intervenção de rookery a., na tela "um homem segurando um copo e uma

velha acendendo um cachimbo", de david teniers
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

O que inicialmente me chamou a atenção no livro Cegueira moral, de Zygmunt Bauman/Leonidas Donskis (Zahar Editora) é de como a modernidade líquida transforma em banalidade o próprio mal. Modernidade líquida é como Bauman chama a pós-modernidade, marcada pela flexibilidade, que provoca certa fragilidade no que tange nossas relações sobre as pessoas e as coisas; líquida porque é comparada à água, que tem capacidade de alterar sua forma conforme seu recipiente, para significar que hoje perdeu-se o aspecto durável e sólido das coisas e que tudo é passível de mudança. Os autores mostram como as instituições europeias demonizam essa questão, registrando ser preciso recuperar a sagacidade e a dignidade para a multidão de extras que constituem a civilização ameaçada, para que não seja ela transformada em "anônima global".

Os autores discutem as causas que levam à perda da sensibilidade, que se acha ligada ao qualitativo moral. Daí vem o conceito de adiaforização, que é a exclusão do domínio da avaliação moral, que tem como padrão da relação consumidor-mercadoria, sendo portanto instrumento de advertência, alarme e ativação para a sociedade se analisar.

Bauman/Donskis colocam haver hoje "ansiedade da influência" e "ansiedade da destruição", respectivamente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, concluindo a propósito que "um homem decente pode abrigar dentro de si um monstro". Para os autores, "privacidade, intimidade, anonimato, direito ao sigilo, tudo é deixado de fora da sociedade de consumidores ou rotineiramente confiscado pelos seguranças". Afirmam que perdendo a memória, as pessoas se tornam incapazes de qualquer questionamento crítico de si mesmas e do mundo à sua volta, perdendo também os poderes da individualidade, além de privadas de sua sensibilidade básica em termos morais e políticos. Acrescentam que o direito de questionar de forma crítica a história é o alicerce da liberdade. A banalização da violência leva a uma condição em que as pessoas param de reagir aos horrores da sociedade, como as guerras, restando disso uma espécie de "dignidade dos degradados". Reforçam os autores que o termo "adiafórico" não significa desimportante, mas irrelevante, indiferente, por serem atos dispensados por consenso social da avaliação ética, conduzindo a uma "insensibilização do discernimento". Falam também de "mediocridades agressivas", "intelectual cigano", "intelectual não afiliado", concluindo disso que se corre o risco sério e real de se dar adeus à universidade como alicerce da cultura europeia. Bauman cita "hóspedes calculados", conceito criado por George Steiner para causar impacto e obsolescência instantânea na forma-padrão de comunicação inter-humana. O que querem dizer? Que se na Europa, um dos berços da civilização, a situação, hoje, está periclitante, como não estaria no resto do mundo.

Aponta Bauman o livro "A possibilidade de uma ilha", de Michel Houellebecq, como um dos mais importantes para a compreensão da sociedade líquida. Para o sociólogo, a tecnologia ultrapassou a política: se a pessoa estiver off-line, deixa de participar da realidade. Para Bauman, as redes sociais são também uma forma de vigilância. E, nesse contexto, os líderes falam hoje de "escândalo político, caos monstruoso, anarquia catastrófica, tragédia apocalíptica, hipocrisia histérica".

Outro conceito caro aos autores é o de "precário" — "ser mantido pelo favor e à disposição do outro, logo, incerto". Contudo, asseveram que "nenhum tipo de impotência política e econômica deve permanecer impune e que isto quer dizer que não temos mais o direito de fracassar." Importante reler o que pontua Bauman sobre política nas páginas 103, 104, 113, 136: "Os partidos políticos só sobreviverão se começarem a agir como os movimentos sociais e se ligarem a eles". E previnem: "O medo usa várias máscaras. O medo alimenta o ódio e o ódio alimenta o medo". Existe uma cultura do medo constituída por três razões: a ignorância de não saber o que vai acontecer em seguida e o quanto somos vulneráveis a infortúnios; a impotência e a humilhação como ameaças constantes à nossa autoestima e autoconfiança.

