Maromba

 

Árvores desmancham-se em franjas

e bromélias aspiram a poeira d'água.

Nos olhos das pedras

girinos nadam

(aguardando o porvir)

 

Sapos ou príncipes nascerão

da complacência da estiagem?

 

A vida desenvolve-se em poças

(imprevisível)

totalmente aleatória.

 

 

 

 

 

 

Ciganos

 

Após o enterro do anjo

definhava o lugarejo

envolto em profundo silêncio

 

Sete noites sete dias

só o pó do desalento

e rugas nos rostos de sal

 

Enluarada noite

arrasta o carroção de ciganos

 

Flor madura

se abre em canto

perfume de jasmim

 

Desata a morte

a música dos corpos

em tropel incandescente

 

Desperta a cidade

semeada de poros

e bocejos

 

 

 

 

 

 

Rosa louca

 

Rosa era louca

não tinha lugar no mundo dos outros

mas vivia pacificamente

com os que estavam em seu mundo.

 

No mundo de Rosa,

as pessoas tinham nome,

coisas aconteciam

a vida fluía

mas só Rosa via.

 

No mundo dos outros,

as pessoas tinham nome,

coisas aconteciam

a vida sofria espasmos,

feliz a Rosa que não via.

 

 

 

 

 

 

Comunhão

 

Como quem entra num quadro

ele abre a porta da praça

leva casaco, embrulho

bengala e chapéu.

Tão manso se funde à tela

que sequer agita o ar.

 

O banco o faz sentar

acomoda seus pertences

o vento acaricia-lhe a pele

as flores – seu entardecer.

 

Certo de estar próximo

abre o pacote rosado.

Dos prédios voam pombos

peregrinos de outros céus

asas cobrem a mesa

do banquete servido ao chão.

 

Acorda a praça sozinha

despida de seus lençóis.

Recolhe o guarda no banco

o casaco, a bengala

o chapéu.

 

 

 

 

 

 

Abismo

 

Se não amanhecer pássaros

abrir janelas para nuvens

dançar noturnas constelações

serei pedra para o poema.

 

Ele surge quando desapareço

e me devora oceano

num vórtice de inquietudes.

 

 

[Poemas de O olho do girassol. Casa Martelo Editorial, 2018]

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Inês Ferreira da Silva Bianchi nasceu em 1953, em São Paulo, filha da poeta Dora Ferreira da Silva e do filósofo Vicente Ferreira da Silva. Passou a infância e a adolescência na casa da Rua José Clemente, 324, onde se reuniam artistas e intelectuais paulistas, que lá iam para ter aulas com Vicente ou participar de leituras poéticas e de grupos de estudo com Dora. Ali o ofício da escrita em geral, e da poesia em particular, tornou-se presente em sua vida, e aprendeu vendo, escutando, lendo, respirando a literatura que a cercava, incorporada ao seu universo pessoal de forma absolutamente orgânica. Formou-se em psicologia pela PUC-SP em 1978, trabalhando como psicoterapeuta até 1998, quando se mudou com a família para Ilhabela, em 2002. Participa da fundação do Espaço Cultural Pés no Chão, Oscip voltada para o desenvolvimento sociocultural da comunidade local. Lá trabalha até hoje como redatora, assessora de imprensa e na elaboração de projetos sociais e culturais que mantêm a organização.