Socorro, mamãe foi ao teatro

 

 

Que desespero essas noites de teatro. É buscar mais cedo, banho a três, em cinco, no máximo dez minutos, shampoo já foi? Depois um pouco de mingau, ai meu Deus sou um desastre como dona de casa. Como feminista me realizo plenamente, já que o planejamento e execução das refeições são de responsabilidade igual (ou até mais) dele.

Mas a ansiedade é maior que o estômago, porque tudo pode ir por água abaixo já que as produções, ainda que atrasem, insistem em ter hora marcada. Nem os happenings, as performances mais volúveis, conseguem ter horário flexível. Timing de mãe. E é tudo de noite, que tal pensar um pouco na gente? Ocupar as tardes de teatro vazio, vocês já pensaram? Pensaram nada.

A garotada na cama, o blush, se deu, foi passado de qualquer jeito, chega o momento crucial da noitada. Girar a chave. Essa giradinha barulhenta que pode pôr tudo a perder. De resto é correr pro abraço, e na volta só espiar se os pés estão quentinhos.

 

*

 

Se a sua mãe um dia disser que vai ao teatro, deixe. Não faça manha, vá para a cama cedo. A babá vai gostar, tem filme na tevê. E mamãe ficará feliz. Se ela voltar cantarolando, cante junto. Talvez queira inventar um figurino de peça em você, mexer no seu cabelo. Aproveite.

Deitada na cama, enquanto ela está fora, você vai poder imaginar cenas incríveis. O palco iluminado revela um cenário de fantasia, floresta, céu estrelado, nuvens de algodão. Os atores já não são humanos, pertencem a outra categoria muito mais alegre.

Quando você crescer e puder ir junto, vai encontrar outro palco iluminado com as fantasias de outra pessoa. Poderá se deslumbrar, divertir, horrorizar, embasbacar, sair correndo. Mas nada irá se comparar com seus sonhos de teatro, com a profunda suspensão da descrença da infância.

 

 

 

 

Robô

 

 

Entrou no banho, fechou os olhos, sentiu a água quente bater no meio das costas e a dor lombar escorrer pelo ralo. Imaginou-se na cachoeira de um sítio, voando entre as nuvens, mergulhada entre peixes coloridos. Ensaboando-se, lembrou dos planos de férias, o sonho da viagem, a promessa de dias longos e ociosos.

Creme nas pernas, a massagem relaxante, talvez pudessem ir ainda no primeiro semestre.

Num átimo a criança irrompe na porta do box, o robô XR3 pendurado pela antena. Mãe, quero entrar junto!

 

 

 

 

Mãe megera

 

 

Eles dão cabeçada na púbis. Cotovelo nos rins. Puxam cabelo, arrancam todas as joias. Pernas sempre roxas, costas em frangalhos, dor de cabeça já virou luxo.

Jogam-se ao chão com a determinação de minititãs, sentimentos à flor da pele, sem medo do amanhã. Quem convence do contrário? O pedido leva à queixa, que pode se transformar em razão da existência em frações de segundo.

E ainda chamamos de idade da inocência. E ainda assim, melhor tê-los!

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Helena Carnieri é jornalista e mestre em Literatura pela UFPR. Escreve crônicas cujos temas, nos últimos três anos, giram em torno do berço, da fralda e da paranoia toda que é ser mãe.