©guille verano

 

 

 
 

 

 

 

 

Beside B-side

 

 

Não soube o que era gostar

Até gostar de você

No amor, quando se é aprendiz

Gosta-se do que se vê

Ou do que a pessoa diz

Do que reflete a matriz

Daquilo que a gente é.

 

No amor, se julga feliz

Aquele que ama o que vê

Mas vê como é, parcial

— É parcial que a gente é —

Porém, pra se amar total

Há que se ver lado mau

E amar este lado igual,

Amar inteira a mulher.

 

Pois que o amor é universal

Além de nós nos faz ver

No amor não se é só pra um.

 

Você gostar de mulher

Não, não é fato comum

Mas é lindo, é bom, oh se é

Menina, é bom demais, hum

Tudo em você é bom, se é.

 

Vejo a banda podre em zoom

E meu coração faz boom

Mostro meu podre também.

Talvez o amor de urubus

Ou mesmo dos goiamuns

Que comem carniça, até

Que seja amável que nem

O dos pombinhos que num

Chamego com seu chuchu

Vivem fazendo neném.

 

Entre o pombinho e o urubu,

Vi, diferença não tem:

Pode-se bem comparar

Pois, quando junto a seu bem

Toda natureza é igual.

 

No cais, no trilho do trem

Onde a pomba foi morar

Deu de devorar também

A podridão que tem lá

Pois que lá podridão tem

Que nem em todo lugar.

 

Na podridão se há de amar

E em todo lugar, que nem

Neste universo não há

Lugar que se viva sem

Amar, regra universal.

 

Assim que digo, meu bem:

Não soube o que era gostar

Até gostar de você,

Em você dois somos um.

 

Primeiro foi meu bebê

Gostei de ser seu papai

Quentar no meu colo nu.

Depois, ser sua mulher

Nós duas num esfregar

Bárbaras amigas, hum

Delícia tão incomum.

Por fim, teu seio mamar

No acalento dos bebês

Uterinos me envolver.

 

Ser teu filho, tua mulher,

Teu prostituto e teu pai,

Enfim tudo poder ser,

Pegar inteira, enxergar

Tudo que você puder

Mostrar, e o que não quiser

Minha intuição vai ver,

Inteira vou enxergar

E amar, contigo ser um

E o seu arroto, o seu pum

Poemas que me disser,

Tudo será um só conceito

Feito o bico do seu peito,

Feito os seus óculos, feito

Os pelinhos do seu cu.

Ser seu gourmet goiamun

Dar minha alma de urubu

Me escancarar pra você.

Eu gosto do que se vê

De você, mas gosto igual

Gosto do seu lado B.

 

 

 

 

 

 

Poema Cartilha

 

 

Do teu perfume quero inteiro o frasco

Teu corpo flambado de orvalho fresco

Divar, enriquecer, fugir do fisco

Comprar um cadillac preto-fosco

Amor num sofazinho ao lusco-fusco.

 

 

 

 

 

 

Influências, Raízes, Ancestrais

 

 

Sou um poeta do Norte

Criado ni Cubatão

Falo a língua do Sergipe

Bahia e Jaboatão —

Metalinguagem, sei não.

 

Meus pai foro sempre os velho,

O grego Romerão

Que é Pai de todos, e Públio

Virgílio Marão —

Finco os pé na tradição.

 

Depois que o latim morreu

(Latido é língua do Cão)

Garrei com Dante, o mais grande

De todos — maior Irmão

Que ele tem não.

 

Mas Dante fala outra língua.

Se fala aqui no meu chão

O português derivado

De Portugal, e eu então

Toco Camões c'a mão

 

Que ele já me está bem perto.

Mais perto quele Drumão

Mineiro gênio da raça

Poeta do meu coração,

 

Viniço, Bandêra e Chico

Pai, avô e mais velho irmão

Respectivo nessordem

Pra mim queles vão.

 

Se fomo falar de prosa

Sigo o que fez Machadão

Cuma pitada de Rosa

Que é muito bão

E fico pelaqui, num gosto

De exprimentação.

 

Sou um poeta bem tosco de Cubatão —

Malarmê, Lemisque, Décio, os Campo,

Aqueles dois irmão —

conheço não.

 

 

 

 

 

 

Rosário

 

 

Reza, pequena, não é preciso orar

Reza somente e vê, tudo melhora.

