O implacável sorriso da vingança

 

O derradeiro grito

nas ladeiras

do amor

gozou da súplica

e sorriu

 

 

 

 

 

 

Aquele dia de chuva pesada e você se arrepende

de não ter botado Raul no toca-discos

 

 

Tudo que deu errado vem à mente

Dos casos atados

do sorriso do amor

dos vocábulos fadados

ao sarcasmo consciente

 

O dia em que a agulha quebrou

o coração partiu

a capa do LP lembrou

as brigas bestas do fim

 

 

 

 

 

 

Vc q só quer tc no zap

depois de tomar prozac

 

 

Estive perto

informatizado

Blockbuster

 

Ative o cérebro

senhor atado

pasteurizado

pelo o que não pode ter

 

Quem quiser que fale

ou passe a vez

Nas psicoses

paranoias contemporâneas

de

cloridratos, lítios e prozacs

 

Nacionalidade brasileira

natural da internet

web cam desligo

saio à francesa

pra ter certeza

retiro o soquete

 

Pare

pense

inove

não trave

 

Fique atento

atentado virtual

doença viral

contagia arquivos

 

Vida em compartimentos

fragmentos

de filmes B

 

É tudo uma questão de escolher o sanatório

num vacilo você vive a vida

como um animal de laboratório

 

 

 

 

 

 

Origem das Espécies

 

 

Os bytes escrevem nas manhãs póstumas

Códigos binários caminham pelas ruas

Chips implantados posicionam discos rígidos

Olhos mecatrônicos dispersam sexos vívidos

 

Mapas cibernéticos das carnaúbas

em sertões virtuais demandam

seres infláveis

 

Softwares anárquicos, matam saúvas

organizam o caos de carne e osso

seres inflamáveis

 

Os beats escrevem a liberdade inebriante

Códices ordinários completam frases nuas

Chiques emuladores em festas idílicas

Poros catalisadores suam gotas sílicas

 

As mesas de bar estão cheias de máquinas

a vida líquida é armazenada em nuvens

as expressões são extintas por plásticas

o fêmur de titânio transmuta as origens

 

A inteligência artificial não é maligna

é objetiva, rápida e eficaz

O Homem, por outro lado, resigna

é obsoleto, lento e jaz.

 

 

 

 

 

 

Toda mágoa pode ser bebida em um gole seco

 

 

Peço uma cerveja

ela cruza as pernas nuas

Esse bar me é familiar

mas meus olhos seguem as pernas

e o vestido colado

 

Volto ao meu copo de cerveja

pensando que ainda

existem pessoas que acreditam

embarcam nesse transe ácido

sem esperanças de alcalinidades

 

Nas estradas do mundo

sempre haverá um bom boteco

para afogar as mágoas

 

No Cabaré Verde

às cinco horas da tarde

Rimbaud veio me dar um abraço

e uma taça de vinho

 

Foi logo dizendo que

de novo

lhe invadia a Eternidade

tal como o mar

que se vai

ou

como o sol

que cai

 

Fui embora

No quarto das estradas sinuosas

as roupas dela eram leves

as mãos tocavam meu rosto

senti a chuva cair…

 

 

 

 

 

 

O dia que Fernando Pessoa

tomou um porre comigo

 

 

Em mesas de botecos líricos

em quartos de tempos imensuráveis

Conto os dias de uma contagem infinita

De sentir o que não se deve sonhar

 

Não quero parar de amar

Tomo outra dose de cachaça

olho diretamente para você

aí sentada no balcão

 

Não saia derrotada

deboche

jogue o copo na minha cara

 

Seu tempo é agora

veja

a negra fama da minha alma

 

Fernando Pessoa uma vez

me disse não saber quantas almas tinha

pois cada momento o mudou

e o próprio tempo também

 

Falou ainda que continuamente

se estranhava e nunca se viu

ou de trejeitos se achou

Fui mais além

 

 

 

 

 

 

Rua Augusta

 

 

Óculos, cervejas e mantas flamejantes

Nos arcos belos da boemia

Encontros, festas e desejos flutuantes.