Sobre cultura: "É o sedimento da tentativa de tornar suportável a vida como a consciência da mortalidade". Outro conceito utilizado pelos autores é "imagólogos" — engenheiros da imagem e da opinião pública, na acepção de Milan Kundera. Sobre a memória é importante (re)ler sobre as páginas 152/154, 162: "Nós perecemos ao esquecer" (M. Kundera). Discute Bauman as expressões de S. Bertman "cultura agorista" e "cultura apressada": as diferenças entre adquirir e acumular/descartar/substituir. Discute também as "relações puras", aquelas sem compromisso, de duração e alcance indefinidos, baseadas na ficção. Outra obra considerada pelos autores de importância à sociedade líquida é A decadência do ocidente, de Oswald Spengler, por constituir um paideuma da cultura. Cegueira moral é um livro fértil em ideias e reflexões que pode contribuir muito para a compreensão do mundo atual, portanto, da humanidade hoje.

 

 

 

 

 

 

Duas publicações recentes, de máxima importância, contribuem não apenas para a valorização do patrimônio da cidade de Tiradentes como também para o engrandecimento do legado colonial de Minas Gerais, uma vez que a qualidade das obras soma-se à bibliografia que enaltece a responsabilidade da pesquisa competente no trato relevante dos valores históricos atrelados à tradição do que a mineiridade tem de mais genuíno: sua herança religiosa representada nas artes de gênios que plasmaram a identidade do Estado.

Sob a chancela do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social  (BNDES), os livros, de caráter quase didático e de fácil assimilação, contribuem para a preservação e manutenção de patrimônio para zeladores, envolvendo conservação, restauração, zeladoria e segurança. Para os profissionais ligados à defesa do patrimônio histórico e artístico os livros são imprescindíveis, porquanto resultam, além de pesquisas sérias, do aprendizado em oficinas que são ministradas para segmentos diversos que hoje dão suporte à preservação patrimonial de Tiradentes. A pedra, a madeira e a terra são esmiuçadas como técnicas construtivas tradicionais, constituindo o "esqueleto, músculos e carne" das edificações que hoje são motivo de orgulho para todo o país, por isso preservadas em suas funções mediante o apoio de saberes compartilhados que testemunham a permanência do referencial da tradição.

Por outro lado, e concomitantemente, os livros, de modo objetivo e acessível, orientam leigos e turistas no conhecimento específico do patrimônio, inclusive com o glossário que resulta do trabalho efetivo de uma equipe que dá a vida profissional para que Tiradentes mantenha-se como referência sustentável pelo exemplo de ação permanente impetrado em benefício de sua arquitetura e artes congêneres.

Ambos os livros são úteis, publicados com competência técnica, por isso axiais para mestres de obras, marceneiros, carpinteiros, entalhadores, pintores, oleiros, pedreiros, canteiros, zeladores, sineiros e estudiosos que com talento e convicção concorrem para haver uma Tiradentes-modelo distinguida historicamente por sua pujança barrocolonial, a espelhar exemplo como sói a Ouro Preto, S. João del Rei, Mariana, Congonhas, Prados, para citar alguns dos modus vivendi da cultura mineira.

No Manual de preservação e manutenção de patrimônio, autoria dos competentes e experientes Luiz Antonio da Cruz, Maria José Boaventura (ilustradora de 3 livros meus) e Márcia Heliane, tem-se somatória de experiências in loco arregimentadas ao longo de décadas, que resgatam técnicas construtivas e documentam, inclusive iconograficamente, seus processos, valorizando em cada etapa os ofícios responsáveis pela preservação do acervo e dos monumentos constitutivos da herança incomensurável na antiga Vila de São José. O livro é enriquecido com o inventário dos sinos de Tiradentes, onde eles existem desde 1747, reunindo e disponibilizando informações sobre os toques, repiques, sineiros (de 12 a 70 anos), cuidados, localização, identificação e as características da campana, em projetos que além do BNDES envolveu o Instituto Histórico e Geográfico  daquela cidade.

