Toda pessoa de bom senso sabe que a mediocridade é um fator inerente ao Brasil. Em todas as áreas, oficiais ou não, a mediocridade é o parâmetro para mensurar o que se faz no país. Ninguém desconhece que o país convive com uma aberrante corrupção, com inflação alta e crescimento muito baixo. Quase tudo que acontece no Brasil é, na média, ruim ou comprometedor. A violência urbana está fora de controle e gerou uma sociedade absolutamente amedrontada. O transporte público é péssimo, além de o sistema viário ser uma lástima. Houve diminuição na miséria, isso relativamente, mas aumenta a pobreza da população. Já quase ninguém morre de diarreia, mas o SUS não consegue atender os enfermos do coração e do câncer. Não há mais crianças fora da escola, mas elas não aprendem o suficiente para superar as taxas mínimas de aprendizado. Aumentou de modo considerável o investimento nas universidades públicas, cotas, bolsas e crédito educativo, mas é pífia a qualidade da maioria dos cursos, além de as vantagens de ter um diploma serem cada vez menores. O que se vê, diz Simon Schwartzman, é uma forma de protecionismo da mediocridade, entraves burocráticos, má qualidade da infraestrutura física, a ausência de uma população bem-educada e capacitada, a condição de vida precária das cidades e a incerteza por um sistema político desmoralizado. Para livrar o país da armadilha da mediocridade, segundo o colunista da Folha, é preciso redirecionar a política econômica e social, mas também olhar em volta, para os países que conseguiram superar essa barreira, e verificar o que têm a nos ensinar sobre educação, saúde, proteção à velhice, gestão dos espaços urbanos, política ambiental e energética, modernização do Estado e reforma do sistema político. É preciso também equilibrar as contas públicas, fortalecer a capacidade regulatória do Estado, abrir as empresas à competição internacional, criar regras claras para o uso de incentivos públicos e garantir ao setor privado a segurança jurídica necessária para seus investimentos. O que existe como resultado da atual "nova matriz macroeconômica", analisa por sua vez Alexandre Schwartsman, é que antes do regime de política econômica vigente no Brasil, caracterizado pela total desorganização, é que a taxa de câmbio flutuava, o superávit primário realmente existia e o Banco Central perseguia a meta anunciada de inflação, em vez de procurar desculpas para seu próprio fracasso.

A mediocridade é uma doença. E se chama, cientificamente, normose. Ela é provocada pelo nivelamento por baixo de tudo que caracteriza a normalidade em demasia. A normose é uma doença universal, moléstia da civilização. Medíocre ou normótico é aquele que flerta com o fracasso porque vive do empobrecimento do seu espírito. É o que se alimenta de mesmice. Segundo Breno Rosostolato, a normose diminui, altera, camufla e distorce a perplexidade dos fatos, tornando-os, com o tempo, algo habitual. A questão complica-se quando o hábito passa a ser tradição. A normose cria o indivíduo de emoções castradas, sem iniciativa, sem desejo próprio, avesso ao conhecimento. Isso porque a mediocridade está em manter a atrofia mental. Resultado da massificação, a normose justifica a mediocridade pelo que há de pior numa sociedade. Segundo Antonio Pires, autor de "O caráter contagioso da mediocridade", o medíocre é subserviente, apega-se à conquista aniquilante de regras morais que ele não exige de si, mas do próximo. Seu cenário é a transigência e a tolerância, pois lhe falta a estatura do discernimento entre o certo e o errado, entre o moral, o imoral e o amoral. O medíocre atinge os cimos da insensibilidade, corporificando-se na inação. O medíocre é o agente funerário da cultura exígua. É a sociedade dos batráquios travestidos de águias. O medíocre avança sem refletir. Encastela-se na preguiça mental. E tem caráter contagioso. A ignorância, a asneirice e a mediocridade fundem-se numa mesma realidade que tem como resultado a boçalidade.