 

Toma cá este rosário, fia-te nele

Repete, conta a conta, a Ave-Maria

E a cada conta grande diz, Pai-Nosso

 

Lembra, a fé nasce onde a razão termina —

Alguém já se ufanou deste sofisma —

 

É frase feita, sem menor sentido

Porque a razão, e o ouro e a ambrosia

E a alquimia, e o gênese, é da fé

Que nasce tudo, sim, pequena minha.

 

Reza, pequena, porque é bom rezar

Que importa se não crês, basta ter fé

Ter fé é mais que tudo, é mais que crer

Porque pra crer se crê é com a razão

E a razão, que é ela senão ego?

Senão uma certeza de ser Deus

Senão uma ilusão do mundo denso

Que é tão denso que se desmancha no ar?

 

Reza, pequena, pega o terço e reza.

Tão sem razão chamar rosário terço

Eis que um rosário faz-se em quatro quartos

Quatro mistérios, e um bem doloroso.

Mas a razão é isso, é puro engano

E arroga-se razões que não sustentam.

 

Acumular conhecimento e ouro

Os frutos da razão, redunda em nada

No último alento ficam, pra tristeza

Daquele que os juntou com tanto zelo

E vê se esboroar no grande Nada

O tudo de fortuna que consegue.

 

Reza pequena, repete o rosário

Maquinalmente, reza assim, sem crer

Tu não és crente mesmo, e ainda bem

Que crente é aquele que só usa a razão

Pra explicar por matéria o que é de limbo

E de éter, fino tecido inconsútil.

Os crentes creem que Deus lhes dê matéria

Teologias de prosperidade

Querem famílias, posses, grandes carros

Pregam colantes: "Foi Deus quem me deu".

 

Eles não rezam, oram, se dirigem

A Deus, julgam privar de intimidades

Fazem enormes homenagens a Ele

Achando mesmo que tanto Se importe

 

Reza, pequena, reza só, não ora

Pois tu não crês, mas te vejo tão triste.

Reza somente, repete este mantra

Maquinalmente, reza sem questão

Reza sem crer, crer a Deus pouco importa

Só de rezares, no teu desespero

Vai-te Ele ouvir, demonstras assim fé

Uma fé ínfima, largada ao fundo

Do poço de esperanças em que afundas

Já num último estágio, já perdida

Se ainda assim a Deus diriges fala

Mesmo sem crer, só o fazes pela fé

A verdadeira fé, já sem esperança

Nem caridade, nada, a fé que resta

Ultimo alento do homem na jornada.

 

Reza, pequena, sem fé nada se é

Reza sem crer, mas reza, porque é bom

Deus te ama não por creres, não precisa

Solenemente ignora as honras tuas

Se Ele quisesse fazer crer fazia

Tornou-te ateia, cínica, ou agnóstica

Só pra que um dia a Ele suplicasses

De brincadeira, achando que Ele ignora

Ou que nem tem um Ele a te ouvir. Reza.

 

Reza o rosário, vem, reza comigo

Canta um Salve Rainha, bem mecânico

Cospe as jaculatórias, põe pra fora

Repete o mantra, mesmo assim, sem crer.

 

Ao repetires, tu a mim te somas

A mim e a toda a egrégora do Cristo

E sem que tu acredites ou desejes

Sem tua impotente vontade, sem

Que tu controles e a razão te explique

A força da corrente, a religião

Todos ligados nUm, Ele socorre.

 

Reza pequena, reza assim, sem crer

Se creres vai ser bom pra ti, vai ser,

Mas Deus, Ele se lixa de tua crença

A Ele importa mesmo é tua fé.

 

Reza, querida, reza, te abandona

Solta este último orgulho e te ajoelha

Reza na só esperança de que ao fim

Se não te fizer bem, mal não te faz.

 

Reza por pura fé, nada a perder —

E logo estarás a rezar de Amor.

 

 

 

 

 

 

Vale do Amargor

 

 

De tanto pecado

Que os rios lhe carregam

O mar é salgado.

 

O rio, que era doce

Ganhou tanto poema

Que ficou melado.

 

Eu ando diabético,

e amargoso,

e calado.

 

 

 

 

 

 

O Poeta Delegado

 

 

Poesia é pra mim compulsão, é tara

É o que me faz sentir pertença ao mundo

Mais que gritar, que matar vagabundo,

Pegar ladrão e dar tapa na cara.