Em Glossário do patrimônio, dos mesmos autores, acrescido da pesquisadora Suelen Lopes da Cruz, tem-se completa taxonomia dos termos-referências que constituem o trabalho dos profissionais do patrimônio, com conteúdos interdisciplinares relativos a esse legado histórico, que esclarecem de modo objetivo o que seja, de A a Z, a identidade de cada nome dado aos elementos arquitetônicos e ornamentais formadores das construções seculares, bem como as habilidades humanas, ofícios, ferramentas e técnicas para erguê-las e preservá-las. São, como se lê na Introdução, "palavras para transmitir a história da cidade às gerações futuras e fortalecer a consciência de seu próprio valor". Presta-se o livro, reitera-se, a pesquisadores, estudantes e público em geral. São duas obras merecedoras da leitura de todos que se respeitam culturalmente e encontram no patrimônio histórico e artís tico uma resposta para sua própria identidade.

Os interessados nas publicações poderão solicitá-las ao Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes [Rua da Câmara, 124 - Centro - CEP 36325-000]. Agradecimentos aos amigos Agostinho Toledo e Walquir Rocha Avelar Jr., que me trouxeram os livros autografados por seus respectivos autores.

 

 

 

 

 

 

"O meio é a mensagem". (M. McLuhan)

 

 

Integrar - conviver com as diferenças e crescer com a relação da cidadania cultural. Completar um todo com as partes que faltavam. Fazer com que alguém ou algo passe a pertencer a um todo. Melhorar a situação de todos os habitantes e grupos sociais em um dado local de cultura. Ter/reconhecer interesses comuns. A integração não é estática e permanente, mas é fluída, móvel, pluralista. Não é uma imposição inocente, nem uma apropriação. Ela tem a ideia real de pertença entre comunidades com o que é de importância entre si, na região e nos planos nacional e mundial.

 

Programas de integração - têm por objetivo gerar o mais estreito relacionamento entre grupos sociais constitutivos de comunidades produtivas de cultura mediante a construção de vínculos de confiança e de cooperação entre os segmentos do povo e como catalisador da integração municipal e do seu desenvolvimento, com vistas a promover aproximações identitárias e agentes de integração conscientes e dinâmicos, envolvendo atividades de manifestações populares em níveis de artes e ciências, expressões tecnológicas, valores, cursos, palestras, eventos, mostras, fóruns, seminários, intercâmbios, integrados com órgãos oficiais existentes, ONGs, empresários, representação pública de todos os poderes e todo agente de desenvolvimento do município e consoante a legislação estabelecida no país (Constituição Federal, Lei Orgânica Municipal, Sistema Municipal de Cultura, Plano Estadual de Cultura, Fundação Casa de Cultura Carlos Chagas, entre outras).

 

Modos de integração

— do cidadão consigo mesmo (consciência crítica de uma dada realidade local, regional, nacional e/ou planetária);

— do cidadão com seu grupo social e sua comunidade;

— das comunidades entre si — do município com a região — da região com o país;

— do país com o mundo.

— da criança com a criança — da criança com adolescentes e adultos

— da população com atores com necessidades especiais — da população entre si

— da população com manifestações regionais, nacionais e mundiais.

 

Reconhecimento interrelacional entre os valores culturais comunitários existentes e promoção do seu aperfeiçoamento e do sentimento de pertença mútuo

— fatores e formas sociais que favoreçam a integração cultural;

— prevalência do elemento popular a partir da contribuição da mentalidade dos jovens para esse esforço integrador; 

— prevalência das formas de origem social popular como favorável à adoção de medidas verdadeiramente integradoras, desde povoados ao distrito, dos bairros ao município;

— superação de preconceitos, formas repressivas e dos privilégios de certas minorias;

— movimentos demográficos sob formas migratórias rurais e outras;

— as diversas trocas entre mentalidades, crenças, opiniões, comportamentos sob influência do rádio, televisão, cinema e internet;

— fortalecimento das experiências democráticas através da cidadania e do lazer com interesse pela natureza e preservação do meio ambiente através das instituições religiosas, da terceira idade, dos valores individuais, das expressões artísticas e científicas, dos estudantes, dos desportistas, dos movimentos LGBT, dos empresários, dos poderes constituídos, entre outros segmentos.

