Como a sombra que materializa mistério, enigma, magia e surpresa, tudo no novo livro de contos de Francisca Vilas Boas, A Sombra dos Inventados, é invenção. Ficção da melhor qualidade de linguagem, o livro parece ter musgo para absorver o leitor em suas entranhas lúdicas. E consegue tal virtude com maestria e contida comoção.

Cada conto conta um episódio ou um evento indefinido que leva o leitor a pensar o quanto a obra franciscana acrescenta à literatura brasileira. Um livro para encantar leitores neófitos e leitores "profissionais", acostumados a identificar o melhor da narrativa em personagens mágicos, valorizados por uma tessitura que enreda o real e o fictício com o poder encantatório de uma mestra das palavras. "O real precisa ser ficcionalizado para ser pensado", Francisca Vilas Boas usa Rancière na epígrafe de "O imortal". Como se quisesse justificar que "o real parecia ter encontrado o mapa dos sonhos", ela escreve no conto que intitula o livro.

Sob a influência de autores fidelizados desde sua origem na década de 1960, como escritora do grupo pioneiro de minicontos de Guaxupé/MG, mas idônea de que a cada publicação procura amadurecer sua própria identidade estilística, cuja visibilidade literária se faz sentida neste A Sombra dos Inventados, Francisca está inteira nos contos que fazem por merecer sua construção bem urdida.

Confira-se neles, a propósito, que a autora ora demonstra como absorveu e depurou o realismo mágico, ora tece um novo fluxo mental e ficcional, reafirmando em cada página seu estilo que pulsa tradições da melhor estirpe de inventores de uma ficção contagiante e profunda em seus enredos. Por isso é difícil apontar alguns contos como mais significativos, uma vez haver unidade criadora em todo o livro, sempre em nível muito alto de resoluções ficcionais. Experimente o leitor ler o livro de modo aleatório e terá a certeza de ser surpreendido positivamente em cada conto.

Francisca herdou muito do existencialismo, a maioria dos seus contos reflete sobre a existência para fazer sentido a quem quer saborear uma narrativa rica em detalhes falando nas entrelinhas, o que só faz por atrair de maneira mais intensa e densa a atenção do leitor, com um fraseado mínimo, rítmico, escorreito. Por isso não é exagero algum afirmar que alguns de seus contos são merecedores das mais rigorosas antologias.

O leitor vai sentir que em alguns contos a autora é conscientemente inovadora, e que no corpus do livro houve a intenção precípua de selecionar um conteúdo supimpa para fazer jus à grandeza de sua invenção literária e a importância que ela dá ao seu leitor. De outra feita, notar-se-á também sua fidelidade à sólida formação cultural, linguística e literária, como quando escreve "estou sempre reencontrando meu último rastro". De fato: a contista deixa marcas.

O leitor vai observar ainda que as descrições orgânicas são comuns nos contos, a exemplo do "rosto vincado e envelhecido", do conto "Um povoado estranho", a demarcar a ação do tempo nas personagens: "Tempo imprevisto e fabulador. A seduzir com ilusões", a autora vai dizer em "Ludok". Note-se: o tempo é um fator importante em todo o livro. Mesmo porque, vai dizer George Steiner, "o tempo nasce no ser".

Outra característica comum nos contos está no atavismo familiar, remanescente kafkiano como que a registrar um real imaginário. Exemplo: "Um contato na solidão".

Francisca Vilas Boas é hoje, sem favor algum e longe de arroubo crítico, uma das mais expressivas e exigentes contistas do país. Você, leitor(a), merece a sua companhia. Bom proveito.

 

Contato para aquisição do livro: Rua Correa Dutra, 129/C. 01 - Flamengo | Cep 22210-050 | Rio de Janeiro/RJ.

