[antonio brasileiro | "o poeta" | óleo sobre tela]
 
 
 

 
 
 
 

Com o tempo,

vamos ficando sábios.

Não sábios como os sábios

plenos:

 

com o tempo,

vamos ficando um pouco sossegados.

Um pouco inquietamente

sossegados.

 

 

 

 

 

 

A tarde, para que serve,

se não a inventa um poeta?

A vida passa menina,

a chama do peito é tanta!

 

) Sonho com as altas estrelas.

Sei amá-las em meus sonhos.

Dentro de mim há mil sonhos,

todos sonhos com estrelas. (

 

A luz mora em nosso peito

e não estamos em nós.

E onde estamos, ladram cães.

Que nos salva de nós mesmos?

 

 

 

 

 

 

A grande verdade

nascerá em nós

que estamos cansados.

E o primeiro pássaro

 

a voar embora

sabe que é lá fora

que as coisas são —

não aqui, em portos

 

onde nunca atracam

barcos, só umas vozes

nos clamando: Foge,

marinheiro, foge!

 

 

 

 

 

 

Estamos só de passagem.

Estamos para passar.

Não como um rio: como o ar

que move as plantinhas tenras.

 

) Os mundos são só inventos

e as coisas que só passam —

como passam os grandes ventos

e apagam uma estrela velha. (

 

Nada nos diz ser eternos.

Não vamos ficar. Estrelas

não vão ficar, só o silente

farfalhar das borboletas.

 

 

 

 

 

 

Um pouco do que somos

tem as asas dos pássaros.

Somos um pouco os pássaros

que inventamos.

 

(As asas de um pássaro

desprendem-nos do chão.

Somos um pouco pássaros

no chão.)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Não faça poemas sobre coisas

nem fatos.

Faça sobre o que esculpe

uma face.

Sobre o que flui na alma,

não na carne.

 

É esta a condição da poesia.

Um poema é só a invisível

vibração de um pétala

na brisa.

 

 

 

 

 

 

NUANÇA

 

 

Meus caminhos, meus mapas,

meus caminhos.

 

Tudo está em ordem

em minha vida.

 

Como se faltasse

alguma coisa.

 

 

 

 

 

 

O quanto sei, o ponho

no que faço. O mais,

o passo

nesse ofício de ser.

 

Um homem nunca é o destino

que se deu. E a pedra

lançada longe, voa

ainda.

 

Sossega, peito meu. Nada

é tão certo. O vento

sopra para onde

quer.

 

 

 

 

 

 

COISAS ÍNTIMAS

 

 

Trouxe-te flores

e não estavas.

 

Que se há de fazer

com ternuras?

 

 

 

 

 

 

Faz silêncio nas coisas:

nas portas e janelas,

nos móveis, livros, retratos,

nas gavetas, nas cartas íntimas —

faz silêncio nos soluços

dentro da noite,

nas esperanças, nas estrelas —

faz silêncio no coração ferido,

o terno coração

ferido

 

 

 

 

 

 

Como tudo vai ficando chato!

Eu sei, é a vida

moderna. Estamos

condenados.

 

Perguntas-me que faço?

Faço o quê? Vou,

como todos, muito

irritado.

 

Talvez tenha um dia

de fúria, talvez mate

um —

 

talvez não mate, volte

para casa ofendido,

triste, só.

 

Um homem civilizado.

 

 

 


[©antonio brasileiro | "nosso tempo" | óleo sobre tela]

 

 

Antonio Brasileiro Borges (Matas do Orobó/BA, 1944). Poeta, ficcionista, ensaísta e artista plástico. Cursa primário na cidade natal, no sertão baiano. Muda-se para Salvador aos dez anos, onde continua os estudos. A década de 1960 (dos quinze aos vinte cinco anos) é intensa: entra para a Universidade (Ciências Sociais, estuda nos Seminários de Música, começa a pintar, publica seus primeiros livros, cria as Edições Cordel (Revistas Serial e Cordel), reside por algum tempo no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte (1966/67) e tem poemas publicados na Revista Civilização Brasileira. A partir de 1971, passa a morar em Feira de Santana, onde, dando continuidade ao movimento idealizado com as Edições Cordel, cria e coordena a revista Hera (1972-2005), de poesia, e dezenas de outras publicações. Em 1980, sai pela Editora Civilização Brasileira seu primeiro livro de poesia em edição nacional. Conclui o Mestrado em Letras (UFBA, 1982), ingressa, como professor, na Universidade Estadual de Feira de Santana (1993), conclui Doutorado em Literatura Comparada (UFMG, 1999). Em 2009, é eleito para a Academia de Letras da Bahia, onde ocupa a cadeira 21. Como pintor, faz parte da chamada Geração 70 de artistas plásticos da Bahia, com quase uma centena de exposições coletivas e individuais. Dentre quase 30 livros publicados, destacam-se Caronte (1995, romance), Antologia poética (1996), A estética da sinceridade (2000, ensaios), Da inutilidade da poesia (2002, ensaio – 2.ed. em 2011), Poemas reunidos (2005) Dedal de areia (2006, poesia) Desta varanda (2011, poesia), Memórias miraculosas de Nestor Quatorzevoltas (2013, novelas e contos) e Como aquela montanha sossegada (2018, poesia).