Conto Tirado de um Poema

 

 

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu

Cantou

Dançou

Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

 

"Poema tirado de uma notícia de jornal", Manuel Bandeira

 

 

João Gostoso desce as vielas íngremes e irregulares do morro da Babilônia. À sua frente, sob o anoitecendo do céu, pululam as luzes de Copacabana; luzes estas que João não vê, ou vê mas não repara, posto que em seus olhos fixa-se agora a lembrança de outras luzes. As luzes de Ritinha, sorrisonha, metida numa abundância de plumas e brilhos, a devassar o desejo dos homens no furdúncio do carnaval. Carregador de feira-livre, o árduo trabalho dos braços esculpiu no corpo negro de João muitas saliências de músculos e fez brotar nele a força desumana da ressaca das marés. Mas esse corpo, bruto tronco robusto de ébano, é casca falsa que envolve um homem pacífico, erguido em bondades, de mãos de trabalho e carícia. João Gostoso desce o morro, indistinto nos recantos de escuridão, levando na caixa do pensamento a mulata Ritinha, cravo cravado na carne de seu amor, ferida funda que não sabe cicatrizar, envolta nas brumas de um antigo carnaval. Em pouco, João pisa na Avenida Atlântica e se dá conta do mar, um mar de desilusão, e o rumor das vagas enche de mágoas o corpo colosso de João. Mas ele continua a caminhar, visto que tem destino certo de chegada e que o mar, posto assim nos olhos, é como um novo jeito de se afogar. E por agora João quer viver, viver e sofrer as dores inventadas para ele, que todo homem tem lá o seu quinhão e carregá-lo é questão de honra.

Copacabana é uma festa, riqueza sem fim. Gente vestida de claridade, rindo aos trambolhos, saltando de carros lustrosos e exalando perfumes de línguas estrangeiras. João pensa na alegria dessa gente, nas suas soltas gargalhadas, habitantes de altos edifícios, com o extenso mar emoldurado nas vidraças de suas janelas. Tão diferente dele, essa gente. Eles que não suspeitam da sua fome incurável, do seu perfume de feira, de fruta, da sua roupa puída, do seu barracão sem endereço perdido na barafunda da Babilônia. Cresce em João um asco por essa gente, porque foi o dinheiro deles que comprou a sua única riqueza, o seu bem mais valioso. Foi o dinheiro deles que levou de João a sua paz. João caminha apressado porque o samba não é afeito a esperar. Já no Arpoador, as espumas das ondas fazem João recordar a brancura das plumas de Ritinha no distante carnaval em que se conheceram. Ela, corpo em sarabanda, tremelicando as trigueiras ancas, abria em seu redor um círculo de admiração. Ele, estacado no meio da multidão, o sangue assanhado, tinha os olhos enfeitiçados pelos sortilégios da mulata que parecia levitar no centro do carnaval. Enfeitiçado, nem percebeu quando a moça passou a sambar em seu derredor, circunavegando seu corpo, ilha de prazer, ele, o escolhido, o eleito, terra selvagem a ser desbravada. E, no delírio do carnaval, os olhos de um dizendo aos olhos do outro o desejo de seus corpos. E João foi rei, e João foi estrela, e João foi madeira de fogueira. E João conheceu finalmente o amor...

Agora, emaranhado nas ruas de Ipanema, com seu teto de folhagens, João pensa ouvir os batuques do samba de outrora, os mesmos batuques que o conduziram aos braços cheirosos de Ritinha naquele feliz carnaval de sua vida, o único carnaval do qual consegue se lembrar, como se a tal festa da carne não houvesse ocorrido senão uma única vez. Mais adiante, João compreende que a batucada não vem do antigamente, mas que retumba no presente, ecoando na estrangulada noite do agora. E enfim João vislumbra, lançado no meio da rua, um facho de luz expulso do bar Vinte de Novembro, seu destino e seu fim. É de lá que pulsa o sangue do samba.