 

 

 

 

 

 

Numa época em que prevalece a desconfiança em quase tudo, ter amigos é ter uma fortuna humana. Fazer amigos é abrir crédito de confiança para alguém passar a fazer parte da nossa vida. Pesquisas mostram que, ao longo da vida, uma pessoa pode colecionar até 400 amigos, mas mantém contato com menos de 10% deles. Em média, vive-se rodeado por 30 pessoas e dessas apenas seis são tidas como verdadeiros amigos. Adultos passam menos de 10% do tempo com os amigos. E esses constituem importante ponto de referência. Ao sentir necessidade de se libertar da influência direta dos pais o jovem tem uma fase em que ter amigos é de suma relevância sobretudo para compartilhar opiniões.

Ter companhia de amigos, analisam os especialistas, reduz o risco de depressão, ansiedade, estresse, sintomas degenerativos de doenças graves como Alzheimer. Por que isso acontece? Porque família e amigos estimulam a comer melhor, beber e fumar menos, exercitar-se mais e a procurar médicos com mais frequência. Além disso, o círculo social eleva a autoestima, melhora o bem-estar e reforça os mecanismos de defesa em tempos difíceis.

Ter consciência da existência de um amigo é um bem. E isso se dá pela convivência, segundo Aristóteles, para cujo filósofo a amizade é uma alma com dois corpos; é uma forma de excelência moral extremamente necessária à vida, mesmo porque ninguém deseja viver sem amigos, mesmo dispondo de todos os outros bens.

É o amigo que nos alerta, quem nos provoca a pensar, a dialogar com o saber do outro. Amigo é como nosso refúgio na pobreza e no infortúnio, ajuda os mais jovens a evitar os erros, ampara os idosos em suas necessidades; estimula as pessoas na plenitude de suas forças à prática de ações notáveis, pois um amigo sempre faz pensar e agir melhor. A amizade "turbina carreiras, melhora a saúde e prolonga a vida". Ajuda também a praticar virtudes como ter confiança, respeito mútuo, temperança, a boa dependência do outro em decisões difíceis.

Os filósofos, amigos da sabedoria, refletiam muito sobre a amizade. Para Platão, por exemplo, a amizade é uma predisposição que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro. Para Demócrito, a amizade de um único ser inteligente é melhor do que a amizade de todos os insensatos. Amigo é bússola no oceano da vida. Segundo Epicuro, de todas as coisas que a sabedoria nos oferece para a felicidade da vida, a maior é a amizade, ainda que não nos livre das dores do corpo e da alma, nos auxilia a suportá-las. La Boétie assevera que a amizade é nossa única forma de recusa à servidão. Já Boccacio pontua: As ligações de amizade são mais fortes que as do sangue da família. Para Jean Cocteau a felicidade de um amigo deleita-nos. Enriquece-nos. Não nos tira nada. Caso a amizade sofra com isso, é porque não existe. Na visão de Deleuze, ser amigo é ver a pessoa e pensar: o que vai nos fazer rir hoje? O que nos faz rir no meio de todas essas catástrofes?

Há o cachorro amigo e o amigo cachorro, o amigo "de copo e de cruz", o amigo oculto, como há o amigo da onça. Hoje, predomina a amizade virtual, que aproxima instantaneamente mas não tem um rosto nem raiz. O amigo virtual é encontrado no ciberespaço, plugado via computador. Quando o computador está desligado, a amizade deixa de existir. Amigo virtual é mais fácil de ser "administrado". Você tem o controle da situação. Ele é resultado de muitas opções que aparentemente se apresentam na tela. Você pode "cancelar" um amigo virtual, desistir de sua conexão presencial. O mundo on line suga a pessoa para dentro do computador. O amigo virtual é virtual antes de ser amigo. "Devemos amar uns aos outros ou morrer", escreveu W. H. Auden em 1939.

A escolha certa de um amigo implica em alcançar uma rara realização humana.

 

 

 

 

 

O preconceito da xenofobia (aversão a pessoas e coisas estrangeiras) tornou-se um lastro racista no Brasil de forte cometimento por parte da população, sobretudo contra nordestinos, haitianos, africanos, homossexuais e negros. Muita gente não apenas não respeita a diferença, como desdenha e agride aqueles que integram qualquer etnia, que faz parte da imigração ou que difere dos padrões de uma classe aparentemente dominadora, mormente definida pelo poder econômico.

