~

 

poeta austero

não fazia ditirambos

mas elegias reconhecidas

pela academia

e citadas em livros didáticos

 

na intimidade

bebia vinho da colônia

e fumava caporal amarelinho

 

sem filtro

 

na sua idade praticava

a litania da dignidade

 

morreu de pés quebrados

nos pirríquios

dados por um fã incondicional

de rimas vadias

 

deixou vários hemistíquios

alguns decassílabos

e três sextilhas

(não reconhecidas)

 

 

 

 

 

 

~

 

aos trinta e nove

é bom ter dezenove

 

sentimentos centímetros

 

e ela pergunta centrípeda

você leu mesmo heidegger

nos mínimos

 

detalhes

 

não

ele pra mim

é um lírico

 

e você

quo vadis

 

 

 

 

 

 

~

 

curitiba você era toda lindinha

lascívia e recato no encanto caipira

de suas ruas molhadinhas

 

onde escorregam saltões de dondocas

que têm petit pavê

com os manobristas de carro

do palácio do batel

 

e os piás (barbudinhos) usam cachecules

e camisetas de brexó

mas não usam camisinhas

e se fazem de rudes sensuais na tv

 

ah curitiba cadê você na minha madrugada

me fazendo cafuné com sua geada

enquanto destruo o tapouere de batata palha

na barrraquinha de cachorro quente da rui barbosa

 

curitiba (ah curitiba)

por que suas polaquinhas

perderam a classe

(viraram cosmopolitas multimidias)

e caminham descalças pela cruz machado

estragando a chapinha do salão marli

depois de voltarem infelizes de santa

pelo itinerário da rodovia dos minérios

(trás um jarro de tinto da casa

e uma overdose de polenta frita com frango)

pra procurar um táxi

(às duas da manhã aham)

 

curitiba (que segundo o millôr já foi do mundo)

e agora abriga versões não musicadas de hendrix

na praça tiradentes

sem dentes e cheia de craques

(recitando a litania do silêncio

pelo largo coronel enéas)

 

curitiba me deu saudade

de você e de seu sotaque

e hoje à mercê desse sentimento ingrato

pegarei um ônibus lotado

e vou pra almirante tamandaré

 

 

 

 

 

 

~

 

como bom covarde que me sei

prefiro um suicídio lento

porque porcos poetas se fazem

cozinhando o galo em banho-maria

 

desisti da alegria meu bem

e nada como o outro dia depois

de um outro dia depois de um

leão por dia todo santo dia

 

quem dera esse céu de bíblia mórmon

iluminasse estes verbetes de dicionário

que são a minha vida sentida e íntima

 

e que você visse que a tristeza não é

uma iguaria fina mas sim a condição sine

qua nom pra me fazer companhia

 

 

 

 

 

 

~

 

sim buana

poemas são sobre poemas

este poema (por exemplo)

só fala de si mesmo

(poetas só falam de si mesmos)

o resto é fruto de ressacas mal curadas

(essa entidade que persegue e aniquila

bem mais que a bebida

e incorpora mais que a reagen do exorcista

ou o alan kardec

pra quem é kardecista)

 

tome uma anáfora

tome uma rima toante

rime azeite com boite

e se não rimar cria a expectativa

(lembre que o cão ladra ao que desconhece)

 

e se tudo mais falhar

você pode ter o ensejo

de pegar umas incautas do curso de letras

ou aprender C F G

e dissolver acordes de aço

em músicas sertanejas

 

 

 

 

 

 

~

 

um poema é para ser bebido

procure o verbete libido no dicionário

aurélio há grandes orelhas e a prisão

é um quarto só com quatro mil páginas

 

(ah tá

safada

é minha mãe que deu pro meu pai)

 

cherrie a gente aqui não sorri

lamenta

não não somos feliz

 

(errei a concordância porque talvez

a vida haja errado)

 

o meu propósito é ver a sasha grey

colorida de ladinho

e isto é só um exercício de surrealismo

 

(mas se você souber contar

teremos um poema

bem lindinho)

 

é só entender a melodia

 

 

 

 

 

 

~

 

quem dera eu tivesse palavras

sublimes para um poema sublime

cheio de mensagens subliminares

 

quem dera eu rimasse a palavra chave

com a palavra coração

 

mas aqui nestes cafundós

a rima anda de ônibus

e eu não leio a quatro rodas

vip ou vejo televisão

 

então meu poema

(esta série de palavras que coloco deste

jeito no papel pra dizer que é um poema)

padece e carece da originalidade

das apresentações de power point

 

(mas imagine kitaro ao fundo)

 

as minhas palavras vem do submundo

zorreiro

pau

cu

boceta

carninha mijada e chapeleta

 

eu juro que queria ser lírico

te entregar dissonâncias e iâmbicos

ter o traquejo linguístico de um estafeta

 

(mas não consigo)

 

porque de todas as minhas palavras

a única válida

seria o seu corpo em silêncio

comigo

mas pra isso

eu não tenho a receita

 

 

 

 

 

 

~

 

seu corpo é o recinto

onde vivo e digo

quando sem juízo

canto a melodia do dia

apagando anáforas nos cotovelos

e rifando meu fígado

 

o fio do meu latido

é crucial aos ouvidos

como os agudos do pablo milanês

 

não julgo o amor cortês

tomo um gole e sacudo

seus débeis pesadelos

sempre à sua mercê

 

(daquela vez que me amaste

meu deu mais

vontade do seu labitinto)

 

eu rio absinto

rio caudaloso do seu decoro explícito

 

santo santo sonoro sono

moribundo à via férrea

dos seus segredos ridículos

 

e nosso amor burro

me faz em seus braços

ser sempre mordaz e mortífero

 

 

 

 

 

 

~

 

o que quer calar em mim esse frio

este bater de dentes cerrados

que me tira um pouco a pouco

de mim o desejo de encontrar-me

 

a água desengonça o sentido do prumo

quando muito a bússola gira rumo a tudo

o mundo olho embotado busca a fundo

 

o arco do corpo a anca o beijo

o pêndulo o tempo que esgota o sexo

no verso da cabeça já alheia e surda

 

o que quer falar em mim é o calor do magma

que me prende pedra e me circunda lava

 

 

 

 

 

 

~

 

eu queria que você me amasse

breve como um equívoco

que aceitasse meus poemas em prosa

e me desse suas mentiras

de verdade

 

queria que você fosse

a pessoa mais importante do mundo

 

e depois que (eu) morresse

tragicamente como um pássaro

 

 

 

 

 

 

~

 

penso qual momento

teu olho desviou o meu

e partiu

 

penso qual momento

meu braço descreveu um arco

vazio

 

a flecha franca videira em meu flanco a boca

farpando amiúde o beijo emudecido na secura

se sucumbe em hecatombe o animal tristonho

consumindo a vida vai e vem prometendo fogo

 

 

 

 

 

 

~

 

abalroando

o gajão vinha vindo

cheio de rum

como um galeão

paraguaio

 

cruzou os sete mares da cachaça

 

cantou

dançou

não comeu ninguém

 

rugiu toda a artilharia

de sua pirataria poética

 

escutou vinte vezes

e mais uma

a mesma música

 

aí naufragou

 

pôs a culpa

na qualidade

da madeira

 

 

 

 

 

 

 

 

[imagem ©mladen pidžo ranković] 

 

William Teca (Curitiba/PR).  Poeta e músico. Mestre em Literatura (UFPR), escreveu a dissertação "A carnavalização de Descartes no Catatau de Paulo Leminski". Cursa o doutorado (também na UFPR) e escreve a tese "O sentido na poesia".