Pense-se na "cultura" sertanoja, na "música" baiana, na imprensa de 25 centavos, na profusão de programas de TV produzidos justamente para não fazer pensar, nas ações desastrosas dos políticos de plantão, em tudo que lembra o silêncio conivente e a estupidez, na pedantocracia que cultua ídolos vazios e valores antiéticos e contrários à ecologia, na incrível subserviência religiosa sem consciência crítica, no futebol e nas novelas. Vive-se num Brasil onde o medíocre é, segundo Pires, defensor do cruzamento da abelha com vagalume para produzir mel à noite. "Trombeteiro da frivolidade consagrada", o medíocre brasileiro é aquele que se vangloria por confundir Platão com o guarda de plantão. É, segundo Vergílio de Melo Franco, "o homem de vista curta, inteligência mesquinha e vaidade imensa". Do jeito que vai, ninguém de bom senso vai se assustar se dia desse o slogan "ordem e progresso" da bandeira nacional passar a ser caos, estagnação e mediocridade. O Brasil merece.

 

 

 

 

Augusto Nunes publica no blogue da revista Veja que "a tibieza crônica dos governantes, o cinismo suprapartidário dos políticos, a idiotia melosa das viúvas de 1968, a cegueira suicida dos chefes de redação e a cretinice engajada dos repórteres, a passividade do rebanho que tudo engole sem engasgos e outras marcas" constituem, no Brasil, a Era da Mediocridade. Claudio Weber Abramo indaga "o quê, precisamente, nossos acadêmicos oferecem para o público", uma vez que nossa elite intelectual é igualzinha à elite econômica: satisfeita consigo própria e sem ter deveres para com a comunidade que a sustenta. O português L.G.R., no artigo "O ataque dos medíocres", informa que foi o espírito da síndrome da mediocridade inoperante ativa que esteve por detrás da morte de Sócrates, dos crimes da Inquisição, da perseguição das elites intelectuais pelas ditaduras, do exílio de Freud e de Einstein, da queima de livros, da marginalização e absoluta pobreza em que morreram tantos artistas, da censura. E bem a propósito questiona o italiano Pino Aprile no seu livro Elogio do imbecil: "Será possível que estamos condicionados por uma espécie de seleção cultural que nos condena à imbecilidade?". Charles Swindoll escreveu o livro Como viver acima da mediocridade e também Geraldo Almendra questiona "como uma sociedade pode se permitir ser tão medíocre, corrupta e subornável?". O fato é que a pessoa medíocre é conveniente ao sistema no qual eleitores fracos elegem políticos fracos. E o Brasil, diz Richard Jakubazsko, é "o país da oposição medíocre", por ser também "continuísta". "Aqui temos medo de ir contra o estabelecido, temendo que isso cause o caos social, o mal-estar intelectual, ou até mesmo a guerra civil", escreve Alexandre Figueiredo. No Brasil há uma mídia "padrão" mantida pelos grandes jornais, TVs e revistas, além de blogues estrategicamente convenientes que cultuam o asneirol como must e pregam a mesmice como objeto de fetiche das classes dominadas pela ideologia midiática. O que não é aceito por essa mídia, não existe, não serve para consumo. É assim que essa suposta intelectualidade midiática, que endeusa as famosidades, consegue manter a mediocridade cultural e o processo de alienação das classes subjugadas pelo poder econômico dos meios de comunicação. Há, contudo, um erro crônico e histórico no país de achar que a elite social, conservadora, preconceituosa e presunçosamente ostensiva é que empresta seu status também a uma elite intelectual, a qual, por força dos atrativos criados pelas populações da periferia, acaba por endeusar a breguice e o que é originariamente decorrente da ignorância e do mau-gosto popular, transformando lixo cultural em modismos. Essa falsa intelectualidade transforma "fezes em filé-mignon" e desconhece, ou finge desconhecer que o mau gosto é comprovadamente o pior caminho para a emancipação social das classes populares. O que existe do brega popularesco (sertanejo, universitário, axé-music, funk carioca, forró eletrônico, MBPzona, tecnobrega), para citar só as tendências musicais, mostra uma intelectualidade midiática que expõe uma cultura dotada de confusões, ironias, inverdades, mentiras e desinformações, para dominar o establishment intelectual brasileiro, impondo a sua "superioridade" pela visão elitista travestida de "solidária com o povo". Por isso é muito relativa e também falsa a afirmação de que "o povo pobre só é autêntico através de 'seus' valores socioculturais mais baixos". O brega-popularesco exerce o controle social das classes pobres e assim as mantém inclusive como pobres de espírito. Isso porque a cultura midiática mantém-se também corporativista e vinculada de modo subserviente ao mercado: ela é responsável por existir uma cultura fast-food. Aqui vence tudo o que não faz pensar. E os poucos que se opõem a esse estado de coisas, que contribuem para a reflexão sobre a mediocridade brasileira são vistos como chatos, difíceis, preconceituosos, dispensáveis. A mediocridade faz do Brasil uma nação leniente, sem memória e sem consciência crítica, corrompida por poderes iníquos e corruptos, exposta a humilhações e privações econômicas e sociais. Ser medíocre é negar a excelência e é também o conformismo barato que permite ser feliz sem responsabilidade. Ser medíocre é ser os outros por pressão sem se perguntar sobre o que o si mesmo pode fazer para melhorar a vida. A mediocridade é um câncer sem dor que dizima o caráter com o sorriso da hiena. E o Brasil faz coro ao silêncio dos omissos e ao poder dos oportunistas. Até quando? 

