Soneto da amizade mútua

 

 

Pintemos, amor, a ode brutal

um futuro sistemático adormecido

onde a fúria do desejo é triunfal

e a penumbra é a glória do iludido.

 

Ora, cantemos como bichos no cio

transas fálicas são bacanais de versos

a plena purificação tardia é hostil

numa liberdade de segredos perversos.

 

As incertezas são desordens mútuas

explodindo arquitetura mal planejadas

sobrevivendo apenas devoções, de repente...

 

Amo-te, sem mais, como amigo, simplesmente!

Amo-te na mais perfeita primavera tua

e amarei a rosa desejada, aberta e nua.

 

 

 

 

 

 

Soneto larmoyante

 

 

Deita os teus íntimos assombros

nos suspiros cansados d'meu peito

retira a languidez dos escombros

acende os ímpetos no amor refeito.

 

Deita os teus ínfimos tormentos

na palidez fervorosa d'meu leito

regressa às flores dos rebentos

que outrora velamos o amor eleito.

 

Adormece no mar dos meus olhos

acalma-te nesse mistério imenso

onde tua imagem reluz sentimento.

 

Que bebamos o veneno dos ópios

o langor dos corpos moribundos

e morramos nos desejos fecundos.

 

 

 

 

 

 

Soneto do último dia

 

 

Escrevo o mais nobre arrependimento

Insensatez terrena dum espírito levado

aos calibres máximos do alumbramento

os porões bárbaros findam o vil passado.

 

Em teu branco-corpo reluzi o pecado.

Ah, que medonha astúcia protagonizei

levei o lívido amor ao choro revelado

cai nos braços obtusos que tanto evitei.

 

Volto-me noutro tempo nefasto-paralítico

nego-te com ternura sã as minhas mãos

julgando as contradições do âmago analítico.

 

Num vasto arrependimento intimo dum adeus

subtraí a lealdade de nossa bendita unção

e no último dia, entrelaçados, fomos um só deus.

 

 

 

 

 

 

Soneto ao sorriso desconhecido

 

 

Eis o espanto na ribalta dum sorriso

eram sossegos na simetria das luzes

na timidez hermética de um paraíso

libertou meus agouros das cruzes.

 

Eis o desconhecido encanto conciso

o sublime resvalado diante dos olhos

a entrega ao esquecimento contido

no alumbramento dos meus imbróglios.

 

Diante da epifânica paisagem dos lábios

a eloquência verve perdeu-se no ímpeto

do silêncio sagrado dos versos sábios.

 

E o âmago febril em seu ventre fecundo

executa o choro nas ruas de outono

reverberando o sorriso que silenciou o mundo.

 

 

 

 

 

 

Soneto à mulher amada

 

 

Amada minha, ouve teu poeta!

espadas desejam nosso sangue

lâminas perfuram o que resta

e padeço-me na alma exangue.

 

Amada minha, ouve o teu poeta!

bendita és nos lírios da tarde

na ode duma açucena discreta

no beijo onde teu ventre arde.

 

A paisagem submersa nos lábios

é antídoto dum veneno infernal

sendo nosso os cuidados vários

 

E quando sentires as flores afinal

Saberás, é o meu amor nos amparos

do semblante vivo de teu sinal.

 

 

 

 

 

 

Soneto ao filho amado

 

 

Nasceste no ímpeto da glória

no império sagrado dos sonhos

és luz no crepúsculo da trajetória

onde habitam vassalos tristonhos.

 

És Alquimia dum futuro amor

vagando na razão inconfessa

amo-te ameno em teu louvor

amo-te desde da infinita espera.

 

Habitavas meu íntimo variante

Entre engenharias sentimentais

e projetos de falácias racionais.

 

Chegaste numa aurora gritante

Do meu ventre imaginário e voraz

nasceste, nos olhamos! Amor! Paz!

 

 

 

 

 

 

Soneto da canção envolvida

 

 

Embora recente a canção envolvida

a rosa secular adormece no mistério

sonhos esquecem a dor envelhecida

na masmorra dum tenebroso império

 

Ode à vossa delicadeza em roseirais!

