©massimiliano sarno
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Tout passe, tout casse, tout lasse*.

Victor Hugo

 

 

De repente, o meu amor, esse amor ora tão profundo, descansou. Deus ensurdeceu de tanto ouvir minhas orações.

 

 

Abro aquela caixa e não há confusão. A caixa onde estão as minhas memórias, já que não as carrego mais.

 

 

A verdade é que desisti da poesia porque mandei o mesmo poema para diferentes pessoas. Todas acharam que o fiz pensando nelas, mas já nem me lembro para quem era. Ficou o poema, isento. Eu não vivo assim, com isenção.

 

 

Sempre declaro a posse, sem saber, certamente, a qualidade da terra. Compreendo agora por que consigo produzir grãos em qualquer terreno. Por isso, não senti raiva quando elas foram embora.

 

 

Um motivo revelado depois de vinte anos ainda tem importância? Ontem eu soube, de sua própria boca, que ela gostava do meu amigo, em vez de mim. Por isso disse não. Sinto graça porque soube o motivo verdadeiro, ainda que tardiamente. Talvez eu respondesse a mesma coisa, convenhamos, crianças não têm tato, nem sabem o que é tato. Ela não quis ficar comigo nem ficou com ele. Ele gostava de outra pessoa.

 

 

Uma vizinha, muito simpática, calada, com bonitos olhos e bonito sorriso, mora alguns andares acima de mim. Ela me cumprimenta, conversa um pouco enquanto dura a ascensão do elevador. Os andares não apenas nos separam, o concreto e os tijolos entre os apartamentos são tão rígidos que nem eu posso rompê-los.

 

 

Eu, caminhando, me obrigo a olhar à frente, sempre à frente, não para o lado, para ver se há alguém em minha companhia.

 

 

Pela primeira vez em minha vida, primeira vez, presencio a ausência do amor. Vou a todos os destinos ou ao outro lado da rua, depois de presenciar o furioso ressurgimento das coisas.

 

 

Tudo começou a mudar quando achei uma peça de roupa debaixo do travesseiro. Esquecida, ela...

 

 

Meu primeiro amor, meu primeiro amor reapareceu. Inesperadamente. Faz tanto tempo que aconteceu! Ver seu rosto, aquele rosto que estivera ao meu lado, e senti-la presente, guardada e consequente, faz com que eu navegue novamente rumo às Américas, em busca de uma riqueza que julguei esquecida em mim.

 

 

Você cisma e muros caem. Portões abrem-se.

 

 

Seus gestos não são harmoniosos. Aguardo a conquista de tudo.

 

 

Teu sorriso, rendeira, é o sorriso da amendoeira.

 

 

Sou bastante esperto em dizer sobre meus sentimentos por aí. Como se sente quando falo de você? Talvez não seja boa ideia apregoar a seu respeito. Parece puro desrespeito. Você gosta de mim, contida. Por isso, me é tão querida. Guardo. Guardo. Guardo. Guardo.

 

 

Te

cultivo.

 

 

Continuei a olhar seus olhos castanhos, depois desse dia sem paisagens.

 

 

Essa mulher faz um mundo. Eu, não aviso, apenas afirmo:

— Quero entrar.

Ainda que não possa, percebi que já vivo em outro lugar.

 

 

Abro os olhos no curso da madrugada, sem me preocupar com meu descanso. Acordo porque quero. Porque sou acordado.

 

 

Para Ana Elisa Ribeiro

 

 

Meu amor por ti é um diamante que nasceu depois que eu te conheci. E tê-lo me faz provido de algo sem valor de mercado, sem possibilidade de comércio. Eu tenho um diamante do preço de um Sol.

 

 

Você é uma janela aberta em um dia sem nuvens.

 

 

Inundado de você, transbordo.

 

 

A garrafa de água fica do lado de fora, não guardo na geladeira. Gosto do gosto dos dias.

 

 

Estou ficando cada vez com menos cabelos. O tempo me descobre.

 

 

*Tudo passa, tudo quebra, tudo cansa.

 

 

março, 2016

 

 

Rafael F. Carvalho (São Paulo, 1978) é autor dos livros A Estante Deslocada (2011), A Cor do Sal (2013) e Terceiro Livro (2015), publicados pela Editora Patuá. Bacharel em Letras pela USP. Colunista da revista Samizdat desde 2012. Tem textos publicados em antologias e revistas brasileiras, sendo os mais recentes do Suplemento Literário de Minas Gerais. Mora em Belo Horizonte.

 

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