Em 1978 — lá se vão trinta e nove anos — Pepino de Capri, cantor italiano de muito sucesso na década de sessenta, fez um show em São Paulo bastante concorrido. Eu era recém-casada, morava no CRUSP, alojamento para estudantes da USP, onde ônibus eram raros.

Meu marido não quis ir comigo ao show, alegando que era longe demais da Cidade Universitária. Como não conheço bem São Paulo, não sei dizer o local do show. Ele não demonstrou interesse real em ir, pois não apreciava a música italiana e se queixava especialmente dos cantores, que considerava gritadores e desafinados. Pepino, especialmente, era tido por ele como fanhoso, mau cantor e inábil para escolher repertório. Cafona, digamos.

Talvez eu não tenha falado com a veemência necessária e ele não tenha entendido como o show era importante para mim. Eu deveria ter sido mais firme. Nem sequer me passou pela cabeça perguntar aos colegas da pós-graduação na ECA se alguém iria, não tomei nenhuma iniciativa para organizar as coisas com antecedência. Foi uma espécie de desistência tácita.

Como era de se esperar, não assisti ao espetáculo. Ou melhor, assisti pela TV, e achei surpreendente o entusiasmo da colônia italiana, que foi em peso prestigiar o conterrâneo. Famílias inteiras — avós, filhos e netos — compareceram. As pessoas choravam quando Pepino cantava as velhas e clássicas composições do cancioneiro da Itália. Fiquei muito tocada, assistindo sentada na cama do alojamento minúsculo, e também chorei. Mas era um choro de outra natureza. Provavelmente devia-se ao fato de viver de bolsa de estudos na época, de não ter dinheiro para nada, de não poder tomar um táxi para um itinerário um pouco mais longo, de não conhecer a cidade, de me sentir sozinha na metrópole meio inóspita que sempre me assustou.

Nunca mais tive notícias de shows Pepino di Capri no Brasil. Parece até coisa feita, como se diz em Salvador: quando solteira, fiz um curso de especialização em jornalismo na Espanha e, ao final, vivi alguns meses em Roma, em um pensionato de freiras andaluzas. Eu me lembro de ter passado certa vez em frente a uma loja e perguntado por discos do cantor. Engraçado e piadista como a maioria dos italianos, o atendente respondeu que não havia disco algum e que Pepino tinha se mudado para Capri. Para não dar o braço a torcer, mudei o rumo da conversa e perguntei pelo intérprete de "Zingara", Bob Solo. Ele simplesmente respondeu: Ah, Bob? Não está mais "solo". Debochado, riu muito às minhas custas. Sem saber direito o que fazer, ri de volta, e tudo ficou por isso mesmo.

Posteriormente, consegui comprar alguns CDs, mas tinha vergonha de ouvi-los perto do meu marido. Ele nunca disse nada, e não era do seu feitio fazer comentários desagradáveis, mas eu não queria transmitir a imagem de cafona e romântica. Continuei ouvindo "Roberta" às escondidas, "Champagne", e outras músicas pra lá de conhecidas.

Por delicadeza, não lhe contei como lamentei ter perdido o show de Pepino em São Paulo. E de que adiantaria, tantos anos depois, esta informação? Espetáculos musicais não voltam, nada volta. Desisti de conhecer pessoalmente o cantor e dei o assunto por encerrado.

Qual não foi a minha surpresa quando, trinta e nove anos depois, leio que haverá um show comemorativo dos seus sessenta anos de carreira, aqui em Brasília, no dia treze de maio. Uma única apresentação. Vi o anúncio no Correio Braziliense, informando que no fim de semana passado seria possível adquirir ingressos na pré-venda, destinada aos assinantes do jornal, desde que apresentassem o cartão do clube. E os primeiros duzentos e cinquenta interessados teriam direito a desconto.

Na sexta-feira à noite, comecei a ver como imprimir o tal cartão de associada, que eu não tinha, e fiquei tão aflita que não entendia como fazê-lo. Depois de várias tentativas, consegui. Sábado de manhã fui ao local indicado e comprei meu glorioso ingresso numa fila pertinho do palco, um local ótimo.

Decidi não convidar ninguém para ir comigo. José Antônio não está mais entre nós. Pesando os prós e contras, concluí que não queria convidar amigas, pois, que eu saiba, nenhuma é fã de Pepino di Capri. Depois de tudo e de tanto tempo, não quis correr o risco de chamar alguém que só iria para me fazer companhia, sem entusiasmo. Na pior das hipóteses, talvez tivesse de ouvir comentários ácidos sobre o desempenho do cantor.

Nunca fui a um show sozinha, à noite. Tenho certo medo de ir, o local é meio isolado, mas me pareceu importante assumir de vez que a fã sou eu e, se há um "preço" a pagar, deve ser pago por mim e por mais ninguém.

É uma maneira talvez de ir à forra, uma questão de "reforçar" a identidade. Já pensei em não ir de carro e tomar um táxi, mas talvez tenha problemas para voltar. Ensaio essa ida diversas vezes e depois me obrigo a pensar em outra coisa, pois maio está um tanto longe. É possível que o mais prático seja ir bem cedo, a fim de encontrar um lugar para estacionar mais perto da entrada.

O fato é que dessa vez o show não me escapará. Seria demais. Eu me sentiria muito mal. Se fui tíbia e pusilânime em 1978, jovem e recém-casada, agora sou velha e viúva. Não posso me dar ao luxo da covardia. Afinal, não se trata de uma guerra, não é como ir à Sibéria sozinha, visitar as estepes (das quais já estive bem perto). Trata-se de uma simples apresentação musical que deve durar no máximo duas horas, na cidade onde moro e que conheço há anos. Não pode ser assim tão difícil. Deve ser só falta de hábito de sair à noite.

Sei que vou gostar de ter ido, que vou me olhar no espelho depois e dizer a mim mesma que posso ser cafona, sim, é lícito, é permitido admirar um cantor fanhoso de voz apenas mediana, cujas músicas acompanharam a minha adolescência e por isso me afeiçoei a elas. Que me tocam por que fizeram parte de uma fase da minha vida, por que aprendi a dançar com elas. A juventude se foi há muito, mas a capacidade de gostar de Pepino di Capri continua inalterada.

Afinal, não é todo dia que um cantor que fez sucesso internacional em décadas passadas completa sessenta anos de carreira, o que por si só é um grande feito. E, pela foto do jornal, adquiriu até certa beleza que não possuía, quando jovem. Ou então são os meus olhos que o veem agora com uma generosidade antes inexistente. Ou pode ser mera fantasia. Ao final do espetáculo, certamente saberei.

 

 

 

maio, 2017