Li a A verdadeira história do século 20 quando ainda era inédito. Ele traz também a respiração de um livro invisível e se abre para o que é visível em nosso tempo: afetos e angústias, nas imagens que se sucedem nos cinemas e nos poemas, eclodindo em nossas cabeças como um chamado também ao filme interno. O poeta diz: "cinema, seu verdadeiro nome é confissão" e nossas impressões se ampliam. Não estamos sozinhos na sala, as vozes se somam, como se Reichenbach, Hitchcock e Bergman fossem interlocutores nos ensinando a ver os símbolos de perto, com o devido respeito também ao que não se revela.

Fazer poemas sobre filmes é como um relato de sonhos, psicanálise delicada. O poeta faz seu filme sobre os filmes, das imagens à sintaxe, ganha a poesia. E nosso olhar se derrete, como "montanhas de manteiga ao sol".

Depois, ainda há um salto para dentro de emoções singulares. Entram o poeta surrealista e o poeta beat. O primeiro trançando cabelos e pensamentos sobre as cidades, poeta urbano dos monumentos sentimentais construídos com as musas, tantas, como num passeio de mãos dadas com uma galeria feminina. Nenhuma tem nome, todas são poesia, o tempo é subvertido, não há passado nem futuro, tudo corre num presente inapreensível, um tempo líquido, mobilidade sôfrega ainda com linguagem de cinema. Mas é a vida que passa, em cenas surreais sem o crocodilo de Pierre Schöller porque não há propriamente angústia. O exercício é lírico, de uma liberdade surpreendente, com a beleza acachapante dos colírios de palavras.

 

 

Vem o poeta beat, celebra o sexo e as orgias silábicas, a transgressão pelo corpo e pelo verbo, a construção de um mundo novo que ficou nos parques e nas praias, nos acampamentos onde havia tempo para o pôr do sol e o levantar da lua. Poetas leviatãs do risco, magos da ousadia estética misturada à vida, experimentalismo na própria pele.

Poema depoimento, poema testemunha, poema como a respiração que buscamos de olhos fechados para abrir as portas da percepção. Sobretudo, a síntese de um grande caleidoscópio de palavras, eis a minha impressão.

O poeta agradece ao diretor de Persona por lhe dar a chance de criar o "mais hermético dos seus poemas". Eu agradeço ao poeta por não decifrá-lo inteiramente. A arte sempre terá sentidos obscuros.

 

 

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O livro: Claudio Willer. A Verdadeira História do Século 20.

Lisboa/Portugal: Apenas Livros, coleção Cadernos Surrealistas Sempre, 2016, 36 págs.

Encomendas: apenaslivros2@gmail.com

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março, 2016

 

 

 

Célia Musilli (Cornélio Procópio/PR) é jornalista, cronista e poeta. Mestre em Teoria e História Literária pela Unicamp. Autora de Sensível Desafio (poesia, Atrito Arte, 2006) e Todas as Mulheres em Mim (prosa poética, Kan e Atrito Arte, 2010). Integra algumas coletâneas, entre elas, É Duro Ser Cabra na Etiópia, organizada por Maitê Proença (Agir, 2013), O Fio de Ariadne (poesia, Atrito Arte, 2014) e Especiarias (poesia, Atrito Arte, 2015). Escreve aos domingos na Folha de Londrina, é colaboradora do site Carta Campinas e presta assessoria de imprensa para grupos de arte e cultura. Tem textos e poemas publicados em várias revistas literárias, nacionais e estrangeiras. Vive em Campinas/SP.

 

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