Sanga, curso d'água, elemento onde se dilui a linguagem poética de Pedro Carrano, vate paranaense que publica sua obra pela editora curitibana Senda Edições, em 2017. Neste trabalho cristalino a poesia "se faz com palavras", como ensinam mestres do ofício. O poeta Pedro utiliza a palavra com moderação, precisão e lirismo. Porém, é nada diletante, está mais para denunciante, com a força sutil que permeia a obra, breve e necessária; casas têm que se destruídas/ para a terra seguir em frente, uma leitura da tragédia de Mariana? Quem sabe? O poeta apenas segue em frente; casas vão embora / e deixam de lado o pó / e as moedas antigas, de novo uma conexão com a irresponsabilidade de grandes empresas mineradoras? Cabe a leitor deduzir, enquanto o poeta conclui; casas não têm que ser destruídas/ casas, tão somente, / transformam-se/ em ruínas.

No texto do prefácio, o também poeta Ademir Demarchi, ao fazer uma alusão a uma epígrafe elencada por Carrano, de Clarice Lispector, sinaliza o propósito do autor em alcançar com sua poesia o "inexprimível". Essa talvez seja uma pretensão, em todos os sentidos, de qualquer escriba que se atreva a "penetrar surdamente no reino das palavras", como advertia outro maior, Carlos Drummond de Andrade. Pedro poeta pondera; e se não buscássemos tanto o sacrifício?

Nada feito, e o autor logo mais recorre a preciosas metáforas: o escuro é gruta sem conteúdo/ sarampado de diamantes. Uma senda de surpresas pássaro ancoram como barcos/ cães se fazem gatos/ tudo se infla no ar.

Pedro Carrano alça seu plano de voo: os pássaros se ataram dos telhados/ porque sabem que são pássaros, porém o poeta não faz ave, prefere os pés no chão da história: não me esperam para colheita/estarei/novamente/ Morrendo a ferro e fogo/retornado/à semente, numa explícita recitação de Ernesto Che Guevara, no poema "Outubro de 1967".

No ABC da Literatura ou em Poesia Experiência, de mestres como o norte-americano Ezra Pound e o brasileiro Mário Faustino, há ensinamentos e referências aos eternos devotos à arte da poesia e aos que a fazem ser o que ela é. Pedro Carrano não deixa por menos ao honrar uma "tradição, traição, tradução leminskiana" do haicai tupiniquim: suspensa na própria criação/ a passo lento/ aranha, outro tento radical na logopeia: noite na praça/ lonjura no horizonte/ o peixe beija uma estrela. Simples assim; lírico, breve e profundo, um bardo na trilha: caminhante/ caminhos há/ o mais estreito/ te leva "más allá", um machadiano da melhor cepa.

 

 

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O livro: Pedro Carrano. Sanga.

Curitiba: Senda Edições, 2017, 79 págs., RS$ 29,90

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março, 2018

 

 

 

 

José Weis. Poeta e jornalista em Porto Alegre. Tem editados os livros Lenhador de samambaias (Instituto Estadual do Livro-RS, 2012) e Cachorro não é uísque (Kazuá, São Paulo, 2016). Publica poemas em periódicos desde 1980, participou de antologias como Antologia do Sul: Poetas Contemporâneos do Rio Grande do Sul (Assembleia Legislativa RS, 2001 e 2013).  Nasceu em Porto Alegre, em 1958.