~

 

Um silêncio pudico

ao retirar as abotoaduras,

o olhar impondo domínio.

Já me excitou sua camisa

de algodão puríssimo, seus

finos sapatos neros de couro,

o termo bem cortado, a frieza

ao entrar no ring, contendo

meus pulsos como um wrestler.

 

Mas ele não era sir, não era dom.

Eram só vestimentas caras de um

perverso ato, que disfarçavam a

estopa barata do seu script.

 

 

 

 

 

 

~

 

Queres que eu te feminize, que eu pinte

teus olhos e as unhas. Queres um nome,

Galáxia, pois te vestirei com lingeries

elásticas, do meu début de submissa.

Espartilho e cinta branca. Ficarás linda

de sombra, com peruca e cílios. Passiva

mas altiva, aguardando de pronto as

ordens da domme. E quando eu te beijar,

será como se eu beijasse a mim.

 

 

 

 

 

 

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Para bunny rope não nasci, mas se

quiseres, suspendo-te de bom grado

num shibari. Serei tua rigger. Tenho

prática, minhas cordas são de seda.

Prazer igual nunca tiveste. Tantas

submissas no mundo, e encontras

uma dominante, não é sorte? Pois

hoje eu irei polir meu látex. Visto-me

de ringmaster e conduzo a cerimônia.

 

 

 

 

 

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Não excitas-te com pessoas,

mas com imagens. Em mostrar

tuas imagens, excitas-te com

comics, com seres inanimados.

Excitas-te com a tua falsa

servitude, dizendo-se servo.

De que adianta te vestires de

maid, se nada sabes das delícias

da verdadeira vassalagem? Deixa

de lado teu fetiche, praticado

nas sombras da rede. Dedica-te

a um amor, sofre, humilha-te,

obedece, a dor enobrece, e

dispensa qualquer traje.

 

 

 

 

 

 

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Algo que elabora ao caminhar. Com stilettos,

se segue esta direção ou aquela. Calcula

cada passo antes que desfivele, felina,

a sua violência. Pressente instintiva sobre

qual presa lançar suas garras. Onça arisca

do jungle urbano. Criada nas selvas do sul.

 

 

 

 

 

 

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quando se exibe, caminhando

pomposo, seu torso exposto

de dominador passivo

 

atraindo a fera, que se

aproxima não como

ele espera, mas

estudando

a presa

 

dois hunters na área

no jogo primal do instinto

de luta, mirando, medindo

o quase embate de pele e músculos

 

 

 

 

 

 

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Tomas-me sem pena

Mas sem posse. Eu

conduzo o limite. Se

não respeitas, já sabes

a pena. Eu projeto as

regras do jogo. São os

submissos quem definem,

e depois eu moldei-te

assim, perfeito para mim.

E julgas que dominas.

 

 

 

 

 

 

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As palavras repetem-se. Sedução, doçura. Há um cinismo nelas, assim como há cinismo nas imagens. São como anúncios de lingerie. Clichês publicitários. Arma-se o cenário, mas falta a cena. Já eu escolho a dedo meus embates. E quando parto, valente, posso descartar o corset, mas não dispenso os coturnos.

 

 

 

 

 

 

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Ladrões de palavras são impudicos. Oportunidades também são fraudes. A vitima lamenta-se, e quando vês, estás cedendo as células. A onda já quebrou na praia, desfez-se em visões de espuma. É preciso ginga marítima, mergulhos. Fingir espanto. E sorrateira, abanar em arpão o rabo prateado de sereia.

 

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Natasha Lins nasceu em Curitiba, cursou Letras, e vive há muitos anos na Europa. Trabalha com turismo. Vive entre o Algarve e a Sícilia. É leitora de Bataille, e inédita em livro.