 

 

 

 

 

 

República das Bananas

 

 

No Brasil é assim mesmo,

banana dá em rama,

jerimum dá em pé de jaca,

uva dá em pé de manga,

caju dá em terra arada,

o povo é todo dando

e em Brasília,

tudo dá em qualquer lugar...

 

 

 

 

 

 

Águas de Marrecas (Gereraú)

 

 

Existe um lugar

Onde a magia existe

Esta é coisa simples

A natureza vai contar

 

Pássaros voam livres

Flores colorem o verde

É muito verde!

Frutas vivem

 

No céu o gavião sobrevoa

Imponente

Aqui a lagoa destoa

Intermitente

 

"Soinhos" pulam da mangueira

Anuns pretos nos cajueiros

A família de raposas, caça

E a coruja espreita

 

Nas casas de taipa

O fogão a lenha queima sabiá

Para alimentar o caboclo

É madeira que faz estaca

 

As redes no alpendre

O vento nas folhas

A vida no ventre

A esperança nas chuvas

 

Como é bom!

Comer caju no pé

Ou chupar manga coité

Colher o milho plantado

e vê-lo feito assado

 

Tem cururu do tamanho de sapato

De fato, o mel é das africanas

No pé, sandálias havaianas

E o menino leva o recado

 

As estradas ainda são de piçarra

O povo é daqueles que faz pirraça

 

Carroças e charretes

insistem em andar

levando vida

daqui para acolá

 

Esse lugar começou

Com a família Ferreira

Gente guerreira

Bem que se queira

Juntou-se à família Siqueira

Fazendo estória verdadeira

 

Esse lugar

das Águas de Marrecas

Pelos índios,

chamado Jererahú

Perpetua a magia

das estórias

que aparecem

nos sonhos do Uirapuru.

 

 

 

 

 

 

Dislexia

 

 

Pontes concretas

conexões perenes

distopias elétricas

realidades intermitentes

 

 

 

 

 

 

Soneto da Busca

 

 

Num dia a palavra pensa Descontentamento

Noutro faz arte Brinca de fazer encanto

Como falar sobre seu descobrimento

Revogando o direito para outro canto

 

Ela come rápido para próprio intento

Quem ignora os braços do eterno manto

E universaliza nosso sofrimento

Poucos tentam reinventar a arte enquanto

 

Então deixo que a palavra me procure

Assim como em lugares vastos estive

Nas salas da imaginação Bela Fama

 

Perdido nas ruas em busca dum aclive

Nos labirintos fabricados nesta cama

Espero que a todos, a palavra cure.

 

 

 

 

 

 

Viajando

 

 

Corri as ondas procurando você

Escalei o K2 pra te mostrar quem sou

Velejei até o Cabo das Tormentas

Nadei entre tubarões quase sem querer

Para provar que vou

Alcançar seu amor e sentir Te ter.

 

Amanheci numa ilha deserta

No Triângulo das Bermudas

Pra ver se você fique certa

Das coisas que são loucuras.

 

Tratei os animais feridos

E Doente não escapei

E ter delírios dos teus sentidos

Fui à Igreja e orei.

 

Cheguei naquela tribo indígena

E do ritual me fizeram participar

Era pra dizer que vou com você

E me deram arco e flecha

Querem a sua alma para eu atirar.

 

Ah! Dali eu fugi rapidinho

Estive em Lhasa

A Potala abriu-se para mim

Fiquei em casa.

 

Subi nas árvores mais altas

Para ver se via você

Tentei as corredeiras do Nilo

Acabei encontrando Atílio.

 

Peregrino pelo Caminho de Santiago

Na magia da própria alma

Estive envolvido

Lutador pelo corpo fatigado

 

E cadê a garota?

