Capa da Edição nº 21 (2003) da coleção Circuito Atelier da editora C/Arte,
dedicada a Jayme Reis | Fachada Vermelha, 100x100x25 cm, ferro, madeira,
flores de plástico e pigmento vermelho, 2000
 
 
 
 
 
 

 

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Iniciamos uma nova coluna de artes plásticas na Germina — Revista de Literatura e Arte com um olhar bem contemporâneo. A proposta estética da Ars Nova é a emergência de um significativo grupo de artistas de Minas Gerais, todos com mais de duas décadas de diálogos, confluências, criatividades e autonomias na elaboração de suas obras e carreiras. Parte deles — os mais velhos — foram alunos de Alberto da Veiga Guignard, Franz Weissmann, Amílcar de Castro, etc. Muitos participam/participaram das principais bienais, mostras, salões, exposições coletivas e individuais, e estão presentes em vários acervos particulares, galerias, fundações, edifícios públicos, universidades e museus do Brasil e do mundo.

 

A história, registro, pesquisa e catalogação dessa plêiade consta da coleção Circuito Atelier da Editora C/Arte, de Belo Horizonte. Um trabalho cultural com louvor, feito por pessoas fora do eixo Rio-São Paulo, que merece ser observado com atenção. Só pra se ter uma idéia, até o momento, a C/Arte, através de Leis de Incentivo à Cultura, parcerias e iniciativa própria, já publicou mais de 35 livros somente na coleção Circuito Atelier, fora outros trabalhos de reflexão e criação no âmbito da literatura em artes plásticas — estudos temáticos com artistas consagrados, arte pública, autores premiados e importantes no cenário nacional e internacional, etc. —, seminários, simpósios, cursos, oficinas, encontros e palestras em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e outras partes do Brasil. Essas observações são importantes, pois a dimensão, o recorte, a sensibilidade e a linguagem simples da coluna pretende apresentar a trajetória/cronologia, imagens e aspectos/comentários estéticos que caracterizam alguns talentos publicados pela série Circuito Atelier da C/Arte. [José Aloise Bahia]

 

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Sarabanda, violas pintadas e ferro, 95x95x37 cm, 2000

 

 

 

 

 

 

Jayme Reis nasceu no dia 16 de agosto de 1958, em Itabira-MG. Em 1970, muda-se com a família para Belo Horizonte-MG. Aos 16 anos, torna-se macrobiótico. Após os 18, faz suas primeiras experiências com argila. Tempos depois, realiza viagem, fotografa as cidades históricas de Minas Gerais e conhece o artista Ênio Horta: elabora os primeiros entalhes em madeira. Os trabalhos da série Barroco Enlouquecido recebem apresentação do poeta Carlos Drummond de Andrade e Celma Alvim. Um detalhe importante deve ser mencionado na carreira de Jayme Reis: trata-se de um artista autodidata.

 

Viaja para a França em 1981. De volta, produz gravuras e realiza uma série de linóleos na Oficina Goeldi, em Belo Horizonte. Em 1986, participa da exposição coletiva Escultores Contemporâneos de Minas Gerais, no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte. Convidado, em 1987, pela Secretaria Municipal de Cultura de Itajaí-SC, para participar do ateliê aberto de pesquisa em arte da Casa de Cultura de Itajaí. Realiza individual na Casa de Cultura de Itajaí e é novamente convidado pela artista Elke Hering para dar aulas de escultura em seu ateliê, em Blumenau-SC. Em seguida, recebe outro convite para ser Artista Visitante no Departamento de Arquitetura na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), em Florianópolis. Ganha o Prêmio de Incentivo à Cultura do Estado de Santa Catarina. Em 1991, participa do Salão Nacional de Arte de Curitiba-PR.

 

Regressa a Belo Horizonte, no começo da década de 1990. Ainda sob forte influência do mar de Santa Catarina, produz a importante série de objetos Barcos, e realiza exposição no Palácio das Artes, Belo Horizonte (1992); Vestígios das Sombras — Uma Arqueologia do Futuro, na Itaugaleria, Campinas-SP (1994); Projeto Macunaíma, na Galeria da Funarte, Rio de Janeiro-RJ (1994). Em 1995, participa da Bienal Nacional de Santos-SP. Em 1996, mora em Barcelona, Espanha, e participa do I Salão de Arte Erótica e do I Concurso de Arte Erótica. Ao retornar ao Brasil, realiza uma grande mostra individual no Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna de Brasília-DF, e Museu de Arte Contemporânea da USP (1997). Em 2002, participa da mostra Arte Mineira Contemporânea, na Pinacoteca do Estado de São Paulo-SP. Após 2002, dedica-se mais à pintura e reelaboração da série O Cordel Revisitado, usando a técnica da grattage e da xilogravura.