 

 

 

 

Prezado(a) leitor(a) deste minifúndio de papel, leia as frases seguintes extraídas das redes sociais e se pergunte se é possível tirar proveito de alguma coisa: Luiza Possi está casada com diretor da TV Globo. 14 duplas de atores têm muita química. Juvenal se emociona com história de Desirée. Cantora do The Voice se emociona ao revelar motivo da música. Zezé desafina no Domingão e web não perdoa. Para ser nº 1 da Liga Neymar precisa mudar de time. Cachorro não consegue resistir ao escorregador. Viviane Araújo assume namorado em aniversário. Pessoas famosas com filhos decepcionantes. Paula Fernandes e Claudio Mello viajaram para Londres. Larissa Manoela curte Lolapalooza com o namorado. Veja os famosos que tiraram um período sabático. Simaria se diverte com memes do seu look. Consulte já seu Score online. Bota vermelha é a queridinha da estação. Como manter a imunidade mental e criar resiliência emocional. Isabella Santoni escolhe look despojado para o Lollapalooza. Personal detalha treino de Marquezine e Sasha. Entenda diferença na barriga de Kate nesta gestação. Aprenda a calcular calorias gastas em corridas. Use ingredientes de cozinha para preparar seus cosméticos. Confira 3 tipos de tranças para variar o penteado. Rapaz conhece a mulher de sua vida ao mandar mensagem no Whatsapp. Jéssica do BBB18 desabafa com frase do seu Madruga e vira piada. Como está a professora Helena, de Carrossel? Participante do BBB ironiza William Wack ao vivo. 5 motivos para usar a mesma roupa todos os dias. Lana del Rey faz show como se estivesse em casa. Look de Marina Ruy Barbosa chama atenção em casamento. Poderoso emagrecedor dos Estados Unidos chegou ao Brasil. Festa de aniversário de Anitta terá gravação de clipe ao vivo. Sheila Mello e Xuxa comemoram 5 anos da filha.

Esse conteúdo caracteriza a mediocridade das redes sociais. As redes sociais, disse Umberto Eco, deram voz aos imbecis. Segundo este pensador, o drama da internet é que ela promoveu o idiota a detentor da verdade. Mediocridade é uma atitude e uma escolha de vida. A pessoa medíocre se permite o mínimo possível; escolhe não acreditar, não se arriscar, não descobrir, não tentar, não ver, não encontrar. O medíocre se esconde no que há de pior na vida. Não tem meta, não sonha, não contribui para mudar nada. É o desperdício de vida com tudo que não tem exemplo de vida. O medíocre não tem crescimento pessoal. Mede-se pelo fracasso alheio e cultua o tédio. O medíocre não gosta de si mesmo. Admira somente o que não se propõe fazer. A mediocridade é uma extensão do mundo real da pessoa medíocre. O medíocre vive constantemente numa crise de valores, por isso é inseguro. Ele sobrevive à sua própria anulação como ser humano.

Mediocridade é falta de mérito, vulgaridade. O homem passou a dar valor àquilo que não tem valor nem significado, tampouco qualidade e exemplo. Daí a mediocridade ser tão presente, incisiva e destruidora na pós-modernidade. O ser humano ainda não quer acreditar que as redes sociais exercem forte poder negativo em sua vida. As redes sociais anulam o verdadeiro conhecimento e o homem assume erradamente as consequências das escolhas que faz. O homem não quer admitir para si mesmo que em meio a tanta mediocridade as redes sociais são na verdade meios de punir ou controlar socialmente o comportamento humano. A conclusão é óbvia: aquilo que está ruim pode ainda piorar. Hoje, a teoria do gatekeeping, ou do filtro na qualidade da informação, já não tem mais valor, pois posta-se qualquer coisa.