 

Ela que eu espero

pelos lados do mundo

No centro da Atmosfera

 

Ela que eu venero

pelas bordas do oceano

No meio da Biosfera

 

Quis entrar no foguete

que ia para a Lua

Só que tem muita segurança

E eu não gosto da estática

 

Será que é pecado?

Eu estou na Terra para viajar

E tudo que eu tenho

tenho que deixar.

 

 

 

 

 

 

PoeTinha

 

 

Eu vi na televisão

O cara era poeta

Fugiu da prisão

Não tinha uma moeda

Mas a esperança

na sua mão

E vi também que

em tal situação

Fuga, chuva, Romance...

Romance?

 

Uma mulher e o violão

Num carro derraparam

Terreno daquela

casa abandonada

 

Quase se afogaram

Mas o poeta escreve

tanto que gozava

E suas letras

salvaram

A mulher e o violão.

 

 

 

 

 

 

O Fusca do Césio

 

 

Eu sou o cravo das rosas

Eu sou o tempo remoto

Eu sou o mago das trocas

Eu sou o medo teimoso.

 

Vivo Sob pressão constante

Flash back de um beque flash

Estou sozinho, caduco, elegante.

Vida, trinco, tinto, som trash.

Vivo sob tensão sem manche.

 

Há um jeito qualquer

De não ficar melancólico, estátua,

Há um jeito, bem-me-quer,

De não ficar só Totalitário, estática.

 

Eu sou o Fusca 68

Eu sou a ferrugem estampada

Eu sou o césio 128

Eu sou a radioatividade feia e clara.

 

Eu sou o Fusca do Césio.

 

 

 

 

 

 

Afrobahidade

 

 

Quantas luvas do planeta

Fizeram a limpeza de casa?

De um Brasil africanês

E o samba Português

Ao sabor da Tropicália

Cedeu a sua vez

 

Meneio arcaico

O nordestino suingue

Embala o Brasil Sul

De racismo e demagogia

Agora ao canto vil.

 

O mar das águas cristalinas

Saleiro do ícone regional

Abranda a dor populacional

Menino inocência musical

De um mal

Sua camada Tropical.

 

A mãe Iracema sonha

Pensa, conspiração tensa.

Temalogia Ensino Dendê

De magia Caetés

Musicalidade ao tocar

Brasil Africanês.

 

Plágio Nacionalidade

Internacional felicidade

Cancionato da liberdade

Do negro afrincadô

Capoeira no Pelô

Riso, Raça, Raio

Rizoma humano na

Mata, Atlântico Desertor.

 

 

 

 

 

 

Pecado safado

 

 

Meu pecado safado

sai desgovernado em teu sabor

ao tambor dos Guaranis.

 

Meu calado pecador

vem encantador, descontrolado,

mandando do Suriname.

 

Meu recado cantado

voa encantado ao seu temor

mentor dos seus pantins.

 

Meu lado secreto

aparecendo sofredor

ao calor do mar, do céu, do jabuti.

 

Meu mundo devedor

Quimera Quisera

perdedor viciado

Paixão sonho em ti.

 

Meu mundo desejo

Inocência em teu amor

A dor de uma cena...

 

de um Bem-Te-Vi.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Daniel Perroni Ratto é poeta, jornalista, músico, pós-graduado em mídia, informação e cultura pela ECA/USP. É autor dos livros Urbanas Poesias (Fiúza, 2000), Marte mora em São Paulo (A Girafa, 2012), Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Patuá, 2014) e VoZmecê (Patuá, 2016). Cronista do UOL Música, colaborador na editoria de música do portal Culture-se.com e do jornal Diário do Nordeste. Seus poemas também estão em revistas literárias de todo o Brasil como a Revista Gente de Palavra (RS), Mallarmargens revista de poesia & arte contemporânea (PR), Revista Quincas (SP), Jornal RelevO, Revista Subversa, entre outras. Curador de eventos literários como a Quinta Poética na Casa das Rosas. Em 2015, Daniel Perroni Ratto foi um dos poetas selecionados para integrar a "Exposição Poesia Agora", no Museu da Língua Portuguesa.