No Brasil, a xenofobia pôs por terra o chavão de o povo brasileiro não ser preconceituoso, quando na verdade pratica racismo, perseguição, indiferença, e tudo que diz respeito justo à falta de respeito.

A Constituição prevê a igualdade entre os indivíduos, mas tem-se a todo momento, inclusive pela internet, registros racistas que começam como piadas que ridicularizam pessoas e as expõe, sob pressão, à exclusão social. Se o crescimento e a expansão da sociedade, dos meios de comunicação e dos transportes foram sumamente importantes para o avanço da globalização, foram também responsáveis negativamente para a difusão maciça de preconceitos, batendo de frente com a diversidade cultural, com o alto crescimento demográfico, criando genericamente formas de discriminação e de avanço de preconceitos.

A existência de conflitos étnicos traz em seu bojo as discrepâncias sociais e econômicas, que por sua vez levam à desintegração moral. Além do forte preconceito contra segmentos da população local persiste em larga escala a problemática contra imigrantes que aqui se arvoram a duras penas atrás de uma oportunidade de sobrevivência, integrados à sociedade de modo humano, útil, participativo e ético.

A xenofobia provoca a nulidade do indivíduo, além de constrangimentos e humilhações, indiferenças traumáticas e riscos iminentes à vida. O modo de ser e de agir, de falar ou de professar uma dada religião, de usar roupas e de praticar tradições seculares trazidas com a esperança de aceitação no país não constituem crime algum, mas, ao contrário, deveriam ser uma tentativa de a cidadania receptora exercer seu poder de aceitação daqueles que são premidos em seus países de origem para ser autobanidos.

A exclusão social condena ao fracasso humano milhares de indivíduos que se arriscam em conseguir uma nação decente onde possam fazer valer suas prerrogativas de seres que foram expulsos de suas nações por intolerância religiosa, escravismo ideológico e político, por interesses escusos que do outro lado do mundo pressionam os países receptivos a um asilo que não obstante a caridade imigratória também precisa ser questionado.

É o caso, por exemplo, da França, segunda maior potência da Comunidade Europeia, que se der acesso a 5 milhões de migrantes em 2016, como querem alguns, pode comprometer ainda mais sua situação socioeconômica que tem hoje 3 milhões de desempregados, 100% do PIB comprometido com a dívida pública e 8 milhões de habitantes na linha de pobreza. Como é preciso também refletir sobre o fato irrefutável de haver na atualidade 60 milhões de refugiados do mundo, 80% desse contingente ao alcance do território europeu que se sentiriam estimulados a seguir parentes e amigos ali já instalados. Dos 20 milhões que deixaram seus países em 2014, informa Hilário Franco Júnior, professor da USP, apenas 100 mil retornaram a eles. E diz mais: "A Europa com sua cultura do acolhimento, da tolerância, da fraternidade e da solidariedade, que tenta apagar o colonialismo violento, as duas Grandes Guerras, a guerra civil espanhola e o Holocausto, parece querer se responsabilizar pela miséria do mundo e pela tarefa de "civilizar" os recém-chegados". E faz a advertência: "É preciso aceitar que algumas vezes uma tolerância mal dosada, por razões políticas ou filosóficas, gera mais adiante uma intolerância muito mais violenta do que aquela que se quis evitar. Hoje, mais do que uma crise migratória ou de uma crise humanitária, a Europa está diante de uma crise identitária, e esta pode provocar reações incontroláveis. Os generosos de hoje podem se transformar nos monstros de amanhã, pois a espécie humana é Dr. Jekill e Mr. Hyde. Se a boa literatura não é feita com boas intenções e bons sentimentos, dizia André Gide, o mesmo podemos afirmar da política".