Ode à vossa ardentia turva e sonora!

naufrágios aos pérfidos ônix teatrais

na imensidão de tua sabedoria afora

 

És adjacente a tentações grotescas 

tua existência reluz o escuro sublime

E ressalvas a razão em tuas veredas

 

Por fim, tua beleza exalta a inveja vil

nesta alvura suave, pétalas, requinte

És quinta-essência da primavera anil.

 

 

 

 

 

Poema retrato

 

 

Que belo tom as rosas uniram

uma azul, a outra, felicidade

vindas do jardim de Monet, anteviram

valsas de pássaros em ode à saudade.

 

O sol, em sua luz, mergulha no infinito

ilumina no retrato o céu do mundo

ostenta sorriso tácito em verso erudito

e revela morte do tempo no fugaz segundo.

 

O vento leva os fios sem rumo

a mão que executa a arte — chora!

a poesia confronta o lírio a fundo

mas a primavera com as rosas acorda.

 

De perto, puro impressionismo — realista

digno dos pincéis e aquarelas de Courbet

o retrato reluz o sonho olvido e futurista

de uma rosa nos cabelos de uma mulher.

 

 

 

 

 

 

Ébria confissão de uma puta

 

 

Ouço o que a noite fala

e me calo!

Falo de amor por um trocado qualquer

dano-me em noite de lua cheia.

Encontra-me, Falo!

Outra vez me calo

a fundo,

entre a pausa

de um cigarro

e uma dose de uísque vagabundo,

 

a meia-noite ameaça

declamar o enigma

as cortinas fecham-se

onde penetra agonia

onde fazia frio

talvez em um prazer confuso

de absurdo choro,

envolvendo-me à redenção.

 

As rosas pretas absorvem

meu veneno selvagem

tento-te, atenta por milhares de maneiras suicidas

entregando-me a tal luto, pois,

esquecerei de morrer.

 

A noite explora a palidez

cínica do meu outro lado

do outro,

a brisa áspera condena-me em luzes mortais

deixando apenas

meu coração que chora — nunca de amor.

 

 

 

 

 

 

Olimpíadas 2016

 

 

Do lucro

à queda

corpos

afundam

ossos

fraturados

o estado

inunda

em milhões

faturados.

 

Que onda é essa?

Nova modalidade?

Dead cycling?

Ou

Bike Lane of fear?

A vista:

Wonderful!

Really!

 

 

O céu

azul

Rio

Cidade

maravilhosa

futebol

passagem

(de)caída

dois

corpos

brozeando

a ausência

da vida.

 

 

 

 

 

 

Chuvisco

 

Cai
molha
enxuga
é frio
mas passa.
Cai como lágrima de criança
como uma esperança
derradeira a cada pingo.
Cai
alimenta:
montes
florestas
e amores
mal acalentados
cai encantado
com um leve vento
é o que vos resta.
Além do sonho
de crescer
e torna-se
uma tempestade completa.

 

 

 

 

 

 

Língua

 

 

Abre tua aurora

tua flora singular.

A língua é metáfora

em movimentos reais

dos teus trêmulos plurais.

 

 

 

 

[imagens ©kristin smith]

 

 

 


 

 

 

 

Emerson Sarmento. Natural de Recife,  o poeta e cantautor vem de uma família de músicos e escritores. Essa raiz é o cerne de toda a sua produção, tanto na música, como na literatura. Com a poesia, concorreu ao Recitata e ao prêmio SESC de Literatura. Na era do Orkut, ganhou quatro concursos nacionais promovidos pelas comunidades literárias. Logo após esses concursos, foi homenageado num sarau em Natal, onde seus poemas foram lidos e aplaudidos. Em 2012, lançou o primeiro livro, Perfume do Sangue. Atualmente, encontra-se no estúdio gravando seu primeiro disco, Verde Novo, que será apresentado online, em 2016, quando lança, também, o livro Cromossonhos, pela Editora Penalux.