O bar está em polvorosa, com grande azáfama de gentes. O samba, no seu compasso cardíaco, perverte as pessoas, instala nelas um assanhamento de fogo, de labareda, bulindo com elas por dentro, afrouxando nervos e músculos, libertando dos corpos a malícia da carne. E muita pele suada de mulata procura no corpo de João o seu cais, o seu desvelo, o seu descanso. E muito braço de homem, risonho de safadezas, aperta o amigo João, abraça o parceiro João. E muita boca de birita, melada de embriaguez, despeja na orelha de João manhas e promessas de mulheres e camas. E os copos tilintam, erguidos na luxúria do brinde. E o samba cresce, imenso, enorme, poderoso, grassando de perna em perna a volúpia do seu veneno. João finalmente está entre os seus. E entre os seus, João bebe, João canta, João dança, sem que ninguém perceba a sua amargura infindável, a sua solidão medonha, abismo tão negro quanto a sua pele, a sua tristeza de pedra, inabalável, presentes ofertados pela mão da mulata Ritinha ao abandoná-lo na espessura das trevas. E a noite de então é a noite de João!

Tudo tem seu fim: o amor tem seu fim, a noite tem seu fim, o samba tem seu fim. E agora, após o rebuliço das pernas e o delírio dos copos, João Gostoso caminha sozinho e atordoado na madrugada em declínio. Da banda do mar, um clarão anuncia o parto da manhã de um dia azul. E João, homem feito de amor e desesperança, sem saber um jeito de esquecer, não faz outra coisa senão recordar... Ela, que já não tem mais nome; ela, que já não tem mais corpo; ela, que já não tem mais voz... Ela, que agora, neste agora de João, é apenas aquela que, em noite nefasta, ele viu descer de dentro de um luxuoso carro branco, brilhante, como aqueles de Copacabana, toda ela vestida de claridade, de anel reluzente no dedo, nos braços de um homem que a beijava e a cobria com mãos de desejos. Aquilo foi como uma faca no coração de João! Depois, as palavras dela queimando como brasa a pele de João: "João, você me desculpa? Você é o homem mais bonito desse mundo, João! Mas você é ninguém e eu nasci pra ser rainha!". João nunca mais viu Ritinha, que foi embora viver seu sonho de rainha. Afundado num tempo de angústias, João sobreviveu e se esqueceu do homem, do luxuoso carro branco e das palavras de brasa sopradas pela boca de Ritinha. Mas não pôde se esquecer dela, não soube se esquecer dela. E Ritinha ficou ali, guardada no fundo dos olhos de João, envolta nas plumas de um fabuloso carnaval, pairando sobre a face de todas as coisas.

João está agora à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, enquanto um último resto de madrugada se recolhe para detrás da carcunda das montanhas. E João a vê pela última vez. É ela. É Ritinha, no seu abundante corpo de mulata, que sobe à superfície do espelho d'água, requebrando as ancas no cerco dos admiradores. É ela. Cravada nos olhos de João, dançando em torno de João, buscando o corpo de João, naquele carnaval que não deveria ter fim. E João não quer mais suportar, porque a saudade, gota a gota, enche o peito de João. É ela. E João pensa que já não vale mais a pena, que aquilo já não é viver, é arrastar-se, arrastar-se para o nada, porque para ele só existe o nada. É ela. É somente ela. E João abre os braços, tal qual o Cristo Redentor sobre o Corcovado, e se atira na Lagoa Rodrigo de Freitas para morrer afogado.

A morte de João Gostoso coube apertada numa curta notícia de Jornal.

 

 

 

 

 

A Morte e a Pequena Ana

 

 

— Quem foi que trouxe ela, gente? Judiação, ela só tem nove anos!

— E vai ficar com quem, Judite? Tá todo mundo aqui!

