©peechayaburroughs
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Eu adorava fazer aniversário. Lembro-me de certo janeiro em que eu estava de cama, com alguma das chamadas doenças infantis, provavelmente sarampo ou catapora. Insisti muito com a mamãe — em princípio pouco afeita à arte culinária — para fazer um arroz-doce para a comemoração. Embora não morresse de amores pela culinária, ela não tinha má vontade, mas era muito sensata, e provavelmente pensava como eu iria comer doce, pois vomitava o tempo todo. Ia fazer cinco anos.

A janela do meu quarto dava para a cozinha. Eu ficava observando os movimentos do braço da mamãe mexendo o arroz-doce, que ela fazia muito bem, um pouco enjoada com o cheiro da canela em pau, mas fascinada por aquela cena. Eu não queria o doce, queria a sua atenção, ela sempre tão ocupada. Vê-la fazendo a sobremesa já era a comemoração em si, eu tinha febre alta e sabia que não sairia da cama tão cedo.

Depois que deixei a casa de meus pais — aos catorze anos, por força das circunstâncias — fui gradualmente parando de festejar meu aniversário. Morava em casas alheias, e a prioridade passou a ser, naturalmente, as festinhas dos meus sobrinhos pequenos.

Meu marido adorava comemorar seus aniversários. Alguma coisa tinha de fazer, nem que fosse um almoço para os parentes. Gostava de bolos confeitados e de apagar velas. Dias antes eu começava a planejar o cardápio, tentando vencer a resistência interna. Já me levantei às cinco da manhã para começar a fritar pedaços de frangos para prepará-los com quiabos, piquei couve às nove, fiz arroz-doce de véspera. Tudo aquilo me dava uma canseira enorme, e eu sempre me perguntava se valia a pena. Mas fazia para agradá-lo, para ver as pequenas faíscas de alegria nos seus olhos.

À medida que o tempo foi passando, as dificuldades com os meus aniversários foram aumentando. Muitas vezes fiz festinhas, encomendei salgados, convidei amigos e colegas de trabalho, animada pela insistência de José, que nunca se esqueceu das rosas vermelhas, entregue em mãos. O número de flores variava, dependendo da situação de nossas economias. Já ganhei uma única rosa, com laço de fita, como também duas dúzias.

Depois de sua morte, senti que estava liberada da tarefa de fazer festinhas. Fiquei livre para dar vazão ao meu verdadeiro desejo, nessas datas: viajar, sair, sumir, desaparecer no ar, não atender telefonemas, não receber cumprimentos, evitar aquela falta de graça que é responder indefinidamente muito obrigada, ah, que bom que você se lembrou, não, não vou fazer festa, este ano não, no próximo, quem sabe.

Fico me perguntando se eu gostaria mesmo que ninguém se lembrasse. Não sei a resposta. Difícil também é entender por que alguém que não é antissocial pode não gostar de festejos no aniversário. O que sinto é um constrangimento, uma vergonha, sou tomada por incômoda timidez, fico sem assunto, quero que passe logo, que termine, que o dia seguinte chegue.

Pesquisando sobre o assunto, li depoimentos de pessoas que sentem a mesma coisa, apontando variadas justificativas: algumas dizem que têm medo de ninguém comparecer à festa e temem que a comemoração seja um completo fiasco; outras acham que não sabem receber os convidados; algumas têm medo de fazer pouca comida e assim por diante. Explicações não faltam, todas na linha da insegurança. Psicólogos sugerem que esse tipo de comportamento é usual nas pessoas que julgam não ter o que comemorar, coisa de gente triste, insatisfeita com a própria vida. Para eles, a data do aniversário pode funcionar com um gatilho que faria vir à tona sentimentos negativos como frustração e menos valia, nem sempre bem percebidos nos outros dias do ano, levando as pessoas a uma reflexão carregada de melancolia e sensação de vazio.

Essas hipóteses não me pareceram adequadas ao meu caso. Gosto de pessoas, de conversar, ler, passear, adoro viajar, ver museus, lojas de antiguidades, tenho loucura por praia, enfim, é bastante extensa a relação de coisas que me atraem. Tampouco me sinto insegura para organizar festas e já fiz várias, algumas para um razoável número de convidados.

O que me parece que quase ninguém leva em conta é que não gostar de aniversário é legítimo. Ninguém é obrigado a engrossar as fileiras dos que gostam, só por que estes são em maior número. Não é errado fazer parte da minoria que se sente pressionada pelos familiares e amigos a fazer festa. Não é inadequado achar aborrecido e previsível apagar velinhas, comer bolo, brigadeiros ou beijinhos, fazendo cara de quem está achando o máximo.

Tudo é questão de gosto, de jeito de ser, de temperamento. Tendo finalmente esclarecido essas questões, agora não me obrigo mais a agradar os outros. Se o aniversário é meu, posso passá-lo sozinha ou viajar com amigos, sem nenhum peso na consciência. E almoçar ou jantar num restaurante excelente, sem lavar nem um prato sequer. Não preciso mais fingir ter gostado de presentes que achei horríveis, para não magoar as pessoas. Não é necessário dizer que adorei o livro de autoajuda, que estou muito interessada no autor medíocre ou que vou usar os brincos de bijuteria que parecem de lata e me dão alergia. Enfim, estou livre de dizer que delirei com o cinto dourado brega até onde chegou e parou — que jamais usarei — ou que fiquei inebriada com o perfume dulcíssimo que me dá enjoo. Posso escolher um presente para mim mesma, algo que eu queira muito, que ache maravilhoso e original. Aí sim comemoro o meu aniversário à minha moda, na medida exata das minhas esquisitices, sem ter de sorrir sem vontade ou de escutar o desentoado parabéns pra você.

 

 

 

dezembro, 2016