A mediocridade expande a cultura do vazio, o peso do lixo, a retórica da mesmice. Ela não passa a história a limpo. Daí o entulho do nada que anula a reflexão. É preciso gente que consuma menos asneiras, menos banalidade, com melhor formação para reagir a tudo que é medíocre, descartável, nulo, aparente. O celular ligado o tempo todo para transmitir a troca de mediocridades pode apagar o ser humano da vida.

 

 

 

 

Já se escreveu que talentos estão escondidos na pobreza do país. Há muita gente de rara inteligência exposta a um quase anonimato, cuja grandeza, no entanto, reflete as diferenças sociais de uma população que se diferencia pela distinção de valores incomuns. E esse fato é registrado, sobretudo em megalópoles, justamente onde o ser humano é mais sôfrego e em muitos casos não passa de uma commodity do capitalismo que torna o seu desafio de sobrevivência um grande problema cotidiano. Quando esses seres humanos são revelados à sociedade que os mantém até então irreconhecíveis em meio à multidão en passant e quase sempre indiferente, tem-se, enfim, um contingente de pessoas que se destacam pelo que fazem com exemplo de cidadania, de resistência ao imobilismo, de superação de situações às vezes extremas, de justificar na vida difícil a virtude da resiliência. E, assim, a pressão da sofrência dá lugar à sublimação do que emerge com louvor do olho da rua. E impõe uma ética de muitos personagens retratados como no livro Corações de asfalto (Patuá, 2018), de Bruna Meneguetti e André Cáceres: pessoas solitárias que, aos trancos e barrancos, encontram seu lugar nas grandes cidades onde o asfalto não é mera metáfora, mas o que transforma radicalmente a vida de pessoas.

São histórias como as de Antonio Silva, cobrador de ônibus que virou fotógrafo, venceu concurso com o registro de um assalto na Rua Líbero Badaró, formou-se em pedagogia e mantém-se clicando a vida desvairada de São Paulo.

É o caso fascinante de Rodrigo Machado, zelador da cidade, homem que presta atenção a coisas quebradas, como um cano no metrô Ana Rosa, que ele consertou com durepóxi. "Tenho vontade de consertar a praça inteira", declarou o benfeitor. Sem ganhar nada. Tem a Daiana Siqueira, professora que virou feirante, especialista em alimentos orgânicos e que coloca plaquinhas com informações nutricionais, transformando a feira em sala de aula.

Tem também o escritor Eduardo Lages que já vendeu mais de mil exemplares em um ano do seu romance Querido Jaime, sobre um homem solitário de 72 anos oprimido pelo vazio de sua casa, forçado que foi a deixar o lar, jogado às ruas numa jornada de autoconhecimento.

Já Maída Novaes criou o Grupo Trovadores Urbanos, depois que o Plano Collor sequestrou seu dinheiro, tendo já realizado 800 shows e 4 turnês internacionais. Ela tipifica as dificuldades dos artistas independentes em sobreviver, assim como o perfil do escritor de rua motiva discussão sobre os hábitos de leitura do brasileiro.

História curiosa é a de Seily Custódio, idealizadora do Desabafa: trata-se de uma psicóloga de rua: "Eu estou aqui para amar, cuidar, respeitar, ser para a pessoa tudo aquilo que ela não encontra em ninguém. Quer desabafar?", ela pergunta aos transeuntes, oferecendo um banquinho na Av. Paulista.

Ravi Paschoa, ex-goleiro do Corinthians, perdeu o emprego por causa de uma contusão, quando assumiu ser motorista de Uber, oferecendo aos autores de Corações de asfalto parâmetros para compreender como funciona a vida de autônomos que não auferem os estratosféricos lucros de um Neymar da vida.

Segundo o escritor e crítico literário Ronaldo Bressane, o livro de Bruna & André, "com suas lupas bem-humoradas e sutis, extrai de estatísticas de porcelana individualidades ímpares, lembrando que o jornalismo é a arte de contar histórias e de jogar sobre números frios o calor da humanidade".

 

 

 

setembro, 2018

 

 

 

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