silêncio
 
 
é preciso mais que uma dor pra se ter um poema.
algo além do infinito
algo além da imagem.
 
é preciso um olhar inteiro
para engolir inteira
a fatia do mundo que suga as ruas
e desnuda as vertigens.
 
é preciso mais que vertigem.
e é preciso também mais que as estrelas.
mais que o universo
e o alcance do homem.
 
é preciso estar além do alcance.
do previsível.
e sentir convulsiva ou anestesiada
o amargo adocicado e irresistível
de ser incompleta.
sempre.
 
 
 
 
 
 
simbiose
 
 
O meu não para você
É a reunião de todos os meus sim
Para mim.
 
 
 
 
 
 
incompleto
 
O fluxo passa
me regride
como demônios que me agridem
mantendo presos, meus pés no nada
 
minha cabeça revirada:
memórias, mentiras, lembranças, saudades
passado. o ontem. um remoto controle de quem eu não sou, não fui — mesmo que seja o que se pensa ser
 
olho os olhos. meus olhos abertos
meus olhos — remendos — tremendo um nada. um vácuo. um vazio.
um asilo novinho, tão norte e tão reto
cortante, agressivo, assassino e singelo
tão eu e o impulso de mim para fora
na esperança que a queda interrompa este fluxo que me sufoca.

 

 

 

 

*
 
 
Ao pé do ouvido
O silêncio mútuo
É o meu gemido
 
 
 
 
o rio
 
 
Atravessar o rio e
Ficar em paz.
Me jogar no mar
E amar.
 
Nadar por todas as águas
Furar cada uma das ondas.
Ser feliz mesmo por nada.
Desfazer todas as contas.
 
Descalcular esse olhar infinito
Que põe fim num horizonte sereno
E reconhecer que o meu inimigo
Sou me negando a me olhar por dentro.
 
 
 
 
 
 
mixer
 
 
Sua energia
Sua.
 
Minha energia
Minha.
 
No amor, no bem
Na cura.
A nossa energia
Se mistura.
 
 
 
 
 
 
a menina de pele branca
 
 
pouco me importa os retalhos da sua verdade
ou a explosão do seu corpo
em choque com a esfera.
 
o sangue que ferve o calor das suas vontades
ou as palavras que surgem
sem busca ou espera.
 
pouco me importa a tragédia ou o circo
ou as lágrimas que nascem
de tristeza ou saudade.
 
pois mesmo a linha
que te enforca e me enforca
carrega mais vida que um furacão atormentado.
 
 
 
 
 
 
pacto
 
 
Em algum ponto, a minha idade encontrará a sua morte
A minha dor se enxergará no seu recalque
Minhas pernas sugarão o seu cansaço
E as minhas veias se embebedarão com o seu sangue.
 
Não por fitar qualquer pacto dolorido
Miragem ou vício
Ou saciar a necessidade ou fome.
 
Em algum ponto a minha dor se enxergará no seu recalque
E meus pudores se quebrarão na sua sina.
E a minha idade encontrará a sua morte
Pois na fusão do nosso corte
É onde urge a minha vida.
 
 
 
 
 
 
21/12/2012
 
 
Você sabe que é verão quando a pele brilha
nos reflexos dos vidros espelhados da cidade.
Os vincos aos redor dos olhos ressaltam vermelhos
pelo sol que queima, queima, queima
e é bom.
 
O corpo arrepia num sopro breve de brisa.
O gole de uma bebida
que refresca como uma geleira por dentro.
 
O suor delineia um trajeto simples pelo dorso
e desce, desce, desce
fazendo mais vivas as partes que fervem.

 

 

 
 
 
rascunho sobre 2008
 
 
Você para no mundo e busca
o mesmo gosto, o mesmo cheiro. O sentimento
deve ser igual.
 
As nuances devem ser as mesmas
para que você se sinta o mesmo,
enquanto todo o resto estagna.
Tropeça.
 
Na caminhada interrompida
Você nem sente que não se move.
O desejo azedado pelo que está lá atrás é tanto
que não percebe a hora.
O agora.
 
Os segundos não correm de volta,
mas mesmo assim você não enxerga o a frente.
E onde fica o presente nesse seu corpo que deseja
fincar os olhos nas costas?
 
Ah… Se eu pudesse ser bem franca
te diria com o meu sorriso fácil:
Enquanto não consegue mover os pés em diante
pisa na terra e dança.
 
 
 
 
 
 
17/11
 
 
Chuva pinga gota a gota
Até desaguar fina
Tipo um chuveiro
 
E molha o corpo
Coberto de roupa
 
Lavando a alma
Com calma
 
 
 
 
 
 
13/10
 
 
É a brisa dessa pequena brecha
Que me refresca.
 
 
 
 
 
 
*
 
 
Quando  a mente acalma
O coração flutua.

 

 

[imagens ©roberta fernandes]

 

 

Roberta Fernandes (Niterói/RJ, 1983). Jornalista e artista visual, desde a adolescência, apaixonada por biografias e figuras femininas. Começou a escrever ainda criança, após ler os "Cânticos" da Cecília Meireles, guardados na casa de veraneio, onde passava as férias escolares. Em 2016, finaliza seu primeiro livro, Tudo Bem Se Eu Não Dormir Essa Noite.