©enzo gabriel
 
 
 
 
 
 
 
 
 

A porta para os sonhos está aberta! Madalena lê novamente o texto: "Como os caniços do bambu se curvam para que o vento forte passe sem causar-lhes dano, eu me curvarei à vontade celestial". Sendo assim não resta mais nenhuma dúvida: a porta para os sonhos finalmente está aberta!

Para auxiliar nas interpretações, Madalena não dispensa também a simplicidade das ocorrências que não exigem explicações sofisticadas. Por exemplo: as pessoas do signo de peixes, independentemente de qualquer teorização, só podem ser relacionadas à água. Aquelas ligadas ao metal serão inevitavelmente brilhantes e pesadas. E assim por diante. Desse modo, após muitos estudos, Madalena extrai dos oráculos o veredicto. E ele resulta naquilo de que já desconfiava: a mulher que lhe roubara o marido é uma libertina metida a besta e vinculada à madeira. "No momento, encontra-se boiando na superfície da maré. Mas logo estará jogada na areia em que será enterrada e, posteriormente, apodrecida pelo tempo", finaliza a previsão.

A conclusão, porém, indica uma espera longa, até que as marés e a areia façam o trabalho. E Madalena quer Magrão de volta rápido. Quer sentir logo o hálito quente sussurrando-lhe novamente: "Fofonha..." Ela é gorda. Detesta ouvir alguém falando no assunto, mas isso é o que menos importa quando quem fala é o seu Magrão. Só ele sabe palpar seu corpo e tocar no tema sem machucar. "Fofonha..." ele dizia, cantava até...

A sorte é que, baseando-se naqueles mesmos estudos, Madalena encontra uma outra saída. Esta, que promete resultados mais rápidos, requer, todavia, determinação. Consiste em enfrentar o problema de maneira incisiva. E imediatamente. Madalena nem pensa duas vezes. Parte, célere, para a reconquista. Com apenas dez minutos de caminhada bate à casa do ex-marido. E o problema a ser enfrentado abre-lhe a porta.

Trata-se de uma mulata e tanto. Dois metros de altura, jovem como a luz da manhã, forte como a luz da tarde, meiga como a luz da lua — uma deusa. Ficam se olhando. A mulata, que jamais a vira, indaga, com um sorriso absolutamente simpático, o que ela deseja. Milhões de respostas surgem na cabeça de Madalena. Precisa pensar rápido. De dentro da casa uma voz muito sua conhecida quer saber com quem a beldade está falando. Antes que a mulata a interrogue novamente, acha o que dizer: "Eu vendo sonhos". "Sonhos?", alegra-se a outra: "Adoro sonhos!". "Verdade?", pergunta Madalena, confusa. E completa: "Estão bem ali, vou buscar e volto já". E, mais que depressa, bate em retirada.

A mulata linda, madeira, metal, pedraria, joia preciosa, vira-se para o interior da casa e grita para o feliz Magrão, que ainda está sob o chuveiro: "É uma vendedora de sonhos, meu amor. Você também quer?". Magrão, piadista como sempre, lembra-se secretamente da ex, e berra, irônico: "Depende da interpretação!". E, no ato, sai inventando um samba e forçando a rima: "Só se for um sonho bem fofonho... para mim. Vem pra mim...".

Madalena finalmente entra em casa. Por uma ironia do destino, tanto ela quanto a mulata — cansada de esperar pelos sonhos — fecham as portas ao mesmo tempo.

 

 

 

maio, 2017