©germano neto
 

 

 

 
 

 

 

 

marielle

 

 

avante

não há mais tempo

para tranquilidade

nem para muita doçura

meu bem

 

fomos pegos em flagrante

transportando pele escura

 

 

 

 

 

 

sou mais preto que o mundo

 

 

não só pelo breu

de nascença

mais pela urgência

dos astros e desastres

 

que por transferência

do destino

 

digo: não sou eu

mais preto que o mundo

por via da ciência

ou por desconfiança

 

mas por divergência

(ou será por vingança?)

 

 

 

 

 

 

constituinte

 

 

tempo não se decifra

em calendários

rumos não se edificam

em travessias

 

é mais por incertezas

que por conclusões

que se compõe um sábio

 

nem todo caminho é um destino

fome jamais pede cardápio

 

se a vida for este contrato

NÃO ASSINO

 

 

 

 

 

 

§

 

 

amo o sol porque ele

não me pertence mais

que pertence às mariposas

e portanto amo as moscas

já que fogem do combate

amo tudo que em parte

preenche em ausências

confundindo a memória

e por isso amo as horas:

cada instante é muito tarde.

 

 

 

 

 

 

§

 

 

para os olvidos a solidão

é vidro que mistura, cacos

que o corpo tritura na alma

vivo é quem se liquidifica

como se perfurasse a base

do edifício, ali se qualifica

algo de conciso: o arado

da terra, do latim preciso:

toda a calma do espírito

foi educada pela guerra

 

 

 

 

 

 

pergunte ao pó

 

 

amorzinho disse

que sou apenas

um cisco solto

que esta vida leva

 

que nesta terra

eu não passo

de um grão de areia

 

(amorzinho só não sabe

que é de cisco em cisco

e de grão em grão

que o vento faz a poeira)

 

 

 

 

 

 

suspeita

 

 

há uma inquietude que

se estende em mim

e não se afasta

 

continua seguindo-me

rua acima rua abaixo

me encontra sentado

alucina me abraça

 

— permanece de ronda —

 

esta inquietude que

dias e noites me perturba

seria a minha sombra?

 

 

 

 

 

 

coisas que nunca fiz

 

 

perfurar tempestades

provocar terremotos

rasgar o sol da cidade

penetrar o céu do mundo

 

tenho esta pele preta

mas não é de chumbo

 

 

[Poemas de Cobra criada. Martelo Casa Editorial, 2019]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Mazinho Souza nasceu em Aparecida de Goiânia/ GO, em 1992. Colaborou com diversas antologias e jornais, e estreia em livro individual com Cobra criada, pela Martelo Casa Editorial (2019). É graduando em Filosofia (UFG), pesquisando as estruturas linguísticas nas obras de Nietzsche, e membro fundador do selo literário Goiânia Clandestina (2014), idealizando festivais literários e editando publicações, como a Antologia Clandestina (2017). Como arte educador promove oficinas de escrita, leitura e pensamento filosófico com jovens e crianças na periferia de sua cidade, colaborando especialmente no Ponto de Cultura Cidade Livre, onde realiza pesquisa com os povos periféricos.