Engole

 

 

Olho no espelho tentando de todas as formas gostar do que eu vejo, viro de lado, ajeito a postura, jogo o cabelo pra trás. Nada. Desisto de novo. Não foi dessa vez que surgiu o tal amor próprio. Mais um dia que chega ao fim comigo pensando que talvez as coisas fossem melhores se eu não tivesse os peitos tão pequenos. Uma voz vinda de algum lugar do apartamento chama por mim e pergunta o que eu tô fazendo, saio do banheiro em tempo dele cruzar comigo na porta segurando a garrafa de vinho, mudo a expressão pra uma mais leve e dou um gole da garrafa enquanto ele me abraça e beija meu rosto, pescoço, aperta minha bunda e me chama pra cama. Ainda era quarta-feira, mas a leveza parecia de sexta, era sempre tranquilo com ele, o único peso era o das minhas próprias inseguranças que por vezes tentavam me tirar a paz. Teve jantarzinho e o fim da menstruação, eu tinha ido com um dos meus conjuntos favoritos de lingerie pra comemorar o sexo sem restrição, ele parou os beijos pra me olhar inteira quando tirei o vestido e me colocou por cima, sabia que me observava atento e aquilo sempre me deixava desconcertada, parecia mesmo que ele tava ali por mim e não só pelo sexo. Dormimos relaxados e cansados nos braços um do outro, até eu acordar um pouco antes do despertador dele tocar, com os olhos cheios e a dor do peito se confundindo com o nó na garganta, ele tinha sumido por um tempo em uma festa pra transar com outra, era uma amiga minha, ele falou o nome dela como se pouco importasse e aparentemente mais incomodado por que ela não quis dormir depois de foder. Saí andando brava pra pegar um cerveja enquanto ele sorria meio confuso pela minha reação e não veio atrás de mim, tentava provar pra mim mesma que aquilo não tinha sido nada, mas logo fui procurar por ele de novo na festa e nem sinal, fiquei brava com o amigo dele quando perguntei se o tinha visto e ele já sabia do acontecido, continuei andando até chegar diante de uma porta entreaberta e encontrar os dois lá dentro, ele e a minha amiga, de novo, e não conseguir conter as lágrimas e a mágoa na frente dele dessa vez, que apenas riu e desdenhou ao me ver. Tinha sido só um sonho, parecido demais com a realidade que eu tinha vivido no último ano, com outro cara, mas o jeito que doeu foi real. E pensar que esse, dormindo do meu lado agora poderia me machucar do mesmo jeito, quase me fez sair daquele quarto correndo no instante que abri os olhos. Quando o alarme tocou ele rolou na cama, desligou a maldita musiquinha e me deu um beijo no rosto, aproveitei o escuro e a sonolência pra ir ao banheiro lavar o rosto, respirar fundo e não sentir por ele a raiva causada pelo outro. Tinha sido só um sonho, mas parecido demais com a realidade que eu tinha vivido. Ele se arrumou e saiu pro trabalho, voltei pra cama e abracei o travesseiro dele, dormi de novo e quando acordei dessa vez foi sentindo falta, da boca dele que eu não beijei antes que partisse dessa vez, e de mim, de quando eu não desconfiava de qualquer um que tentasse chegar perto, uma falta imensa de não duvidar que eu também merecia felicidade. Fui pra casa depois de um banho demorado, olhando o relógio de tempos em tempos, me perguntando quanto faltava pra eu ser eu de novo, goles e mais goles de uma vodca barata que comprei no caminho, pra ver se de repente dava pra afogar a desilusão.

 

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Ellen Alencar (Manaus/AM, 1989): formada em Psicologia, me arrisco na escrita desde que me lembro de existir, mas só agora dividindo com o público o que sai da minha mente caótica. Tenho alguns contos eróticos no Portal Xibé, aspiro ser sexóloga e viver mais ao invés de só existir.