 

Da lama, então, brota uma verve rara

Feito pérola em mangue, do submundo

Policialesco vem verso profundo

E se não vier, boto um no pau-de-arara.

 

Detesto os poetas sentimentais

Eu faço versos prendendo malaco

Palito em unha, eletrocuto saco

Não acredito em musas e quetais

 

Da minha vida na delegacia

Eu não arranco suspiro a les femmes

Mas da brutalidade dos PMs

Juro que arranco a mais pura poesia

 

Vou publicar agora o meu volume

De versos feitos no meu duro ofício

Tanta tortura arbítrio e sacrifício

Podia render um frasco de chorume

 

Um elixir, se eu fosse perfumista,

Mas sou poeta, então faço poemas

Dos hematomas, chagas e postemas

Que provoco em bandido e comunista

 

Vai ter noite de autógrafo e sarau

Presença de grandes autoridades

Homens de bem, leitores de verdade

Do mundo jurídico e policial.

 

Se algum hippie nojento então vier

Se arrogar a crítico ou literato

Se falar de minha obra eu pego e mato —

Fica o recado, fale quem quiser.

 

Só não se me acuse não ser poeta

Por delegado ser, pois nada exclui:

Espírito de Deus, poesia flui

De toda a Criação, té a mais abjeta.

 

 

 

 

 

 

Poeminha Tchuco-tchuco com Cacófato

 

 

Tudo que a faca não tinha dado

o garfo deu.

mas a colher é o melhor talher

porque é mulher

Só uma coisa não é tão legal:

Colher de pau.

 

 

 

 

 

 

Convenções

 

 

Us omi gosta de puta

Ar mulé gosta de pueta.

 

Quando os omi tá em casa car mulé deles

A vida é segura e tudo corre conforme

Só as vez em quando é que eles vai

Nus putero pra pode aguentar o amargo da vida

E lá ar puta cuida deles igual minino.

 

Car mulé num é divelso:

Elas gosta de ter um lar e um omi bom

Que cuida delas, dos fi, trabalha e é honesto

Um omi decente que ama elas e os fi pra cima de tudo

De tudo memo nessa vida.

 

Mas é que as vez em quando ar mulé sonha

Com unicórnio flor e paraísos

E umas palavra bunita que os marido num sabe

Só quem sabe é ur pueta

 

Daí tem mulé que vai lá no puetero

E joga uma flor prur pueta

Mas é só banzo, elas gosta memo é da vidinha caseira

E ama ur marido e ur fi e num troca por ilusão nem nada.

 

E nessa vida de meu Deus

Prur pueta e prar puta

Fica só a sina de enfermeiros do mundo.

 

 

 

 

 

 

O Homem que Virou Samba

 

 

Altino vive na rua

Não bebe, não fuma pedra

Só vive na rua, mendigo.

Às vezes toma chuva e nem liga

Dorme atrás do cemitério

E seu cobertor fede a mijo.

 

Dizem que Altino tinha casa

Era mecânico da Volks, ganhava bem

Tudo na vida dele ia.

 

Um dia a mulher de Altino

Largou ele e foi morar na rua

Com um velho mendigo

Que não tinha merda nenhuma pra oferecer pra ela.

 

Depois dessa desilusão Altino agarrou de ser mendigo

Talvez na esperança que ela volte pra ele

Já que ela gosta é disso.

 

 

 

 

 

 

Elegia pra Chico Morrendo

 

 

Chico morrendo, as pernas já não marcham

desligaram, caranguejo tem oito

e inda comeu duas do meu amigo.

ele não come mais, só pele e osso,

a morte tomou conta do seu corpo

e seu espírito, esse é morte só.

 

Chico morrendo, as pernas já não marcham,

família se mandou, só eu de amigo,

que o Chico era um sujeito bem esquisito

assim que nem que eu, por isso amigos.

 

Chico morrendo, as pernas já não sentem,

estava assim lá atrás, faz vinte dias,

quando eu fui viajar, pensei, não via

Chico quando voltasse, mas tá lá.

 

Chico morrendo, como é triste, eu penso,

ver um amigo ir, parece a gente

que já está indo, estou ficando velho

enterrar mano é fato corriqueiro.

 

Mas chorar não consigo, não sei, acho

que virei mesmo um cínico insensível

e, penso, meu, o Chico está fodido

ou, penso assim, que bom, não é comigo.

