A poesia brasileira dos últimos anos tem produzido autores que exercem uma poética inventiva, resistente e muito significativa. Poesia que contesta a ideia blasé (que exprime completa indiferença pela novidade), alardeada por alguns de que vivemos um vazio cultural. Aos contestadores de plantão, saliento que estamos a nos referir à poesia contemporânea, e como tal, em construção. Mas afinal o que esperar de um poema? No mínimo, que promova no leitor uma subversão emocional e mental próxima à que o autor sentiu ao escrevê-la. E, como estamos embotados pelo excesso de estímulos sensoriais vamos ficando insensíveis e indiferentes.

Wellington Souza escreveu o volume de poemas O monstro e seus vazios. Herdeiro de um certo desespero de geração, esse autor se mostra empenhado em concatenar efeitos de sentido e relações de significação bastante frutíferas, nas quais se nota claramente o ímpeto de resistir à dissolução pós-moderna, respondendo consistentemente às dúvidas apresentadas à uma geração cada vez mais cônscia dos impasses do seu tempo. Não obstante a contenção e economia de meios de que se apropria para tanto, Wellington reverbera uma voz múltipla, intensa e de sutil carga metafórica que comunica e denuncia o profundo desconforto existencial e social que nos afeta. Em seus poemas estão elencados os transtornos que o (nos) assaltam: a consciência crítica sobre as misérias do cotidiano, as contradições entre a realidade e seu registro lírico, o amor e seus desencontros, os vazios existenciais e enfim, a problemática dessa vertigem de abismo em que nos metemos.

É com o que nos deparamos no pequeno volume de poemas dos quais não podemos nos furtar de citar alguns de excepcional representatividade: "Concisos e as Realidades", "Finjo ser Sorriso", "Me Jardinaste", "Poeta na Cidade", "Sobre as Pequenas Importâncias", "Sampa e Sombras", "Segunda-feira".

Nas situações instáveis, a poesia costuma se manifestar com vigor e é, onde também se revela o sentido de ligação com o contemporâneo. O artista/escritor contemporâneo é aquele que mantém — como o disse o filósofo italiano Giorgio Agamben — o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Infelizmente, ainda estamos a braços com duas lutas terríveis: uma interior e outra exterior, uma para chegar à superação das velhas formas de vida e outra para não ser esmagado pela agressividade do outro. O mundo tem praticado a luta da agressividade dirigida contra o próximo e insistimos em permanecer num nível evolutivo que é a nossa própria condenação, pois bem sabemos quais as dores por que passamos. Nosso dilema persiste inabalável; almejar desesperadamente a felicidade e, no entanto, condenados a um sofrimento do qual não é possível sair senão por esforço próprio. Que ninguém se iluda. Daí pululam "os monstros e seus vazios", imersos num cansaço absurdo de tudo (cansaço é palavra recorrente na obra do autor).

É preciso fazer nascer um novo ser... Clarice Lispector sabia disso: "Quem nunca se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?" (In A hora da Estrela). Wellington Souza intuiu pela mesma via e seu belo livro o atesta.

Apenas dois versos do poema "Benditos" (p. 88):

 

... benditos os que dizem na forma de poema

benditos os que são cumplices dos crimes diários

punidos à noite

 

 

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O livro: Wellington Souza. O monstro e seus vazios.

São Paulo: Benfazeja, 2015, 96 págs.

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setembro, 2016

 

 

Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor e pesquisador. Autor de Il Crime dei Caminho Novo (romance histórico), Gato de Telhado (contos), Um Novo Século (contos),  Embriagado Intelecto e Outros Contos e Doze Contos & Meio Poema. Tem participação em 22 coletâneas/antologias, algumas resultantes de prêmios literários. Possui textos publicados em revistas literárias no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro, publicado pela editora portuguesa Chiado, O Touro do Rebanho, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional — Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ, em 2014, na categoria Romance.