 

Outras questões para reflexão

— realização da integração de maneira progressiva e irreversível com preservação da identidade cultural de cada comunidade que leve em conta o passado histórico, as influências geográficas e sociais, a composição das populações, os sistema de produção, as distintas maneiras de enfrentar as relações comunitárias;

— respeito à diversidade;

— superação de focos de resistência do imobilismo comunitário;

— análise dos projetos culturais e sua devida adaptação por parte das organizações comunitárias;

— resgate permanente da memória coletiva;

— respeito e difusão da alteridade: incluir as diferenças;

— análise do que se ganha com a promoção da integração;

— estabelecimento de harmonia entre apoiadores/detratores de uma política municipal de patrimônio histórico e artístico;

— fortalecimento das experiências democráticas através da cidadania e do lazer com interesse pela natureza e preservação do meio ambiente, pela busca de sistemas alimentares que não deteriorem a saúde, por combater o consumo de drogas, tabaco e álcool incluídos, por viagens e conhecimento mais profundo da realidade nacional, procurando a população envolvida promover a transformação da história com soluções práticas de interesses comuns, conhecendo-se a fundo as relações entre as comunidades para se criar uma consciência madura e com capacidade operativa que a torne eficaz em todos os sentidos;

— tentar determinar a origem e as modalidades da dinâmica das mudanças culturais e a incidência sobre elas da globalização da cultura mundial como causa da modernização das comunicações e da pressão da mídia;

— observância sistemática das reivindicações/propostas oriundas das comunidades.

 

 

 

 

 

 

São muitos e em todas as partes do mundo os autores que consideram haver um "universal cultural" de qualidade de vida, independente de nação, cultura ou época, quando o importante é que as pessoas se sintam bem psicologicamente, possuam boas condições físicas, estejam socialmente integradas e sejam funcionalmente competentes (Bullinger). Esses autores, com base sobretudo em suas próprias experiências existenciais, deixaram um legado cujas palavras têm perenemente a força transformadora da vida. Seja através da literatura, da religiosidade, da filosofia, das ciências e de artes correlatas, tudo contribuindo para aumentar a longevidade sadia e a forma de ser feliz.

Alcançar a plenitude na vida é também uma forma de pensar o bem da vida e praticar com convicção aquilo que a torna íntegra em todos os sentidos. Na Carta de São Paulo aos filipenses, por exemplo, lê-se: "Alegrai-vos sempre no Senhor. Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens. Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus. E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamento em Jesus Cristo (Fi, 4,4-7)". São Francisco deu a dica: "O que temer? Nada. A quem temer? Ninguém. Por quê? Porque aqueles que se unem a Deus têm três grandes privilégios: onipotência sem poder, embriaguez sem vinho e vida sem morte".

Chico Xavier pensou: "Lembre-se (não se esqueça de que o maior inimigo de suas realizações mais nobres, a completa ou incompleta negação do idealismo sublime que você apregoa, o arquiteto de suas aflições e o destruidor de suas oportunidades de elevação — é você mesmo". William Shakespeare aconselhou: "Plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E aprende que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida". Sarah Westphal também incentiva a dinâmica da vida: "Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando".

Pensamento muito antigo da cultura ibérica, Fernando Pessoa atualizou: "Navegar é preciso. Viver não é preciso. O que é necessário é criar". Um desconhecido escreveu: "Viva hoje! Faça hoje! Não se deixe morrer lentamente". Olavo Bilac "salvou" a vida dos existencialmente inconclusos: "Vidas que não têm vida, existências que invento". E Mario Quintana arremata: "Como a vida é bela! Como a vida é louca! É um dever que trouxemos para fazer em casa". Vinicius de Moraes alertou: "São demais os perigos dessa vida para quem tem paixão, principalmente". Henry David Thoreau foi ecológico: "Viva cada estação, enquanto elas duram, respire o ar, saboreie a fruta, e deixe-se levar pelas influências de cada uma".