 

 

 

 

 

Basta acessar a internet para se ter uma profusão de coisas medíocres estampadas diante dos olhos, bobagens que alimentam a curiosidade de milhões de internautas ávidos por uma fofoca, um barraco, uma moda da hora, um babado capaz de até comover os indiferentes, tamanha gratuidade latente no contexto da informação midiática. O que impressiona é a quantidade de mediocridade contida nesse tipo de noticiário permanente, que ocupa o tempo das pessoas sem acrescentar nada as suas vidas, uma vez também que agora o indivíduo é moldado pela globalização e suas forças anônimas: onipresente do mundo virtual, já ninguém sabe ou precisa saber quem posta a informação medíocre que no entanto mexe — às vezes profundamente — com a cabeça e é claro com o bolso de milhões de pessoas que sustentam o novo senso de insignificância a partir da internet. E essa é a prova mais cabal da existência do totalitarismo tecnocrático, quando a imaginação rasteira contida na informação imediatista constrói utopias da massa de gente da pós-modernidade que aparentemente parece, diante do computador ligado, não ter mesmo mais o que fazer. É desse modo que os tempos atuais buscam controlar nossa memória e nossa linguagem, tornando-nos indivíduos à revelia da autoconsciência e em domínio pleno do livre arbítrio para discernir conteúdos sérios da enxurrada que não leva a nada.

O que há de importante em informações como "Deborah Secco evita a retenção de líquido; namorada de Cauã rebate comentário sobre traição: mulher de Gagliasso nega ter ciúme de Mari Rios; descubra o significado das tatuagens dos famosos; Munik ameaça Ronan por ele tentar beijo; Hassun impressiona com boa forma em foto surfando; Ana Maria Braga chama atenção com decote generoso; Ludmilla volta a mudar visual e adota long bob platinado; Sabrina revela como começou namoro com Duda Nagle"?...

O mundo dos famosos nutre a curiosidade medíocre da lógica do poder, sobretudo, da Rede Globo, numa prática corriqueira e boba que continua ou prolonga a existência do que merece existir, para satisfação de milhões que passam a ter relação de dependência com a intimidade dos poderosos da mídia. Por trás dessa lógica grotesca e absurda existe um marketing muito bem instalado com a inteligência da propaganda destinado a faturar alto com a venda de produtos cuja eficácia só é comprovada pela opinião dos famosos vendedores virtuais (com o suporte da mídia televisiva), robustamente bem pagos com cachês que só fazem aumentar sua influência entre os consumidores incautos. O noticiário da internet, em quase sua totalidade, é estrategicamente difundido para dizimar, deformar, restringir e esvaziar tudo o que é sério e que possa "concorrer" para dominar a atenção de milhões de abúlicos que cada vez mais  por opção  perdem até o direito de escolher entre perdas e danos do seu próprio altruísmo. Lá nos anos 60, o líder negro Martin Luther King já dizia: "Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez conscienciosa." No fundo, esse cenário da mediocridade armado nas redes sociais, longe de contribuir utilmente para uma integração universal, concorre de maneira veloz, ou seja, instantânea e planetária, para espalhar, propagar e cultivar a ambiguidade e a insegurança da estratégia de dominação, mantendo na internet uma regulação normativa que milhões de pessoas pensam a respeito do que não faz pensar, mas que é mero consumo. Essa cultura imediatista e apressada tem por objetivo promover a renegociação do significado da vida (Z. Bauman), que já não se baseia mais no impulso de "adquirir e acumular", mas de "descartar e substituir".

E essa farta substituição de caras e bocas do mundo midiático é que constitui a "tirania do momento", que se processa na internet com o "dilúvio de informação" quase sem sentido que rola no computador. Essa força da mídia virtual estabelece, por sua vez, o padrão das relações consumidor-mercadoria no qual tudo é descartável, sem incidentes de rejeição, mas tudo pronto para ser substituído assim que é feita uma nova oferta no mercado da internet. O pior nesse contexto é o conteúdo da mediocridade eliminar toda voz crítica dos internautas e sacrificar para a cultura inútil o questionamento das decisões coletivas e anônimas que ousem fazer confronto com o mundo virtual. Não é à toa que tudo o que é sério é tomado como perigoso, incerto e inseguro midiatizado pelo poder empresarial que tem por única função vender a si mesmo como simulacro, considerando a estratégia de que "os seres humanos são incompletos sozinhos", e que por isso dependem de consumir mediocridade como forma de ter companhia para seus devaneios. Contudo, a advertência: conheça seu inimigo.

 

 

 

junho, 2016

 

 

 

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