pássaro argenta

avaro pássaro raro
no lusco-fusco da tarde
alarde no coração sem cor
pássaro claro tão raro
de canto tênue, avaro,
atita luz nunca é tarde
na brisa da vaza maré
diante da tarde que tarda
vai ser pássaro argenta
no ser pássaro intenta
ser um ser que desinventa
raro pássaro argenta
de canto triste extenua
risca a lua, regorgita
na ardente tarde que grita
no claro céu de clamantes
pássaro prata complementa
ao morrer de amor magenta

hai-kai

A verdade arde
Na tarde ardente de gente
Borboleta jade

ninguém de mim

Vivo de permeio
entre o que é aquém e além de mim
não sou lá
nem sou aqui
quando penso ser, estou
quando penso estar, sou
dois seres me habitam
com distintos pareceres
em meio a tais haveres, existo.
A vida não tem sentido algum
sendo eu dois e nenhum
nem muito além
nem muito aquém
sou somente
ninguém de mim.

mecânica celeste

..........................AMOR
..........................TECE
..........................DORES
poema da amada

Navego como se em vôo cego
A bela paisagem do teu corpo
Alço-me por entre montes e vales
Entre tuas frestas, tua floresta
Meus lábios vulgares vêem e vão
Pelo pulsar anseio de teus seios
Onde perco meu mapa e minha rota:
Na laguna úmida de teu plexo
Na solidão do teu sol solidário
Alço-me pela colina do púbis
Em plena floresta negra adentro
Umedeço-me dos teus grandes lábios
e
Sacio minha sede no oásis
Do teu fremente corpo só miragem
Com minhas impudicas mãos impunes
Tateio toda a tua geografia
mas
Nada descubro neste corpo-fogo,
Porque tu mulher mais do que amada
És o segredo mais que obscuro
Do insano clarão do meu desejo.

poema opus 40

Sinto neste poema minha sina
Sina que se me apraz e assassina
Em tantos anos de vida poética
Vivo esta sutil verdade concreta:
Não é o poeta que faz o poema,
Mas o poema que faz o poeta.
Poetar é rememorar ruínas,
Silêncios de solidão sem sol.
Poema se compraz em emoção
No verso /memória/ coração.
A palavra lavra na pele lis
O poema destino cicatriz
Cicatriz desses tantos anos densos
A luzir neste poema d’imenso.
Pele ante pele a palavra tece
O amortecido poema prece,
Palavra fere na trama repele
Poema em pele de mademoiselle.
Palavra em pele de animal só ânima
Alma-poema na faca-só-lâmina.
Enquanto a pele plasma na palavra
O ectoplasma desse meu fantasma.
Por entre as pernas da palavra amor,
A pele insere sexo na palavra.
Poetas-mestres vêm ao meu chamado:
Faustino é como o soar de sino,
No vôo andino de infausto fado.
Pessoa, sobretudo, em mim ressoa:
"O que sou hoje é terem vendido a casa".
Drummond — ar ferro pedra pó poema
Itabira na foto, como dói!
Lance de dados Mallarmé me arma
De mais pele, palavra e fantasma.
Pound — na logopéia de cada Cântico,
Põe no seu verso seu destino ôntico,
Ah! Temor! Este anagrama da morte!
Eu que nunca sofri de mala sorte,
Quero ora morrer de amor pela morte.
Palavra lavra na própria pele
A fantasmagoria do fantasma.
Antropofagia da pele em fé:
Pele da palavra: abracadabra.
Poeta instaura o poema-touro
Poema d'ouro da razão — tesouro,
Que quer ser rima nessa solidão.
Pele desse amor a tecer palavras,
Enquanto a palavra sagra o amor,
Amor que a pele confere e fere.
Já o poeta instaura no poema
— o tesouro d'ouro do Minotauro —
Em palavras de prata e peles d'ouro.
Poeta prefere o poema prata,
Ao silêncio d'ouro do desdouro.
Palavra e pele iluminam a trama
No poema d'imenso em cada chama.
No ritual entre pele e palavra,
No amor-ódio desse amor tecido,
No silêncio mortal que amortece:
A morte, a vida, tudo nessa prece:
Na pele deste amor de mala sorte,
Na palavra em pá cavando morte.
Labirinto profundo sorvedouro
De Teseu teso no poema touro.
Pele e palavra num só peso d’ouro,
A mirar o Minotauro agouro.
No ato afoito desse sumo ofício
De verso em reverso, faca só fio,
Brilha transverso o universo-rio.
No rio-mar de vazante maré,
Bacante em pele de farsante fé,
Teseu teso no ouro do Minotauro.
Amor e canto tantos amores idos,
Amor tecido com a cor do mar,
Palavra e pele tecem rosas ao ar.
Poema®avilha: ave a voar.
Na sombria solidão dor macabra:
Pele da palavra: abracadabra.
Palavra lavra na filosofia
De pele em pele lavra poesia,
Trazendo muita luz ao Ser escuro.
Se palavra é tez, pele é ouro,
Nessa luta de Teseu com o touro.
Minotauro em labirinto de Minos,
Minotauro em labirinto de Minas,
A desejar virgens plenas de Atenas.
Poeta! resta assinar sua sina,
Ao pressentir que neste mês presente
O poeta toureia, assassina.
Se palavra lavra o poema amor
Pele repele a dor na mesma lavra,
Palavra tem sua hora vacante,
Pele carnaval de poema instante.
Se o ser só consagra quando lavra
O poeta só se sagra quando sangra.
Poeta busca no Ser a essência,
Mas a essência só perfuma o Ser.
Palavra no poema desvario
Confunde sempre pleno mar com rio,
No desconstruir da linguagem
O mar em voz vórtice da voragem
Já que a vida vem e vai, vai e vem,
No trotar de ávida carruagem.
O touro de ouro era só viagem,
O luar da linguagem só miragem.
O Minotauro mouro de ouro ensina
Ao Teseu teso no tosão de ouro:
Recordar é rememorar ruínas,
Em poesia de sina assassina.
Em anos de poesia discreta
Vivi uma sutil verdade concreta:
Não é o poeta que faz o poema
Mas o poema que faz o poeta.

Alberto Beuttenmüller, poeta, jornalista e crítico de arte nasceu em São Paulo, mas passou a infância no Rio de Janeiro. Em dezembro de 2003 o poeta completa 40 anos de poesia publicada: Ciranda (Editora Acquila, 1963), Hora Total (Editora LPM, 1965), Espadamormarmorte (Brasil Editora, 1970), Katatruz (Massao Ohno-Roswita Kampf, 1982). A sair: A Pele da Palavra (Editora Aquariana), em 2004, quando junto a poemas inéditos, fará seleção dos livros anteriores citados, todos esgotados. No seu percurso poético o autor obteve análises positivas — que farão parte do livro — de Benedito Nunes, Mário Chamie, Hélio Pólvora e Nelly Novaes Coelho, entre outros críticos literários.