Terceiro livro, entre os de poesia, de José Antônio Silva, Vagar em Macau (Belas Letras/Modelo de Nuvem, 2017) traz poemas mais recentes, com título idêntico ao do livro, e seleção denominada, muito a propósito, de Encontro de Perdidos.

Flagrante é a qualidade do poema narrativo, não limitado ao prosaico e de final impactante. De citar, em "Buraco negro", a escolha dos substantivos e o ritmo: "Até brinquedo joguei/ um pião com pouco uso/ o revólver do meu pai/ um soco no meu irmão/ um bolo da minha mãe". Em "Aqui e ali", o enjambement de "Por um tempo/ ainda chegaram notícias/ vagas/ mensagens em garrafas", que confere à palavra "vagas" o múltiplo sentido de "informações pouco nítidas" e "ondas do mar". Já em "Vagar em Macau", a saborosa concretude da paquera: "Apelei para a chicana/ a malandragem/ mas saiu apenas/ — Será que vai chover?".

Uma palavra se transforma em outra em "Porto premeditado", "porto-ponto-poço-posto" até chegar a "cintilação", criando um encadeamento formal que, por si mesmo, "deixa seu rastro invisível/ lento/ pela memória das águas", conforme diz o poema. Em "Irmã tristeza", a quebra simultânea de linguagem e sentido irrompe através do coloquial "Mas vai!".

Há morte e vida de um povo,"Haiti/ inferno no paraíso/ ai de ti", em "Haiti em (de)composição", e morte e vida de um sujeito, "meu jardim tem pouca rosa/ mas espinho não vai vingar", inclusa a trabalhada rima terreno-atênuo, de "Quatro mil mortes morridas". Mais prosas poéticas, brincadeiras e closes no aglutinado lixo dos oceanos.

"Mensário biográfico"traz a rima interna, toante ou consoante, e"Pedra saltada"reordena a imagem, "para aquela pedra/ agora/ o ar é o seu novo chão". O desejo, realizável-irrealizável, de "Momento perfeito", lembra modos de Manuel Bandeira: "Só uma vez/ antes da morte/ eu quero o momento perfeito". Fecha o volume "A certeza dos feiticeiros", revolta que, para acontecer, "Era só questão de tempo".

Enfim, as manhãs meninas de José Antônio Silva têm muita poesia.

 

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O livro: José Antônio Silva. Vagar em Macau.

Porto Alegre: Belas Letras/Modelo de Nuvem, 2017, 72 págs., RS$ 27,90

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setembro, 2018

 

 

Sidnei Schneider. Poeta, ficcionista e tradutor em Porto Alegre. Publicou os livros Andorinhas e outros enganos (Dahmer, 2012), Quichiligangues (Dahmer, 2008), Plano de Navegação (Dahmer, 1999), Versos Singelos/José Martí (SBS, 1997) e Poemas 1987-1992 (Artesanal, 1992). Participa de Poesia Sempre (Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 2001), O melhor da festa 1 e 2 (FestiPoa Literária, Porto Alegre, 2008 e 2009), Moradas de Orfeu (Letras Contemporâneas, Florianópolis, 2011), Poesia Gaúcha Contemporânea (Assembleia Legislativa-RS, 2013) e outras antologias. 1º lugar em poesia no Concurso Talentos, UFSM, 1995; 1º lugar no Concurso de Contos Caio Fernando Abreu, UFRGS, 2003; Prêmio Açorianos de Divulgação literária, Prefeitura de Porto Alegre, 2008. Membro da Associação Gaúcha de Escritores.

 

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