 

 

Sem Título (da Série O Cordel Revisitado), gratagge – tinta acrílica s/chapa de ferro, 30x30cm, 2003

 

 

As obras de Jayme Reis são marcadas por um oceano profundo e extenso... Abissal, que navega desde a infância em Itabira, e evolui de maneira inventiva por montanhas flexíveis, de múltiplas maneiras. Incluindo uma produção invejável em diferentes técnicas, assemblages, suportes, desenhos, pinturas, objetos e oratórios. Temáticas recorrentes e influências indiretas. Um ir e vir contagiante e surpreendente. Uma maré que vai de Buñuel, Fellini, Bosch, El Greco, os cubistas, a arte gótica, a pintura espanhola, o cordel, o cotidiano até o compasso do pensamento mergulhado num galeão mágico, navegando pelo Atlântico, ao som de Paco de Lucia, em conjunto com um mix de pincéis, tintas, martelos, entalhes, chapas de ferro, madeiras, resinas, óxidos de ferro, mono e policromias em formas, marchando sobre nuvens. Cheias de sentidos, simbólicas. Que encarnam o canto da criação numa onda iluminada. 

 

No final da década de 1980, quando morava em Itajaí, à beira de uma praia, saía sob o sol para longas caminhadas, e recolhia fragmentos de madeira, resíduos de redes, sucatas navais e outros objetos espalhados pela orla marítima. O fato faz lembrar as palavras de William Seitz sobre as características físicas das obras da Arte do Assemblage: "1. Mais do que pintadas, desenhadas, modeladas ou esculpidas, elas são  predominantemente reunidas (assembled). 2. Em partes ou inteiramente, seus elementos constitutivos são materiais, objetos ou fragmentos pré-formados ou manufaturas, não pensados a priori como materiais de arte". Tudo o que Jayme guardava eram substâncias para os objetos em linhas retilíneas — em que podemos observar um diálogo e influências de Marcel Duchamps — e formas mais evidentes, os quais deram origem à mostra individual na Casa da Cultura de Itajaí. Após a exposição e o período como artista visitante da UFSC, em Florianópolis, com o olhar atento às ondulações marítimas e os pescadores do lugar, teve um insight. Os objetos se transformaram em Barcos, uma outra série apresentada em várias exposições, e que acompanha Jayme Reis até hoje. Os Barcos são a sua marca. Apontado por críticos, colecionadores e marchands como um dos seus melhores trabalhos.   

 

 

Sem Título, madeira incendiada, bombinha, vidro e fio de cobre, 20x20x4 cm, 1995

   

 

Com intuição fértil, seguindo a sombra da lua, desenvolve os barcos em Belo Horizonte, e cria uma espécie de cais para estabelecer a ponte Minas-Santa Catarina, abrindo horizontes para uma viagem ainda mais longa em 1996. Destino: Barcelona, Espanha, país de Dom Quixote. Movendo portas e agitando cata-ventos para o uso do azul ultramar — uma herança de Yves Klein —, quando se depara com uma exposição do ensaísta, poeta visual e dramaturgo catalão Joan Brossa: motivo de fascinação que irradia uma luz lunar, acrescentando uma reflexão substancial ao seu desenvolvimento artístico. Pois desafia um recorte, um viés para materializar e resgatar o universo simbólico de vivências do cotidiano e do mundo das artes contemporâneas.

 

Atualmente, na obra de Jayme Reis tudo está presente de maneira natural e objetiva. Não rompe consigo mesmo, reiventa-se de maneira progressiva. Todos os projetos, por mais simples que sejam, contêm o labor e o acionamento de uma subjetividade e a objetivação de um caráter fulgurante, essencialmente humano, nos quais as imagens e figuras reafirmam as mudanças e os efeitos pretendidos. Sustentados por uma "leveza intrínseca", como aponta a crítica Lélia Coelho Frota e o primor de "mestres de ofício em extinção".

 

 

Série Território e Trabalho, ferro e ferramentas, 90x180 cm, 1995

 

 

Por outro lado, as sacralidades dos trabalhos do artista são transposições vigorosas de um olhar privilegiado, não um jogo de ocultação de sentidos, nem tão pouco limitados. Observamos que a sua praia tem como matriz o Estado de Minas Gerais, contaminado por valores e viagens transfiguradas em loucuras nas estrelas. Loucura criativa, como sinal de lucidez. Parte de suas propostas estão no campo transparente de uma contemporaneidade que pensa e problematiza as questões do objeto e da arte em constante mutação e serialização. Menos prolixo, como observa Walter Sebastião, está atento ao fazer sucessivo que esbarra no caos e fixa um instante do olhar, como que para resgatar aquele algo a mais de continuidade do desejo, mergulhado na tentativa de decifrar o esforço da inventividade que está em contínua ebulição.        

 

Mais informações: www.comarte.com | www.jaymereis.com

 

 

março, 2007