...estranho, os adultos falam da gente como se a gente não estivesse presente, ou como se a gente não pudesse compreender as palavras deles. Parece até que sou surda! Tia Marli não, ela sabe muito bem que sou esperta e bem grandinha pra entender as coisas. Mas tia Judite... tia Judite já falou tanta besteira perto de mim que às vezes me dá vontade de dizer pra ela que eu vejo e compreendo as coisas tão bem quanto ela, se não for melhor do que ela. E se eu não disse ainda é porque mamãe me ensinou que temos que respeitar os mais velhos, ainda mais ser for parente. Mamãe disse também que tia Judite é assim porque o marido abandonou ela e ela não sabe fazer outra coisa senão falar besteira da vida dos outros. Tristeza enorme! Mamãe não parou de chorar um segundo, fica lá, debruçada sobre o caixão, às vezes penso que ela nunca mais vai parar de chorar; e quando ela chora muito forte, me dá vontade de chorar também, porque penso que deve estar doendo muito nela. Muita gente triste aqui. Às vezes, um para de chorar e outro começa, depois ele para e aquele, que tinha parado antes, volta a chorar de novo. Choradeira sem-fim! Eu mesma já chorei muito, por ele e por mamãe. É estranho porque, pra mim, a tristeza dela parece que dói mais que a morte dele. Chorei demais quando vi mamãe desabando no chão, como se não tivesse mais força nas pernas. As pessoas acudindo ela, tentando acalmar ela. Foi na hora que o caixão dele chegou. Chorei tanto que tia Marli veio sentar aqui comigo, me abraçou forte, me deu um beijo na cabeça e não saiu mais do meu lado, até agora me fazendo carinho nos cabelos. Tia Marli não me disse nada, nenhuma palavra de consolo; antes da gente vir aqui pro velório, eu ouvi ela dizer pra uma senhora que palavra nenhuma bastava nessas ocasiões, que nessas horas as palavras parece que se esvaziam. E a senhora respondeu que...

— Ana, minha querida, você precisa comer alguma coisa. Tia Judite trouxe banana, na bolsa tem sanduíche, suco e bolacha, aquela recheada que você gosta!

— Quero nada não, tia Marli. Tô sem fome!

— Come logo alguma coisa, Ana! Não era nem pra você estar aqui. Se for o caso, Marli, levo ela comigo pra casa e ela dorme lá!

— Só saio daqui com a minha mãe, tia Judite, e depois que o meu irmão for enterrado!

...como a tia Judite pode ser tão chata? Deve ser por isso que o marido abandonou ela! Que homem aguenta uma mulher dessas?... Estranho, duas bolinhas de algodão no nariz dele! Fiquei com medo quando olhei pra ele, todo parado, os olhos fechados, bem fechados, pra sempre, como se estivesse dormindo um sono profundo, não!, não!, mais do que isso! As mãos dele paradas em cima do peito. É feio demais uma pessoa morta, deitada no meio das flores! E a mamãe beijando o rosto dele, a testa dele, abraçando o caixão dele... Coitado do Tonho... Eu queria ficar lá do lado dele, segurando as mãos dele como mamãe está fazendo agora. Mas não consigo, me dá um arrepio danado olhar pra ele dentro daquele caixão. Por isso vim pra cá, daqui posso cuidar da mamãe de longe, vigiar ela, caso ela caia no chão outra vez; e dele eu só vejo o nariz tapado com as duas bolinhas de algodão... Como é que alguém tem coragem de fazer uma coisa dessas? Como pode alguém não ter medo da morte, não ter medo de desaparecer pra sempre? Por que você fez isso, Tonho? Você era meu único irmão, Tonho! Eu queria qu...

— Marli, você sabe que aquela mulher... aquela... como é mesmo o nome dela?

— Margô...

— Isso, Margô! Você sabe que ela apareceu anteontem na casa da Ana Maria pra dizer pra ela que ia acontecer alguma coisa muito ruim com o Antônio e que tinha mulher no meio? Ela não adivinhou o treco, menina! Ah, mas eu não acredito nisso não! Deus me livre-guarde! Mulher estranha aquela! Tenho até vergonha de dizer pros outros que irmã minha lida com essa gente de macumba...

— Que gente de macumba, Judite! A mulher é sensitiva, pressente coisas, acho que é espírita ou algo assim...

— Só faltava essa agora! Tá arriscado a Ana Maria querer receber carta do filho vinda do além. Pra mim essa tal de Margô não passa de uma canastrona!