Clarice Lispector admoestou: "Mas há a vida que é para ser intensamente vivida. Há o amor, que tem de ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo". Augusto Cury: "Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar autor da própria história. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. É não ter medo dos próprios sentimentos. Duvide de tudo que compromete a vida. Duvide do controle que a miséria, ansiedade, egoísmo, intolerância e a irritabilidade exercem sobre você". Um outro desconhecido esculpiu: "O segredo não é correr atrás das borboletas. É cuidar do jardim para que elas venham até você". Racional, mas humano, demasiado humano, Steve Jobs postulou: "Não há razão para não seguir seu coração". E Mahatma Gandhi, sábio, aconselhou: "Viva como se fosse morrer amanhã. Aprenda como se fosse viver para sempre". Simples e profunda, a goiana Cora Coralina escreveu: "Nada que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina". Victor Hugo: "Não faça com o próximo o que não quer para si mesmo". 

Curto e grosso: "Tua vida é resultado de tuas escolhas" (Augusto Branco). Curto e fino: "Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado, e amar e amar-se. Ter esperança, qualquer esperança". Mais um desconhecido genial: "Sonhe com aquilo que você quiser. Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que se quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança suficiente para fazê-la feliz".

Uma grande lição de vida está neste excerto de Alfredo Ciervo Barrero: "É proibido chorar sem aprender. Não transformar sonhos em realidade. Ter medo da vida e de seus compromissos. É proibido não criar sua história. Não sentir que sem você este mundo não seria igual". Pablo Picasso, por sua vez, pintou essa preciosidade vital: "Jogue fora os números não essenciais para sua sobrevivência. Isso inclui idade, peso e altura. Deixe o médico se preocupar com eles. Não deixe seu cérebro desocupado. O nome do diabo é Alzheimer. Curta coisas simples. Ria muito e alto. Lágrimas acontecem. Aguente, sofra e siga em frente. A única pessoa que acompanha você a vida toda é você mesmo. Seu lar é seu refúgio. Aproveite sua saúde. Não faça viagens de remorso. A vida não é medida pelo número de vezes que você respirou, mas pelos momentos em que você perdeu o fôlego de tanto rir de surpresa, de êxtase, de felicidade". Arnaldo Jabor: "Nada de drama". William Blake foi da nano ciência à infinitude: "Veja o mundo num grão de areia. Veja o céu em um campo florido. Guarde o infinito na palma da mão. E a eternidade em uma hora de vida". "Chorar não resolve", disse Charlie Chaplin. E Paulo Coelho: "De nada adianta apressar as coisas, tudo vem a seu tempo".

 

 

 

 

 

Maurício Almeida nasceu em Oliveira em 1955, onde também morreu em junho de 2006. Autodidata, foi artista plástico, diretor, autor e ator de teatro, fundador do Grupo Protozoários Contadores de Casos e do Bloco Pelo Amooor de Deus. Funcionário público, trabalhou na Casa de Cultura Carlos Chagas, foi professor de alfabetização do Mobral, ambientalista, presidente por mais de dez anos da Associação dos Congadeiros Geraldo Bispo dos Santos, articulista da Gazeta de Minas. Inovador, avesso a padrões estabelecidos, cultor da reflexão, da transcendência, tinha fortes influências orientais em seu comportamento capricorniano. Como pensador da vida, deixou um legado de Agendas onde registrou ao longo de quatro décadas reflexões profundas a respeito do processo da arte, das agruras da vida, de sua geração cheia de grilos e porralouquice. Expôs suas obras em diversos salões, deixando um acervo considerável, viajou muito pelo país, sempre tirando proveito das experiências existencialistas do seu comportamento irrequieto, dessacralizador e moralizante. Cultivava amizades como sendo esta uma forte característica do seu caráter. Seu exemplo insuma a história de Oliveira como um genuíno criador inventivo, que veio dos revolucionários anos 60 à atualidade lutando pelos ideais das artes e em função do seu semelhante.

