*

 

 

De aspecto morno

ela rogava o

mormaço

Plantava avencas

imaginando tílias

Batia os calcanhares

esperançosa

de voltar ao útero

Socorria banhistas

afogados em lençóis

Metralhava melancias

e engolia os caroços

Recorria ao alfinete

de gancho onde

nascia-lhe um

tumor.

Passou a amamentar

a vizinhança

os ossos tornaram-se

quebradiços

a pélvis, agora

dormia

em berço cor de rosa

Parou as doses de

testosterona

Morreu

sozinha

afogada

em leite.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Tive bem perto da loucura

mesclei-me a ela

pedi desculpas ao louco

Tive bem perto da loucura

não era eu (a louca)

ele — chutou —

cuspiu

eu pedia desculpas

à loucura

do outro

engolia

encolhia

pedi desculpas

pela loucura

do outro

Tive bem perto da loucura

tentou cortar meus pés — estes não!

Fujo (deixo os sapatos)

pelas pedras portuguesas

o louco era o outro.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Cultivadora de musgos

matei os cactos

afoguei-os em excesso

de lágrimas

sem filhos

cultivo musgos

em potes de vidros

com tampa

eles crescem

sem meus olhos

a família

em terrário

sem mãe

pra que não

mate

os musgos.

 

 

 

 

 

*

 

 

O dardo em um lance incerto ricocheteou em paredes paralelas. Tonto e estrábico, perfurou a moça de saias largas. Manca de ancas fartas e sandálias leves, caminhou em sangue até a superfície plana. Tirou a saia e em calcinha de algodão azul, dançou e coagulou.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Ela era Artemísia.

Leitor de Nabokov

o pai deu-lhe o nome.

Flor rica em pólen

protetora dos partos

deu cria cedo

um botão por ano

nascidos em pedra

todos sabor de absinto

assim como Artemísia

degustados por seu pai.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Posso sentir o peso

da cadeira

ela arrebenta

e deixa lascas

Minha coluna se dobra

ato involuntário

os músculos se contraem

sustentam o próximo golpe

A cadeira perde as pernas

os hematomas são rojos

o encosto é arma

incha, sangra

meu corpo no chão

os hematomas são roxos

o corpo quente

sangue que inflama

o sol toca parte do meu

calcanhar

sobe até as

coxas

roxas

hora em hora

agarro os pés

da mesa

puxo meu corpo

até sentir a proteção

do mármore

por cima

do meu corpo roxo

Agora é esperar

a lua

maldita

até o fim das cadeiras

até o fim.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Alguém imagina a insídia

traduz alvura

em noite gagata

Alguém tem olhos fechados

amanhece conhecedor de bueiros

Alguém joga no grupo I

avestruz de plumagem albina

Alguém planeja a insídia

cospe o lodo e

exala hálito de capim-santo

Alguém conta percevejos

do colchão

separa os mancos

dos cegos

Alguém prepara a rinha

de palavras

divide sibilantes alveolares

de não alveolares

Alguém arquiteta a insídia

para homens de esgoto

(de laboratório são limpos)

Alguém tonifica

músculos da língua

sorve pimenta e

se entrega a espuma de coco

Alguém executa a insídia

não resta uma lua

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Só sei que te comprei com palavras inbox e apelei ao pagar a lanterna daquela van que quebraste com seu skate, em um acesso de fúria.

Perdoei seus hormônios.

Só sei que te comprei com aquele motel barato no centro e apelei com um pedaço de pudim e vitamina de laranja na padaria das putas e travestis.

E tu, o que fizeste?

Me deu teu gosto e roubaste minha alma.

Demônio.

 

 

 

 

 

 

As andorinhas voltaram

 

 

Geneticamente modificado

salta degraus do longo polímero

quebra em voz baixa

ligações açúcar-fosfato

assombro inesperado

em indivíduos de virgem

emulsiona os cabelos

em vitaminas para cavalo

(e os arranca

rente a cabeça)

cultua cavernas

alcoólicas

religiosas

emerge do núcleo

em metáfase

em dois

azul/

castanho

o lado esquerdo

repele o direito

e

em apoptose de

cordas vocais

murmura

"senti sua falta"

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Não tem ninguém por si

ninguém que o estime

espera o olhar atravessado

dos morenos

que ali passam

Pensava neles

como cavalgaduras

Ele, o cavalo

lhes deve o reino

Rouba a potranca

que não lhe serve

prefere o pouso dos abutres

na carne edemaciada

Rouba-lhes o viço

egoísta que é

Rouba-lhes a primavera

quer as flores só pra si

Rapaz encantado

arco-íris sem fim

Rouba-lhes as íris

razão da cegueira

a seus olhos

Malandro de escafandro

aberto

Toma a vida

dos que o arrombam

Abre-se todo

recebe o falo

devolve os ossos

Não se ouve

os berros.

 

 

 

 

[imagem ©thiago freitas]

 

 

 


 

 

 

 

Karin Krogh nasceu em Mogi das Cruzes, em 1972. Formada em Farmácia pela Universidade Federal do Maranhão, com mestrado e doutorado em Biologia Molecular pela Universidade de São Paulo. Apaixonada por livros, literatura e suas duas filhas, tornou-se contadora de histórias e publicou o livro infantil Dondila e Jurema (Giostri, 2014). Faz parte das coletâneas, Favo de Mel — Escritores de Jandira (Jangada, 2015) e Contemporâneas: Antologia Poética, (Vida Secreta Publicações, 2016). No mesmo ano, publicou seu primeiro livro de poemas, Insídia, pela editora Patuá.