PERIGEU

 

 

Às vezes eu te encontro nesse céu,

Que paira sobre o mundo feito um véu,

Cobrindo de azul a minha sina.

 

Às vezes eu te vejo na neblina,

Enquanto vaga o dia pela noite

E tarda aos nossos olhos se mostrar.

 

Às vezes te procuro junto ao Mar

E nele sempre eu miro um espelho,

Que a imagem do teu corpo faz sonhar,

Um sonho que me afasta o devaneio.

 

Às vezes quando cheia, sou só meio

E às vezes quando nova, minha fonte,

Inundas de saudade a quem não tenho,

À espera no ocaso d’outra fronte.

 

Às vezes eu te encontro...

Às vezes eu me perco...

Às vezes eu te sinto e noutras nem te vejo...

Mas sempre tua face é um enleio,

À vida que desejo imaginar.

 

 

 

 

 

 

ESTRO

 

 

És tu o Sol na aurora desigual,

Que alumia os sonhos em degredo,

Quando jaz o tempo, que me faz mortal

Ou eterno em teus braços, meu alento.

 

És a luz no breu que me toca a face,

Ou um sino na noite que me guia

A transpor em segredo o firmamento

E tornar à terra ao brilhar o dia.

 

És a vida breve que olvida a morte

Ao tornar perene um segundo.

És o som do Mar num arfar profundo,

Ordenando à areia em silêncio minha sorte.

 

 

 

 

 

 

ÀS MARGENS DO CÉU

 

 

Há uma vela que o horizonte ilumina

E um manto de aurora que reclina sobre nós;

Há um vale sob a pele do asfalto

E um canto que ecoa em silêncio,

Por dias se ouvindo,

Às margens do céu.

 

Hoje acordamos com um sonho,

Amanhã despertaremos sem vida.

Há o infinito num instante de aurora

E ainda há luz nos dias sem sol.

 

Há um futuro, que agora amanhece sobre nós,

E há um canto que nos guia em silêncio,

Por dias seguindo,

Às margens do céu.

 

 

 

 

 

 

VENTURA

 

 

A boca do crepúsculo tragou-lhe ao horizonte,
E o vento em degredo soprou ausência sob aurora.

Do dia nascido restou-se a bruma,
E no chão estendido, ventura, outono e saudade.

Copas de árvores declinavam-se em lamento,
E a estrada sentia a chuva,
Como a pele, a lágrima, salgada em segredo.

O campo de asfalto esperava a primavera,
E a menina triste esperava à janela
O cravo perdido em outra estação.

 

 

 

 

 

 

PRIMAVERA

 

 

Eu plantarei uma rosa por ti,

A cada ano

Eu plantarei tua ausência nesse campo;

 

E ainda que se estenda o outono,

E ainda que se ausente a semente,

Eu olharei tua rosa

E colherei teu encanto,

Primavera!

 

 

 

 

 

 

ODÒ PÚPÀ

 

 

O rio que verte o sangue

E queima pelas veias,

Que corre à vida

E seca à morte,

Em todos, tem a mesma cor.

 

 

 

 

 

 

ANÉIS DE SATURNO

 

 

Reter o que se perde,

Estender o que se esvai,

Crer que um instante

Dura além de seu dia,

Pelos olhos que enxergam

Quando o tempo se distrai;

 

Ter o horizonte,

Feito linha num vidro,

Sob lentes do ocaso

E um anel: o segundo;

 

Ver o silêncio,

Tão presente e profundo,

De um passado nunca ausente,

Pela eterna imagem do ontem.

 

 

 

 

 

 

ILLUMINARE

 

 

Aos olhos cerrados, o Sol é tão pleno,

Que nenhum vulto transpõe sua essência,

Que nem o ocaso promove a escuridão.

 

Aos olhos cerrados, sempre amanhece,

Pois as imagens que foram poente

Hoje se apagam na visão perdida,

E a aurora eterna brinda à surgida

A imensidão rara da luz.

 

 

 

1. "Odò Púpà" ─ significa Rio Vermelho em iorubá.

2. "Illuminare" ─ em latim, iluminar.

 

 

 

 

 

 

CAIS

 

 

Que silêncio dissonante ecoa ao som da noite,

Quando ao breu a luz flameja

E ao olhar a prata impera.

Que silêncio dissonante entoa a nova era,

Ao clamar pressente hinos ancestrais.

 

Houve um tempo que dobrava o sino

E vibrando igual, estendia a ceia.

Houve um tempo tão perene outrora,

Em que o Mar cantava à areia

E o ocaso ressoava à aurora.

 

Que silêncio dissonante em meu peito jaz,

Neste prumo que minh’alma arqueja,

Pelo anseio que me apressa afora.

Que silêncio penetrante se acosta agora!

Este tempo envolto faz do mundo um cais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RUÍNAS DE ÁGORA

 

 

Há tanta boca

E tanta voz desmedida

Nesse silêncio repetido e gritado,

 

Nesse vazio de palavras que ecoam esquecidas,

Onde à margem de toda prosa

Talvez repousa alguma verdade.

 

Há tanta boca

E nenhum som profundo;

Há tantos dentes devorando os sonhos

E tão ímpio tornou-se o mundo,

Que mastigado resta para nós.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

POENTE

 

 

Amor,

Quando passar a tarde,

Encosta teu coração no ocaso

Pra que o fio de luz, que é semente,

Plante minha alma em tua noite,

E assim, unidos ao firmamento,

Nasçamos juntos em outra aurora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DESEJO

 

 

O que aparta o céu da terra

É uma linha,

Que se apaga toda noite:

Uma trégua do horizonte,

Pra que o desejo nos faça voar.

 

                  

 

 

 


 

 

 

 

 


Rudá (São Paulo/SP, 1979). Poeta, cantor e compositor. Formado em História, lecionou por 10 anos, sendo a docência imprescindível para seu desenvolvimento como escritor. Atualmente, vem organizando os poemas para seu primeiro livro e compondo as músicas de seu trabalho autoral. Com o intuito de tornar a poesia mais acessível, realiza também trabalhos recitados, através de seu canal no youtube e de apresentações em escolas.