Maurício Almeida viveu profundamente tudo que tocava seus sentidos. Era um ser humano notável, despojado, feitor do bem. Etéreo e telúrico, cósmico, pensador, epistolar. Aliás é nas cartas que projeta suas constantes transformações e fantasmas, reflete sobre o homossexualismo, a sexualidade, sobre sua doença, a cultura universal de que se serve para contextualizar-se e garimpar referências de sua vida de sagrada orgia e aprendizado perene. Seu legado escrito evidencia que tudo era como se a loucura fosse policiada pelo excesso de lucidez. É como se, por carência, transbordasse de amor pelo sem fim de amigos(as) que manteve para adubar sua solidão. Essa vertente mauriciana é merecedora de um estudo à parte. Ela contém, além dos grilos, os problemas de uma geração encucada, jovens rompendo preconceitos, desafiando tradições e tabus, impondo-se pela e com a diferença, derruindo amarras domésticas, entre ser hippie e yuppie ou de simplesmente ser, afrontando a caretice e a hipocrisia da sociedade, revolucionando a si mesmos com parâmetros novos eivados de suspeições e incertezas. Maurício é o primeiro a ousar registrar esses grilos e o primeiro a assumir um estilo de vida contrário às convenções, porquanto pautado em atitudes que comprovavam sua tenacidade para o trabalho. Por isso é preciso ler Maurício Almeida como se faz uma leitura do mundo: work in progress. Espírito evolutivo, mente escancarada para o novo, experiencial como Aldous Huxley e os poetas da beat generation, frágil como borboleta, Angelus Novus de Paul Klee, poderoso como os sábios, benevolente com os necessitados, ácido com os arrogantes, solidário com todos que elegeram a vida — assim era Maurício. Ele tinha plena consciência de assumir um ser-em-conflito, de vivenciar um hedonismo infeliz e fugaz, de ser tolerante com suas próprias frustrações, de lutar todo o tempo para ser "emocionalmente desenvolvido" em meio a rejeições, astrais angustiantes, limitações pessoais, contatos com desejos mórbidos, círculo vicioso e viciado, apelações baratas, comprometimentos emocionais, loucuras, "prazeres passageiros de vagas lembranças e imagens a que minha solidão me condena", escreveu. Sempre havia em sua vida um amor bandido para ser amado, um alguém puxando o coração pela boca num domingo de chuva e com cheiro de baseado no ar. Havia um Maurício Almeida na cola de seus amigos como nossa mãe Nilza, dos cantores Elis Regina, Milton Nascimento, de Paula & Bebeto, Túlio Mourão, Tutti Maravilha, Sebastião Pedrosa Pereira, Rodrigo Patrus Almeida, Lázara Pires, Márcio Gato, Soninha Salgado... Havia um Maurício excelente cozinheiro, macrobiótico, devoto de santos fortes, Elza, de todos os botecos e de muitas imprecações. Havia um Maurício Almeida Sabará Horrorosa de um Pelo Amooor de Deus revitalizador do carnaval oliveirense, responsável pela mais legítima coesão sociocultural da terra de Carlos Chagas, pela projeção nacional do município como ponto turístico. Há um Maurício na fonte luminosa da Praça XV. Presente em todos os lugares, corações e mentes de tanta gente que o amava e que conserva esse sentimento como valor perene. Há um Maurício Almeida que vive na memória do nosso povo.

No ensejo, agradeço de público a Márcio Gato pela comovente homenagem prestada a Maurício Almeida no carnaval deste ano pelos Loucos Varridos e a Tal Cia. de Teatro na qual prevaleceram a criatividade, a coerência, o desprendimento e a competência deste que hoje é um baluarte da cultura, e a diretora Ana Maria Barros Assis, pela exposição do homenageado em tamanho natural, no hall da Casa de Cultura Carlos Chagas.

 

 

 

março, 2016

 

 

 

CORRESPONDÊNCIA PARA ESTA SEÇÃO

Av. Américo Leite, 130 – Centro

35540-000 – Oliveira/MG