 

Não sei do reagir perante o fato,

não sei, não sei mesmo, porque não choro

nem fico triste, raiva, sinto nada.

 

Às vezes penso assim, se fosse um filho,

ou minha mãe, meu pai, sei lá, surtava,

garrava ódio de Deus, Esse canalha

que leva os meus pra longe, de pirraça.

 

Mas quando vejo o Chico, de Deus gosto

acho Ele sábio, faz a coisa certa

o Chico tem, talvez, passar por isso.

 

E mesmo quando Ele me leva os meus

não vou dizer que choro, dos que acima

falei, só o pai é que já foi prà várzea

e meu avô também, que esse era um pai.

 

Eu nem assim garrei ódio de Deus

quando os levou daqui prà várzea grande

e nem assim chorei, mas nem no enterro,

ficava assim que nem que agora estou,

cínico-duro-frio perante o fato.

 

O enfermeiro do Chico então me fita

pergunto prele se inda tem cigarro

me diz que não, mas que, seu eu quiser, compra.

dou dez reais, me traga um roliúde,

uma bomba bem ruim, pra eu ver se eu morro

do mesmo câncer de pulmão do Chico.

 

Ele me traz, ofereço, rejeita,

"esses daí é forte, assim não gosto"

mas desse eu quero, se matar, se lasque.

 

Eu acendo um e ofereço pro Chico

que ri, não quer mais não, que agora enjoa

os que tínhamos pra fumar já foram,

foram anos pedindo guimba em ponto

de coletivo pra operários pobres

do Casqueiro que iam pra Cosipa

e largavam bituca, indo pro ônibus.

 

Eu fumo então sozinho, só de raiva,

pedindo a Deus me dê não menor câncer,

mas Deus, no meu pulmão não me faz nada,

me manda, sádico, outra cafubira,

só uma gastrite braba é que me ataca

e dá vontade até de vomitar

pra garganta me parar de queimar

Deus não me manda um câncer, feito ao Chico,

Deus é canalha, escreve em linhas tortas.

 

Eu, vendo a sabedoria de Deus,

e vendo a morte doce a rondar quarto,

e vendo este enfermeiro impermeável,

eu entro numa comunhão do Todo

e a presença de Deus me invade e eu sinto

que posso ser o Salvador do mundo.

 

Reúno então reserva de energia,

de fé, de bom sentido, força, sexo,

e decreto pro amigo moribundo:

"Lázaro-Chico, vai, levante-te, anda".

 

E o Grande Nada ri da minha fé.

e um poeta francês sussurra, doce:

"c'est pas possible, frère, ne marchent pas".

Chico morrendo, as pernas já não marcham,

o enfermeiro me diz, "de hoje não passa"

acho que passa, que o Chico é apegado

sente raiva do irmão, acha que o rouba,

mas, Chico, e se roubar?, nada mais serve.

mas o Chico é apegado, ela não larga

das coisas, do cavaco, gatos, vida,

acho que o Chico passa, sim, mais, de hoje,

certo mesmo é que muito além não vai.

 

Eu peço a Deus, se puder, que o abrevie,

mas Deus, canalha, faz de gato e rato.

não sei por que, só sei que Deus é sábio,

só sei que o Chico logo passa desta

se pra melhor não sei, mas Chico passa

as pernas vão marchar na várzea grande

e eu vou ficar aqui mais um bocado.

eu vou ficar aqui, cagando e andando.

 

 

 

 

 

 

Triste Fim de Germano Quaresma

 

 

Um epitáfio engraçado

Menos para o abantesma.

Morreu Germano Quaresma

E vivo foi enterrado

Quem enterrou adoidado

Teve por castigo a mesma

Pena que infligiu. Pecado

Com morte é galardoado

O fim se faz acercado

E não com passo de lesma.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Germano Lopes Quaresma nasceu em Caraguatatuba, em abril de 1964. Perdeu os pais muito cedo e foi trazido pra Santos, à casa de um tio, que o criou. Não possui formação acadêmica, trabalhou muitos anos na Cia. Brasileira de Alquimia, de onde foi demitido, tendo-se tornado poeta. Sua lírica é proletária e com viés que roça o pornográfico, usando elementos de cultura e linguagem popular. Morreu em 2014, quando seu livro CBA - Cia. Brasileira de Alquimia atingiu relativo sucesso. Desde então, seu espólio é representado pelo advogado Manoel Herzog.