datilografia

 

 

estranha tipografia

grafo nas abas do tempo

sinais que vão logo embora

 

albergue do corpo

tampouco me interessam

flores rasas no vaso

fixo outros momentos

não importa, se perenes

por ali madrugadas escorrem lentas

somem meras ilusões

pretérito passado

silvos,

o comboio passa

 

 

 

 

 

 

4º andar

 

 

continuo a pintar o mundo até quando

a tarde se esvai céu muda de cor

de longe assisto rush cantam pneus torpor

entupidas avenidas carros buzinas

gente que ultrapassa seis horas da tarde

e cruza o rio para chegar onde?

 

no asséptico apartamento todas as coisas no seu devido lugar

as conversas hoje fluem calmas

penso coisas tão diferentes...

no térreo cães não ladram

não cobrei nada de ninguém nem fui cobrado

pessoas algumas ditas não me interessam

delas já me esqueci completamente

tentei não concluídos monossílabos ainda assim

evitar fiascos de sempre

pardo encerro meu dia busco o elevador

refugiado

périplo

deixo correr...

 

 

 

 

 

 

cavaleiro andante

 

 

chame pelo meu nome

codinomes todos tente esquecer

validade no produto estampada

nas contraindicações da bula

o que você pode fazer

além desta vida a vida passada

chame o vigilante

pegue os óculos

tente entender

 

 

 

 

 

 

todo

 

 

caio levanto refaço passos e ilusões a cada instante

sei

tudo vale a pena

alma imensa quer abarcar o mundo

detém universo de emoções precisas

ao longo de tantas vidas

já vividas

e lembranças idem

espelho onde se mira

chuva na vidraça

e o resto é pouco

distantes paisagens

nem metade de mim

porque a maior parte

é muito mais

 

 

 

 

 

 

teus

 

 

passeiam olhos castanhos

floresta candente ebulição

tantos livros tantos ainda não percorridos

quadros no chão de gastos ladrilhos

esculturas confidenciam segredos

gatos romanceiam noite adentro

polimorfos diapasões

enquanto um padece em ais

a criança voluteia alegremente em capitéis

a vida sai pela tangente

olhos castanhos não choram mais

 

 

 

 

 

 

tempo

 

 

anoto dias que faltam

neste caderno sem focos

cumpridos fielmente

 

tudo é uma questão de tempo

 

hoje amanheci bem

amanhã certeza não sei

brilhará o sol ainda que passe

não sou nada urgente

não tenho pressa

 

e às vezes desperdiço senso ou razão

 

 

 

 

 

 

sumo

 

 

listras azuis triskle e triluna

pentagrama no quarto aparente

ligeira voadora forma

legível pela janela

sentimentos raros

quisera o mundo acabasse agora

longe

entre listras azuis

cinco direções da estrela

triskle e triluna

coração vagabundo

infinito aroma

 

 

 

 

 

 

alforria

 

 

nada que nos vexe,

apague o brilho das manhãs

instigue formas que ao olhar

não sobrevivam

tudo que instale plena alforria

tela panorâmica de sensos
sabores

onde passos andarilhos

possam vagar em paz

 

 

 

 

 

 

idade

 

 

aqui me posto terça-feira santa

lenta e vagarosa fila preferencial

visgo lesma escorre lentamente

adiantado em décadas me conformo

carta fora do baralho

cão

em cena ainda

entre idos, bem ou mal vividos

o que nos espera para desferir o golpe

 

à minha frente são vinte

venham muitos mais que eu espero

entre bengalas comprimido caiu no chão

injeções colírios esqueceu os óculos

cartão e senha?

um  gritou quer ir embora

 

me mantém crivo lucidez

para saber o que eu posso ainda

tudo é uma questão de tempo

chegar partir voltar

quer mais?

posso rir agora?

mas não

 

 

 

 

 

 

postal

 

 

centenárias casas e pintura original

fraldas no arame sinal de gente nova lá dentro

janelas entreabertas

rádio antigo e som rural

figueiras dão frutos

chuchus na cerca

couve cheiro-verde no ar

do outro lado da rua o pasto bezerros seriemas

manhã no Cruzeiro dos Peixotos

enquanto a vida passa

lenta  devagar

ô sodade, mundo véio

parece cem anos atrás

 

 

 

 

 

 

labirinto

 

 

vacilo ante as pedras do caminho

às vezes me perco entre as que posso

e as que não devo retirar

mando embora ilusões à toa

blindo o coração do que me falta

respiro tênue madrugada

inspiro  poesia no ar

e isto me abastece

abjetas são todas as palavras que não servem para nada

vala comum das inexpressões elas se vão

umbrais do esquecimento estranhas armaduras 

de quem caminhou noite inteira

por terra estranha

e não conseguiu chegar...

 

 

 

 

 

 

pulsar

 

 

estampido rap

rola o som

que a manhã traduz

velho novo

no ventre sou feto

muito mais funk que samba canção

autorretrato me desvelo

em prego e raça

sou dor

porque a vida é dura

um analgésico por favor

porque o momento

urge

 

 

 

 

[imagens ©helvio lima]

 

 

 


 

 

 

 

Helvio Lima. Artista plástico e poeta, nasceu em Uberlândia/MG, onde vive. Autodidata, expõe desde 1968, participando de coletivas, individuais e salões de arte. Formado em Letras Neolatinas (Português-Latim-Francês) pela Universidade Federal de Uberlândia. Edita o Jornal Fundinho Cultural.

 

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