[Cena de "Lou Andreas-Salomé". Direção Cordula Kablitz-Post]
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Não é necessário entender de astrologia para saber que Lou Andreas Salomé foi uma aquariana arquetípica. Primeira mulher a ser aceita no Círculo Psicanalítico de Viena, ela nasceu em São Petersburgo em 1861, viveu em Berlim praticamente a vida inteira, e faleceu em 1937. Sua obra é pouco conhecida no Brasil e boa parte de seus livros ainda não foi traduzida para o português. Romancista, ensaísta, poeta, formulou teses sobre o amor, a psicanálise, o erotismo e o feminismo. Um dos temas da psicanálise que abordou com grande acurácia foi o chamado narcisismo positivo.

Assisti ontem ao filme sobre sua vida, produzido pela alemã Cordula Kablitz Post. Saí do cinema com a sensação de que algumas pessoas são mesmo diferentes, raras, nasceram com talentos especiais, únicos, e viveram muito à frente de seu tempo. Desde mocinha, Lou — Louise — interessou-se por filosofia, teologia e literatura, estudou e começou a debater com os intelectuais da época.

Tudo era contra ela — o fato de ser mulher, quando isso era quase um pecado mortal — e de ter uma mãe que tentava lhe tolher os movimentos. Mas Lou não se entregava, fazia sempre exatamente o que queria, mesmo que seus desejos fossem tidos como aberrações. Seu comportamento — considerado escandaloso — foi execrado pela sociedade da época, o que para ela não tinha a menor importância.

Conheceu Paul Rée, com quem teve uma parceria acadêmica. Posteriormente juntou-se a eles um amigo de Paul, Friedrich Nietzsche. Os três viveram juntos como amigos durante cinco anos, estudaram e viajaram pela Itália. Planejaram formar uma comunidade, mas desistiram da ideia.

Lou era contra o casamento, mas acabou se casando com o linguista Friedrich Carl Andreas, uma união conjugal atípica, aberta, em que o sexo não era levado em conta. Este casamento só terminou com a morte dele. Embora o filme não mostre claramente seus "jogos de sedução" — se é que se utilizava deles — Lou teve vários admiradores e amantes. Um de seus relacionamentos mais profundos e ardentes foi com Niestzsche, que posteriormente confessou a influência da escritora no desenvolvimento de sua obra. Apaixonada pela psicanálise, ela estudou com Freud (que também foi seu admirador) e tornou-se psicanalista. Ele lhe escreveu, certa vez: "Você tem um olhar como se fosse Natal". Lou teria fincado as bases para uma junção da filosofia de Niestzsche e a psicanálise freudiana. O poeta Rainer Maria Rilke, com quem teve uma relação amorosa, dedicou-lhe muitos poemas. E ela lhe ensinou russo, para que ele pudesse ler Tolstoi.

No filme, a vida de Lou Andreas Salomé é tratada com sensibilidade e delicadeza. Não se percebe nem sequer uma dose de sensacionalismo ou de apelação na direção ou no roteiro. Ela é mostrada como uma mulher brilhante, mas de um brilhantismo muito espontâneo e natural. Era, sobretudo, sincera, franca, ousada, inquieta, apaixonada, intensa, lúcida, bela, encantadora e intelectualmente arguta. E tinha um imenso prazer de viver, um enorme gosto pela vida, pelo conhecimento, pelas descobertas, pelo lúdico, pela arte.

Sobre o amor, escreveu: "Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. […] O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamamento para longe". [Extraído do livro Os Sentidos da Paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pág. 371].

 

 

 

março, 2018