...canastr... deve ser gente mentirosa! Tia Judite acha que todo mundo é mentiroso. Mas ela é que é! Dona Margô não disse nada disso, eu mesma ouvi a conversa dela com mamãe. Ela só disse que tinha achado o Tonho triste, muito quieto demais, perguntou pra mamãe se ela sabia de alguma coisa, porque filho da gente a gente tem que tratar como amigo, saber tudo dele, foi só isso que ela disse. Depois perguntou como ia o namoro dele, daí eu não ouvi mais porque me deu vontade de ir pro quarto brincar com as minhas bonecas, queria saber tudo sobre elas, porque com filho da gente é assim... Mas tia Ju...

— Meu Deus, Marli, que desgraça enorme! Como é que um filho faz isso com a mãe? Não pensou na família, não pensou em ninguém... É muito egoísmo, muita ingratidão... E foi se pendurar logo...

— Judite!!!

— Que foi? Não é verdade?

— Judite, agora não, depois...

— Ah... Desculpa!

...não querem falar perto de mim, pensam que eu não sei o que aconteceu, pensam que eu não vi. Um monte de gente estranha entrando em casa, ambulância na porta, a mamãe gritando até não poder mais, parecia uma louca, apertando os cabelos e o cabelo todo bagunçado, os vizinhos entrando em casa, o seu Oscar da quitanda querendo me levar no colo pra casa dele, tentando tapar meus olhos com a mão dele, mesmo assim eu vi, não esqueço nunca mais daquilo. Tia Marli veio falar comigo depois, disse que foi um acidente, que mesmo muito novas certas pessoas adoecem e morrem, que eu precisava ser forte e ajudar a mamãe a superar, que ela confiava em mim. Nem tudo é verdade, eu sei, mas tia Marli tem um jeito tão carinhoso de mentir que a gente se sente bem acreditando, mesmo sabendo que não é verdade... Mamãe parece mais calma. Tio Gustavo está lá um tempão conversando com ela, tentando acalmar ela, desde quando tia Marli veio pra cá, sentar comigo... Tio Gustavo é outro chato, devia ser casado com tia Judite, porque tia Marli não merece... Agora ele está lá, do lado da mamãe, chorando com ela, mas quando estava começando a anoitecer ouvi ele dizer lá fora, perto de um túmulo grande, pra um gordão que fumava, que tinha tanta mulher no mundo que ele não sabia como um homem era capaz daquilo, que tinha de ser muito burro mesmo pra fazer aquilo por uma mulher, que ele sempre dizia que mulher é bicho perigoso... ele disse até um palavrão, bem alto, mulher quando quer fode com a gente... Ele disse isso rindo, um monte de gente chorando aqui dentro e ele falando palavrão e rindo lá fora... Devia ter se casado com tia Judite, os dois foram feit...

— Você sabe que horas será o enterro, Marli?

— Nove horas...

— Meu Deus, ainda tem uma madrugada inteira pela frente!

— Se quiser ir, Judite, te ligo cedinho pra te acordar!

— Agora fico, podem precisar de mim...

...bem que tia Judite podia ir e levar tio Gustavo junto... Lá fora está uma escuridão só, e é pavoroso um cemitério no escuro... De tardezinha, quando chegamos aqui no velório, passei por muitos túmulos, lá na frente tem uns grandões, com um monte de gente dentro. Tio Gustavo disse que são de famílias importantes da cidade, que quando um familiar morre enterram ele junto com os outros parentes que já morreram. Tio Gustavo me mostrou um bem grande, com um anjo de pedra maior do que eu, anjo feio, tinha uma asa quebrada e levantava uma espada, acho que é por isso que ele fazia uma cara feia. Era um túmulo tão luxuoso que tinha as fotos das pessoas mortas coladas nele, e o nome delas e as datas que nasceram e que morreram. Tio Gustavo me mostrou o sobrenome delas, todos iguaizinhos. Foi então que vi a foto daquela mulher, estranha, antiga, preta-e-branca ainda, morri de medo porque a mulher parece que olhava pra mim e na foto ela tinha um sorriso no rosto, como se gostasse de ter morrido... Acho que vão enterrar o Tonho sozinho, ouvi tia Marli dizer que o vovô e a vovó estão enterrados em Minas, bem longe daqui. O Tonho vai ficar aqui sozinho... sozinho debaixo da terra... dia e noite... Por que, Tonho?... Você era meu único irmão... Pra que fazer aquilo?... Você deixou a gente, Tonho... Eu... não quer...   

