duro e amargo, eu nunca esqueci aquele rosto. Desumanizado.
Na minha cabeça eu o confundia com Corso, já que ambos tinham qualidades de reformistas. Encontrei Corso de novo — mudei de opinião. Corso é um littérateur e um católico com um profundo sentido religioso do que é certo e errado.
A tendência para o crime entre os jovens da minha geração é impossível de superar. Somos todos moleques de rua. A gratuidade é o espírito da época. Gide e Cocteau fizeram de nós o que somos. Um caralho bem grande, ou "BITE" se você prefere que eu use o francês de Genet, é só o que importa. Faça um outro homem se submeter a você e você será Deus.
Ah! Libertinagem ridícula. Hein, seu belo rosto cheio de compreensão indo pelos ares, destruído por uma bala. Camus morto num acidente de carro.
É o cúmulo, Artaud vira moda dez anos depois de sua morte como um louco ridículo.
Berchtesgaden. O Füehrer e seus meninos louros, quem é esse Castro? Atrasado demais na cena. Novos jovens comunistas intelectuais no Village, um novo grupo, pessoal muito envolvido em política.
Ora, eu não os entendo. São boas pessoas.
Kennedy parece muito humano depois de tudo o que aconteceu. Talvez ele vá restituir um pouco de dignidade à minha vida. Ele já começou. Nomeou um Judeu para o Gabinete.
Ele próprio é Católico, um enorme avanço no pensamento democrático da parte do público americano. Democracia contra niilismo na vida cotidiana. Motivação ou desespero.

Tradução de José Thomaz Brum

charles bukowski



Something for the touts, the nuns,
the grocery clerks and you

...os dias dos
chefes, homens covardes
com mau hálito e pezões, homens
que parecem sapos, hienas, homens que andam
como se não houvesse o ritmo, homens
que pensam ser inteligente contratar e despedir e
lucrar, homens que possuem esposas gastadeiras
como possuem 60 acres a serem semeados
ou exibidos ou defendidos dos
incompetentes, homens que o matariam
porque são loucos e explicam que
é a lei, homens que ficam de frente para
janelas de 10 metros e não vêem nada,
homens com iates luxuosos que podem navegar
mundo afora e ainda assim não sair de seu
mundinho, homens que são como caracóis, como enguias, como
lesmas, e ainda piores...
e nada garante seu último salário
no porto, na fábrica, no hospital, na
indústria de aviões, na galeria barata, na
barbearia, no emprego que você não queria
mesmo.
imposto de renda, doença, servidão, braços
quebrados, cabeças quebradas — todo o estofo
à mostra como em um travesseiro velho.

Tradução de Tatiana Antunes

...................allen ginsberg


um supermercado na califórnia


........Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman, enquanto caminha pelas ruas sob as árvores, com dor de cabeça, autoconsciente, olhando a lua cheia.
........Em meu cansaço faminto, fazendo o shopping das imagens, entrei no supermercado de frutas de néon sonhando com tuas enumerações!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteira fazendo suas compras à noite! Corredores cheios de maridos! Esposas entre os abacates, bebês nos tomates! — e você, Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?

........Eu o vi, Walt Whitman, velho vagabundo solitário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando olhares para os garotos da mercearia.
........Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles: Quem matou as costeletas de porco? Qual o preço das bananas? Será você o meu Anjo?
........Caminhei entre brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja.
........Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.
........Aonde vamos, Walt Whitman? As portas se fecharão em uma hora. Que caminhos aponta tua barba esta noite?
........(Toco teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado e me sinto absurdo.)
........Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores somas sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas, ficaremos ambos sós.
........Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor, passando pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando para nosso silencioso chalé?
........Ah, pai querido, velho e solitário professor de coragem, que América era a sua quando Caronte parou de impelir sua balsa e você desceu na margem nevoenta, olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes?

