*

 

 

nem os livros

nem os terapeutas

nem os discos

ninguém soube explicar

tudo que se move

aqui dentro

quando você

afunda esses olhos

nos meus.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

não lembro

que horas

o relógio marcava

só sei que foi assim

na plataforma

esperando o metrô

que ela entendeu

que precisava

da solidão

daquela mais dura

mais seca

mais silenciosa

ela precisava

se entender de novo

precisava saber

que somos sim

as nossas falhas

mas não só

e depois de tantas horas

com a cabeça atormentada

ela sentiu o

peito desinchar

pela primeira vez

em meses

e depois de tanto tempo perdida

ela parou de esperar

qualquer coisa de alguém

e finalmente

se encontrou

em si mesma

aí seguiu sozinha

no vagão lotado.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

a mão no meu quadril

me puxando bem perto

me grudando nela

os olhos nus

os meus, os dela

o ar quente no pescoço

a língua que segue

da orelha até os peitos

até as coxas

até se afundar

inteira

em mim

e molhar

junto comigo

o corpo dela

sobre o meu

os pelos

misturam

os dedos

passeiam

os músculos

contraem

e as vozes falham

mordida no lábio

beijo fundo

o suor

que faz a gente

deslizar

e o barulho

dos nossos poros

que dançam

e seguem

o mesmo ritmo

ela sabe daquele

meu sorriso que diz

vem,

se perde

em mim.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

deitada depois de um dia cheio escutando

tudo que vem da janela

carros

vozes

chuva

deitada com os olhos cansados lembrando

que você tentou me estragar

mas falhou

deitada massageando o próprio pescoço sabendo

que a minha carne é forte

muito mais forte

do que você pensou

deitada sentindo frio nos pés descalços arrepiando

com meu próprio vendaval

minhas pupilas já não estão amargas

ainda bem que nada continua igual

deitada espalhada na cama toda olhando

pro teto e sentindo minha veia tremer

ainda bate

ainda bate

ainda bate

está batendo

um sorriso exausto sai do canto

da minha boca

um dia e outro dia e outro dia

ainda bate

ainda bate

o mesmo coração

que contigo

foi desperdício

ainda bate

está batendo

provando que cada parte de mim

resiste como nunca,

meu bem.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

desaprendi a ser leve

me pego esperando

quando o peso das coisas

vai vir me beijar.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

vai,

sopra teu vento

no meu peito

e me faz furacão.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

cuidado: forte

muito forte

é esse o aviso

do meu coração.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

ando pesando

mais de uma tonelada

de coração.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

quarto pequeno

estação lotada

rua barulhenta

não

(me)

caibo.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

quero

seus demônios

dançando

junto

com

os meus.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

esqueço a blusa de frio

prefiro abraços

esqueço o guarda-chuva

o coração inunda.

 

 

 

 

 

 

*

 

 

sobre recomeços

é sempre assim

boa parte da gente morre

pra outra parte

começar a se sentir viva

novamente

 

 

 

 

 

 

gratidão

 

 

corpo tem

mente tem

mas coração

coração não tem controle.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[imagem ©jenny terasaki]

 

 

 

 

Ryane Leão é feminista, escritora, tem dois gatos e cola uns lambes de poesia por aí.