— Oh, Aninha, vem cá... Chora, minha querida, chora que alivia, ajuda a passar... Vem cá no colo da tia... Fica aqui comigo, abraçadinha... Isso, assim!...

— Por que o Tonho fez isso com a gente, tia Marli? Por quê?

— Eu não sei, minha querida! Eu não sei!

— Judiação, Marli, fazer a menina ficar aqui!

— Judite, faz um favor pra gente, vai comprar um café, quero o meu sem açúcar, lá na esquina tem um bar que fica aberto até tarde... Traz uma água também...

— E eu vou atravessar esse cemitério inteiro sozinha, a essa hora da noite?

— Chama o Gustavo pra ir contigo, ele também deve estar louco por um café!

...isso, tia Judite, leva o tio Gustavo junto... sempre gostei do colo da tia Marli, dos carinhos dela... o Tonho também gostava dela...

— Tia Marli, eu sei o que aconteceu com o Tonho, eu vi tudo!

— Eu sei, minha querida, eu sei! Mas não pensa nisso agora não; descansa, e chora que passa, tudo passa, minha querida!

...eu sei de tudo, eu vi! Falaram até que ela traiu o Tonho, que ela tinha outro namorado além dele. É mentira, foi ela mesma que disse! Ela gostava do Tonho, sempre gostou. Chorou tanto aqui que tiveram que levar ela embora, carregada... parece que eles tinham brigado, ele era muito ciumento... Por que, Tonho?... Ela gostava tanto de você... Acordei com o grito da mamãe, nunca tinha ouvido ela gritar tanto, tão alto, tão forte, nem quando via barata, ela que tem horror de barata... pensei logo que tinha entrado gente em casa, mas era muito cedo e ladrão só vem à noite... nem fiquei com medo porque era tanto grito, mas tanto grito, que eu só pensei em ajudar a mamãe, ver o que estava acontecendo com ela... Coitada da mamãe, vai chorar pro resto da vida, vai sentir tanta saudade do Tonho que não vai conseguir nem mais sorrir... Levantei da cama desesperada, vi que os gritos vinham lá do quintal, acho que pensei que podia ser um bicho, uma cobra talvez, uma vez apareceu uma cobra no nosso quintal... Por que, Tonho? Eu e a mamãe não merecemos isso! Você nem pensou na gente! Só pensou em você... Quando cheguei no quintal foi que eu vi: a mamãe desesperada, gritando feito louca, ajoelhada na terra e estendendo as mãos pro Tonho... e ele lá... pendurado na mangueira do quintal, a corda amarrada no pescoço, parecendo um bonecão girando no ar... não vou me esquecer nunca mais disso... nunca... Por que uma pessoa faz isso?... Tia Marli disse que tudo passa... mas acho que isso não vai passar nunca... Será que o Tonho vai pro céu?... Por quê?... Por que isso com a gente?... Logo a gente... que nunca fez mal pra ninguém... a mamãe... vai sofrer muito... muito... mesmo... ela não... merece............................................ ..............................................................................................................

— Espera um pouco, Ana, deixa a tia te ajeitar direito... isso, deita... assim! Descansa, minha querida, descansa...

..........................se a gente tivesse ouvido ela... a Margô não mentiu, só disse o que tinha percebido... porque filho da gente é amigo... respeito... ela merecia... tia Marli... disse uma vez... é uma santa... a mangueira, vão cortar ela... podia ser... antes de tudo... o Tonho não teria onde... sem corda, sem árvore... por quê?... por quê?... Fica com Deus, Tonho!... eu........................................................ ..............................................................................................................

— Marli, seu café! Xiii, ela dormiu!

— Psiuuu!

................por que, Tonho?... por quê?........................................... ...............................................................................................................

 

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Tiago Feijó nasceu em Fortaleza, em maio de 1983. Mudou-se para o interior de São Paulo ainda menino. Formou-se em Letras Clássicas pela Unesp. Venceu o Prêmio Ideal Clube de Literatura 2014, na categoria livro de contos. É autor do livro Insolitudes (7letras, 2015).