Tradução de Cláudio Willer


jack kerouac


PAPAI E EU, COM OS OLHOS TURVOS, NO BANCO de um trem de passageiros, ficamos a conversar sobre a doença dele e o que andaram dizendo lá pelo Sindicato, assunto sobre o qual se mostra muito vago — está prestes a morrer, se é que já não morreu — mamãe comenta isso comigo — meu Deus, como ele carrega penosamente a carcaça do seu cadáver por aí, nesses sonhos que se repetem, aquele rosto sem esperança, pálido, quase invisível, tão destituído de alegria; tão irremediavelmente perdido para todas as esperanças da vida e até da lúgubre constatação das perfídias da existência (que não podem mais incomodá-lo — está tão indiferente) (tendo, de fato, voltado ao túmulo). Este é o nosso querido papai de antigas noites estreladas; quando se cresce e envelhece neste mundo, o mínimo que se pode dizer é que isso deixa um gosto ruim na boca, que nem ferro. Lúgubres mandíbulas com gengivas de ferro em manhãs de desespero, esterco no ramo da paz — havia outra prateleira, especial, alta, onde fique histérico — tudo isso foi sonhado na noite passada e agora sumiu da lembrança. Na véspera, voltei para casa da Nin em Carolina, Luke me levando de carro pela estrada de lama; e Nin, em vez de me receber com alegria, primeiro pede para ajudá-la com a mala, depois quando se digna a falar é com frieza e perguntando por que foi que vim e por que não me emendo — desolado chapéuzinho branco de madeira nas planícies descampadas da rodovia, já sonhado e visto antes, e o vasto pátio de grama cinzenta, enlameado no inverno — e "Big" Luke não faz nenhum comentário; o pequeno Luke não liga — tem também um cachorro —

BRUE MOORE E EU ESTAMOS NO CLUBE DE Jazz da rapaziada da rua 59 e vamos lá para o Bowery acender fogueiras nos becos; ele vai tocar no seu pistão tenor — mas é um triste outubro e de noite — fria, desperdiçada —

OLHO MEUS MOLARES NO ESPELHO E CONSIGO tirar toda minha arcada dentária do lugar; assim dá para se ter uma idéia de como ficará meu futuro esqueleto: um olhar de soslaio nos dentes cravados no osso. Os molares são enormes e possuem uma única linha vertical suja que passa por ele e me dá um arrepio de náusea só de pensar que fiquei tão velho & decrépito & reduzido a tal esqueleto. Encaixo de novo a mandíbula no lugar

ESTOU EM MINHA MESA DE TRABALHO NA manhã chuvosa de uma Manhattan envolta em neblina; olho lá embaixo para o lado do cais do porto e vejo navios da Marinha ancorados no trapiche e multidões de marinheiros caminhando por cima da água em direção à terra firme. Digo: "Todo mundo já aprendeu como se faz — parece fácil — até demais — deve ser um truque bem simples" —

"ONE OF THE NICE GUYS OF LOVE, MUSELLE" é a música que alguém canta num sonho intenso —

UM DIA HEI DE RENASCER NUMA GRANDE cidade de outro sistema planetário, no passado ou no futuro, onde uma única montanha de 5 quilômetros de altitude se recorta no céu azul — com toda a compaixão que sinto dentro de mim, a única coisa que vou precisar é da sabedoria da terra.

Tradução de Milton Persson






"A geração beat inclui qualquer pessoa de quinze a cinqüenta e cinco anos que se interessa por tudo. É bom lembrar que não somos boêmios. A geração beat é basicamente uma geração religiosa. Beat significa beatitude e não um sentimento de fracasso. É fácil perceber isso. Está no ritmo do jazz, está no rock em plena rua". Jack Kerouac.

roberto piva




Baudelaire sangrou na ponte negra do Sena.
......molécula procurando a brecha do
..........universo & suas trezentas flores
.................assim é a lucidez,
.................o swing das Fleurs du Mal.
..........completa tortura roendo a
..........realidade
.....................&
.......................l'immense gouffre.
......todas as paixões / convulsões no
............espelho. Baudelaire & ses fatigues
.....................rumo à pálida estrela.

o século XXI me dará razão
(se tudo não explodir antes)

O século XXI me dará razão, por abandonar na linguagem & na ação a civilização cristã oriental & ocidental com sua tecnologia de extermínio & ferro velho, seus computadores de controle, sua moral, seus poetas babosos, seu câncer que-ninguém-descobre-a-causa, seus foguetes nucleares caralhudos, sua explosão demográfica, seus legumes envenenados, seu sindicato policial do crime, seus ministros gangsters, seus gangsters ministros, seus partidos de esquerda-fascistas, suas mulheres navi-escola, suas fardas vitoriosas, seus cassetes eletrônicos, sua gripe espanhola, sua ordem unida, sua epidemia suicida, seus literatos sedentários, seus leões-de-chácara da cultura, seus pró-Cuba, seus anti-Cuba, seus capachos do PC, seus bidês da direita, seus cérebros de água-choca, suas mumunhas sempiternas, suas xícaras de chá, seus manuais de estéticas, sua aldeia global, seu rebanho-que-saca, suas gaiolas, seu jardinzinhos com vidro fumê, seus sonhos paralíticos de televisão, suas cocotas, seus rios cheio de sardinha, suas preces, suas panquecas recheadas com desgosto, suas últimas esperanças, suas tripas, seu luar de agosto, seus chatos, suas cidades embalsamadas, sua tristeza, seus cretinos sorridentes, sua lepra, sua jaula, sua estrictina, seus mares de lama, seus mananciais de desespero.