Paulo
Pucciarelli
- Adélia, a arte literária — a sua poesia, em especial
— teria sentido sem a religião? Você disse numa entrevista
que, no grupo escolar, ficou transfigurada com as palavras bíblicas:
"Olhai os lírios no campo. Eles não fiam nem tecem,
contudo, nem Salomão, com toda a sua riqueza se vestiu como um
deles...".
Adélia Prado - Toda arte verdadeira tem natureza religiosa, independentemente da crença ou ausência de crença do artista. O que dá "religiosidade" à arte é sua origem e sua significação. Não é nunca explicada pela razão nem por abordagens psicológicas. Vem de um reino e para ele aponta, o transcendente. PP - Você, na sua atividade poética, admite que a poesia é mola propulsora para a sua ascese pessoal? Poesia é oração ou comunhão? AP - A arte é sempre humanizadora, fonte e caminho de individuação. Leio poesia como leio — ou rezo — os salmos. A poesia é fraterna, solidária, chama tudo a um centro humano-divino. É sempre comunhão. PP - Outras artes utilizam a sua literatura. Você, pessoalmente, experimenta ou já experimentou outro tipo de arte como artes plásticas, dança, pintura? AP - Não. Nenhuma. PP - Você fala do "Zé", seu marido, transmitindo uma fidelidade incrível! Penso que o seu cotidiano e a religião se fundiram para a vivência deste estado, não? AP - Não falo do Zé, não, me desculpe. PP - Sua poesia, muitas vezes, traz um erotismo atávico que se mistura com a religiosidade. É importante para você, como mulher, deixar emergir na criação literária a cor da sua sexualidade? AP - Quando escrevo sou homem. O que emerge na criação literária obedece à lei interna da própria obra, que tento cumprir. E ai de mim se fizer o contrário. PP - Você tem períodos em que se sente bloqueada para escrever? Ou isso passa ser tema de criação? AP - Há tempos de deserto, sim. Passada a crise se pode até escrever sobre ela. Se houver necessidade, é claro. O que não é necessário, fruto apenas da vaidade do escritor, mata qualquer obra. PP - Você consegue delimitar bem fantasia e realidade ou isso é impossível para um poeta? AP - Acho a realidade um sonho e o sonho tão real quanto esta caneta com que te respondo, mais real até. Não é bom para ninguém, especialmente para um poeta, delimitar deste modo o que chamamos mundo ou vida. PP - Você parece acreditar em inspiração, ou na angústia criadora. Como é seu hábito de escrever? Usa o computador? Seus poemas são manuscritos? Faz anotações? AP - Escrevo à mão. A criação para mim é gozo. Angústia fica em outro lugar. Começar a falar dela já é também estar saindo dela. Fora os êxtases dos místicos, que cantam enquanto ardem na fogueira. Faço anotações para não perder o momento da graça. PP - Parece que é de Jorge de Lima um poema que remete ao ato criador uma ligação espiritual com o outro mundo. Você, ao escrever, já sentiu a sua mão tocada por outro? Uma espécie de psicografia, digamos? AP - Ligação com o outro mundo é, para mim, perceber que o que você escreve lhe transcende. Psicografia, não. Toda obra psicografada que já li é horrível. Trai o original e castiga o escrevedor. Às vezes se escreve de um jato só, mas a explicação passa longe de psicografia. PP - Você concorda com a análise que a crítica faz de sua obra? A crítica vai além do que diz a sua poesia, ou esmiúça de forma intelectual o que você nem sempre se preocupa, por se achar uma mulher que apenas relata o seu cotidiano em estado de poesia? AP - Às vezes concordo, às vezes não. Eu, como todo mundo, só tenho o cotidiano, o que não é pouco. PP - Uma palavra exótica dita com prazer. AP - Palavra exótica e bonita. Várias: Aljôfar, debêntures, clemência, diáspora. PP - A palavra mais esquisita da língua. AP - Lingüiça é de arrepiar. PP - Uma canção cantarolada por acaso. AP - "Tua imagem permanece imaculada ........na minha retina cansada .......de chorar por teu amor". (N.E. : Lábios que Beijei, de J. Cascata e Leonel Azevedo) PP - Um poeta ou um poema para ser declamado no banheiro, aos berros. AP - Jingle Bell. PP - Um livro de cabeceira. AP - A Bíblia. PP - O primeiro texto impresso. Qual a emoção de ver as letras impressas? AP - Como dizem os fraudadores da Receita às CPIs: não me lembro. Emoção? Alegria. PP - A primeira rima. AP - Um poema que recitei na escola: .......Dom ratão gosta de queijo .......Carne seca e bom toucinho .......E para matar seu desejo .......Em tudo mete o focinho PP - O primeiro mergulho no desamparo da condição humana. AP - Emoção de medo e vergonha. PP - Uma figura menor da Bíblia, que mereça a sua atenção. AP - O soldado Malco, a quem Pedro cortou a orelha e foi curado por Jesus. PP - Todo poeta é louco? AP - Alguns, mas não por causa da poesia. Loucura é doença. Há centenas de gênios absolutamente normais e prosaicos. |
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